ACNE NA ATENÇÃO BÁSICA:O QUE OS MÉDICOS DEVEM SABER?
Por: Leonardo S.
23 de Janeiro de 2022

ACNE NA ATENÇÃO BÁSICA:O QUE OS MÉDICOS DEVEM SABER?

DERMATOLOGIA

Medicina Fisiologia Anatomia humana Histologia Imunologia Curso superior Farmacologia Dermatologia

As queixas dermatológicas na Atenção Primária à Saúde (APS), geralmente vêm mal formuladas, pelo reconhecimento do surgimento de uma lesão, mancha ou nódulo cutâneo, que muitas vezes são nomeadas como “caroço”, “mancha”, “bereba” ou alguma outra nomenclatura popular. Não raramente vem acompanhada de outras queixas como prurido, dor, perda de sensibilidade, etc.

Para que o profissional reconheça adequadamente a lesão, é importante entender uma pequena inversão na lógica da consulta do método clínico tradicional. Enquanto em uma consulta tradicional há explanação da anamnese e posteriormente o exame físico, na queixa dermatológica, é recomendado que o exame físico seja realizado logo após a queixa e duração. A caracterização do restante da anamnese deve ocorrer de maneira concomitante ao exame físico ou após sua realização. Se por um lado, tal alteração torna mais dinâmica e resolutiva a consulta dermatológica, é natural pelo próprio hábito do método clínico, surgir hipóteses diagnósticas imediatamente após o exame físico, o que aumenta o risco de definição precipitada de condutas. Para evitar esse risco é fundamental que a formulação das hipóteses siga o rito de identificação das lesões elementares, que em processo, durante o ato da consulta, pode ser direcionado por anamnese detalhada e, consequentemente, chegar-se ao diagnóstico preciso.

Importante ressaltar que diversas patologias dermatológicas apresentam forte componente emocional, tais como as dermatites atópicas, seborreicas, alopecia e eflúvio, psoríase, hiperidrose entre outros. Portanto, nesse acolhimento do paciente é importante a Abordagem Centrada na Pessoa ou Método Clínico Centrado na Pessoa, buscando avaliar não somente a doença de pele em si, mas a pessoa que apresenta a doença, como ela lida e vive com a doença, seu contexto de vida individual, familiar e social.

Anamnese: 

1) Quando percebeu o surgimento?

2) Esteve sempre da mesma forma ou se modificou?

3) Está crescendo?

4) É única ou existem/ existiram outras em outros lugares do corpo? Caso tenham se espalhado, isso ocorreu com algum padrão? 

Fatores de melhora/ piora: 

1) Melhora com alguma medida?

2) Piora com algo?

3) Há período do dia onde surge ou parece estar mais intensa?

4) Usou algum tratamento anterior por causa dele, tópico ou sistêmico?

5) Há sintomas associados, como prurido, dor ou perda de sensibilidade?

AP ou AF:

1) Tem alguma doença pré-existente?

2) Teve contato/ conviveu com pessoas com lesões similares ou em tratamento por alguma doença que apresentasse manifestações cutâneas?

3) Na família, há histórico de pessoas com lesões de pele similares ou doenças dermatológicas com atopia, por exemplo?

Medicações de uso contínuo (MUC)/ Alimentos:

1)Tomou algum medicamento ou fez uso de vacinas recentemente?

2)Há algum fator desencadeante, como frio ou algum produto como desodorantes, cremes, etc?

3)Se alimentou com alimentos industrializados, ricos em corantes, conservantes e outros produtos similares?

O exame clínico:

Inspeção: deve abranger toda a pele, incluindo, mucosas, unhas e couro cabeludo. É importante lembrar-se de avaliar regiões ocultas de acordo com a queixa como a parte inferior das mamas, virilhas e parte inferior da bolsa testicular, fenda interglútea, interdígitos e atrás da orelha. Orientado pela queixa, deve-se realizar a inspeção da área acometida ou, em casos específicos, do corpo como um todo, sem roupas ou acessórios, em local adequado, sempre preservando a intimidade da pessoa. A localização, topografia, distribuição e padrão das lesões fazem parte da caracterização fundamental para o diagnóstico correto.

Palpação: checar a existência de lesões sólidas, alterações de volume, espessura, umidade e consistência da pele. Observar elasticidade, turgor e mobilidade correlacionando com a idade. Avaliação de sensibilidade térmica, dolorosa, e tátil, se necessário utilizando instrumental específico. 

Digitopressão ou vitropressão: pressionando a lesão com os dedos ou com lâmina de vidro, provoca-se intencionalmente uma pequena isquemia local temporária, capaz de distinguir algumas lesões, em especial as vascularessanguíneas. 

Compressão: a compressão possibilita a avaliação de dermografismo e de edema na região. 

CASO CLÍNICO:

Paciente de 15 anos de idade, do sexo masculino, queixa-se de cravos, espinhas e pele oleosa. Já tentou tratamentos por conta própria, influenciado por propagandas que assistiu na televisão, sem melhora significativa. Reduziu o consumo de alimentos gordurosos, mas isso também não surtiu efeito. O adolescente veio à consulta médica acompanhado do pai, o qual refere que o paciente vem se sentindo bastante incomodado com o quadro, o que tem prejudicado seu desempenho na escola e sua vida social (tem tido vergonha de sua aparência etc.).

Ao exame, notam-se inúmeros comedões fechados e alguns abertos (cravos brancos e pretos), assim como algumas pústulas e máculas hipercrômicas cicatriciais/residuais. O paciente diz na consulta que um amigo usou um medicamento muito forte e ficou curado. Ele gostaria de fazer esse mesmo tratamento.

HD: acne vulgar. 

A acne é uma das dermatoses mais frequentes na prática clínica. É responsável por 14% das consultas dermatológicas no país e acomete cerca de 80% dos adolescentes, persistindo em 53% das mulheres e em 40% dos homens em idade adulta. Sua alta prevalência e comum remissão espontânea por volta dos 20 anos de idade, reforça a cultura de um "estado normal" da adolescência. O atraso no diagnóstico e tratamento da doença pode resultar em grande impacto na qualidade de vida do indivíduo, desencadeando ou agravando problemas emocionais, como depressão e transtornos de ansiedade, especialmente na fase mais comum de sua apresentação, a adolescência.

Inicia-se, normalmente, na puberdade e acomete ambos os sexos. Em geral, as meninas podem desenvolver a acne 1 ano antes da menarca, sendo, portanto, mais precoce que nos meninos. Mulheres também podem apresentar o que se chama de Acne da Mulher Adulta (nesse caso, podem não ter tido Acne na adolescência).

Diversos fatores levam um indivíduo a desenvolver quadros de acne. No entanto, três fatores são essenciais para o surgimento das lesões: hipersecreção sebácea, queratinização exacerbada do folículo (hiperceratose intrafolicular) e a presença de bactérias no folículo. A hipersecreção sebácea associada à obstrução da unidade pilosebácea, devido à hiperqueratosis intrafolicular, provoca o acúmulo de material sebáceo nos folículos, criando os chamados comedões (popularmente conhecidos como cravos). A bactéria Propionibacterium acnes, frequentemente encontrada nesses folículos, colabora com o processo inflamatório subsequente à obstrução.

Outros fatores também podem ser agravantes da acne, como distúrbios emocionais por atuar no córtex cerebral sobre o sistema neuroendócrino e distúrbios hormonais. Em relação aos alimentos, existe um conceito entre leigos de que alimentos gordurosos e chocolate agravam a acne. No entanto, a influência alimentar na evolução da acne raramente é observada.

O quadro clínico é bem variado, caracterizado por comedões, pápulas, pústulas, nódulos e abscessos. Geralmente as lesões se localizam na face, ombros e porção superior do tórax, acompanhadas pelo excesso de oleosidade na pele. De acordo com o número e o tipo de lesões, divide-se a acne, esquematicamente, em graus:

Acne grau I (comedogênica): caracteriza-se pela presença de comedões. Podem ser fechados (cravos brancos) ou abertos (cravos pretos).

Acne grau II (papulopustulosa): presença de comedões abertos, pápulas, com ou sem eritema e algumas pústulas. Este grau de acne é o mais variável, desde poucas lesões até numerosas, com inflamação intensa. A seborréia está sempre presente.

Acne grau III (nódulo-cística): há comedões abertos, pápulas, pústulas e alguns nódulos furunculóides. Pode ocorrer a formação de pus.

Acne grau IV (conglobata): forma grave de acne no qual, além de pápulas e pústulas, associam-se nódulos purulentos, formam abscessos e fístulas que drenam pus. É mais frequente em homens e em geral acomete a face, pescoço e tórax.

Acne grau V (fulminante): extremamente rara. Ocorre quando, a partir de um quadro de acne grau III ou IV, surgem subitamente febre, leucocitose, artralgia e necrose ou hemorragia de algumas lesões.

A acne vulgar é bastante característica e em geral de fácil diagnóstico. A acne, após o período da adolescência, deve ser distinguida das erupções acneiformes (como a decorrente do uso de corticosteroides injetáveis). A rosácea pode apresentar pápulas foliculares semelhantes à acne, porém, a idade, o eritema e a localização centro-facial, permitem, em geral, distinguir as duas condições.

Como conduzir?

Orientações, oportunidades de cuidado ampliado, intervenções terapêuticas possíveis e terapêutica disponível no SUS

O tratamento da acne deve ser instituído o mais precoce possível. Como discutido previamente, este tratamento deverá ser individualizado, baseado no tipo de acne e impacto psicossocial produzido. Não deve ser negligenciada, uma vez que os tratamentos são eficazes em controlá-la ou mesmo curá-la. Entretanto, o profissional deve estar ciente de que isso pode, em certos casos, levar muito tempo e exigir mudanças relevantes de estilo de vida, bem como constância de propósito por parte do paciente e família.

Na acne comedogênica, o tratamento tópico é o mais indicado.

Em formas leves, o tratamento pode ser apenas local, com inúmeros produtos existentes no mercado, isolados ou combinados: ácido salicílico, peróxido de benzoíla, retinoides (tretinoína, adapaleno), antibióticos (clindamicina e eritromicina) e associações de retinóides com antibióticos.

Cuidados Gerais

Toda a orientação para o paciente com acne ou para aqueles que querem apenas prevenir o seu surgimento passam por uma higiene adequada da pele com um sabonete ou produto de limpeza indicado especialmente para pele acneica ou oleosa. Nesse sentido, sabonetes à base de enxofre ou ácido salicílico podem ajudar no controle da oleosidade. A extração manual de comedões abertos (cravos pretos) não é necessária. Há melhora temporária, porém, há risco de infecção pelo manuseio das lesões. Os comedões fechados (cravos brancos) podem ser abertos com ponta de agulha ou de um eletrocoagulador.

Medicamentos Tópicos

Na acne comedogênica, o tratamento tópico é o mais indicado. Diversos ativos estão disponíveis para o tratamento com ótima tolerabilidade.

Destacamos o Peróxido de Benzoíla, presente na RENAME, nas concentrações de 2,5 e 5% em gel. Este medicamento possui ação comedolítica, antibacteriana e bactericida, em especial contra o P. acnes. Pode ser usado nas formas comedogênicas e no tratamento da acne grau II. O paciente deve aplicar o gel na face à noite e remover pela manhã. Deve ser orientado a evitar a exposição solar. Quando, pelo uso diário, ocorrer irritação (vermelhidão, ardor ou descamação intensa) deve-se alternar os dias de uso.

Outros medicamentos tópicos utilizados são a tretinoína tópica (0,05%) e o adapaleno (0,1%). Todos os retinóides devem ser aplicados à noite e removidos pela manhã. Quando houver um componente inflamatório importante, a associação com antibióticos tópicos mostra-se benéfica. Dois antibióticos são os mais utilizados, sobretudo na acne grau II: Eritromicina (2 a 4%) e Clindamicina (1 a 2%)

Medicamentos por via oral

Quando a resposta ao tratamento tópico é insuficiente, o tratamento sistêmico é introduzido. A primeira indicação é a tetraciclina (e oxitetraciclina) na dose de 500mg duas vezes ao dia. No entanto, essa terapia pode ser substituída por antibióticos disponíveis na RENAME como a Doxiciclina (100 mg/dia), Eritromicina (500 mg, duas vezes ao dia) ou Sulfametoxazol-trimetoprima (um comprimido 400/80, duas vezes ao dia).

A melhora se dá em geral após 2 meses. Quando houver melhora significativa, devem-se reduzir as doses. A eritromicina deve ser ingerida, preferencialmente, antes das refeições. No entanto, a doxiciclina e o sulfametoxazol-trimetoprima devem ser administrados, preferencialmente, após as refeições.  O tratamento com antibiótico oral deve ser feito por, no máximo, três meses, em um ou até três ciclos. O tratamento hormonal, com anticoncepcionais orais, é sempre útil para as mulheres, desde que não existam contraindicações.

Quando o antibiótico é incapaz de controlar o quadro, a indicação de isotretinoína oral deve ser considerada.

A isotretinoína oral é um derivado do retinol (vitamina A) e atua sobre a glândula sebácea, diminuindo e normalizando a produção de sebo e a queratinização folicular. Deve ser usada nas formas mais graves de acne (grau III, IV e V) e na acne grau II resistente ao tratamento sistêmico com antibióticos e/ou com tendência à cicatrização hipertrófica. A maioria dos doentes responde ao tratamento com cura definitiva da acne. Alguns efeitos colaterais são comuns e o medicamento é extremamente teratogênico. Um controle laboratorial é necessário trimestralmente para avaliação da função hepática e o paciente deve ser observado para alterações de humor. Por esse motivo, recomenda-se encaminhar estes casos ao dermatologista que conduzirá o caso com maior destreza. O medicamento encontra-se disponível na RENAME, na Lista de Componentes Especializados.

Nos casos de acne conglobata ou fulminante, os pacientes devem receber tratamento com antibióticos disponíveis e corticoides orais enquanto aguardam a consulta com o especialista. Geralmente, utiliza-se prednisona, na dose de 20 mg ao dia, reduzida até a melhora do quadro.

Recomenda-se encaminhar ao serviço especializado em Dermatologia os casos com as seguintes condições:

Casos de acne fulminans ou acne conglobata; ou casos de acne leve a moderada, com prejuízo na qualidade de vida e insucesso no tratamento clínico otimizado, realizado por pelo menos 6 meses (antibioticoterapia sistêmica e tratamentos tópicos).

 Trata-se de um caso de acne grau II, leve à moderada. Pode ser tratado com os medicamentos tópicos sugeridos e, em caso de pouca resposta, pode-se associar a terapia sistêmica com antibióticos.

É importante destacar que a grande maioria dos estudos não mostra relação entre a alimentação e o agravamento da acne. Por isso o paciente não notou melhora ao modificar sua alimentação. O medicamento "forte e definitivo" referido pelo paciente é, muito provavelmente, a isotretinoína via oral. Deve-se explicar que tal medicamento não está indicado para o seu grau de acne, apenas para graus mais avançados, orientando os possíveis efeitos colaterais. 

 

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