Pirogênio e Endotoxina
Por: Luciana D.
28 de Fevereiro de 2017

Pirogênio e Endotoxina

Farmácia-Bioquímica Controle de Qualidade Celular Geral

Substâncias que induzem febre são chamadas pirogênios. A palavra pirogênio é relacionada à palavra grega pyro, que significa ardente ou fogo, uma descrição adequada para substâncias que produzem elevação da temperatura do corpo.

            Os pirogênios são divididos em duas classes. Pirogênios exógenos são aqueles originários fora do corpo e induzem elevações térmicas quando injetados em humanos e animais. Embora o lipopolissacarídeo (endotoxina) seja o mais presente e importante pirogênio exógeno, há outros de constituição química diversa, que causam elevação de temperatura quando injetados sob condições específicas. Classes gerais de pirogênios exógenos incluem bactéria, fungos e vírus, como também pirogênios não microbianos, por exemplo, alguns fármacos, esteróides e frações do plasma.

            O pirogênio endógeno, entretanto, é produzido internamente pelo hospedeiro em resposta ao estímulo de vários pirogênios exógenos. O pirogênio endógeno é uma substância homogênea sintetizada por diferentes células de hospedeiros após exposição aos pirogênios exógenos como a endotoxina. Hoje, está bem estabelecido que o pirogênio endógeno é o mediador central da febre. Os níveis de pirogênio tornaram-se cruciais na liberação de produtos farmacêuticos. Sob o ponto de vista de controle de qualidade, todos os injetáveis, bem como os acessórios para transfusão, infusão e todos os dispositivos implantáveis ou descartáveis empregados em terapia parenteral devem oferecer segurança ao paciente, sob o ponto de vista de contaminantes pirogênicos.

            Produtos injetáveis de grande volume e de pequeno volume, assim como produtos

na forma de aerossol, para uso respiratório devem ser analisados. O potencial de periculosidade é maior quando se trata de injetável de uso exclusivo por via intravenosa.

 

Endotoxinas

             Endotoxinas são complexos de alto peso molecular associados à membrana externa de bactérias Gram-negativas, sejam elas patogênicas ou não, e se constituem na mais significante fonte de pirogênio para a indústria farmacêutica. Apesar de a maior parte da endotoxina permanecer associada à parede celular até a desintegração da bactéria, quantidades ínfimas de endotoxinas são liberadas, na forma solúvel, por culturas de bactérias jovens ou também por bactérias Gram-negativas como E.coli, Salmonella, Shigella, Pseudomonas, Neisseria, Haemophilus e outros agentes patogênicos, em crescimento. Endotoxinas não purificadas podem conter lipídeos, carboidratos e proteínas. Como podem ser encontradas unidades não purificadas nas fases em processo ou nos produtos farmacêuticos terminados, prefere-se utilizar a terminologia endotoxina.

            A denominação de lipopolissacarídeo (LPS) é aplicada à endotoxina purificada, para enfatizar a sua natureza química.

 

Estrutura, Função e Atividade da Endotoxina

             As endotoxinas são tóxicas à maioria dos mamíferos. Estudos têm demonstrado que a injeção de células de bactérias Gram-negativas vivas ou mortas, ou LPS purificados causa uma série de reações patofisiológicas que podem variar de uma leve alteração de temperatura (febre), mudança na contagem de células brancas do sangue, coagulação intravascular disseminada, hipotensão, choque, até mesmo a morte. Por isso, a detecção e a eliminação de endotoxina bacteriana em fármacos de uso in vivo são de vital importância aos pacientes.

            O mecanismo de indução de febre envolve a fagocitose do lipídeo A, sendo produzido pirogênio endógeno, que atravessa a barreira hematoencefálica e altera o ponto de equilíbrio dos neurônios reguladores de temperatura do hipotálamo anterior. Um significante aumento na concentração de prostaglandina E2 e adenosina monofosfato cíclica (cAMP) foi encontrado no fluido cerebrospinal de coelhos nos quais foi induzida febre por injeção intravenosa de lipídeo A, indicando que ambos ocupam papel importante na indução de febre.

            A determinação da sensibilidade relativa de coelhos e humanos a várias endotoxinas foi considerada de grande importância, uma vez que o teste de pirogenicidade era feito objetivando segurança no uso de medicamento parenteral em humanos. Esses estudos foram realizados utilizando-se preparações purificadas, enquanto que as endotoxinas que ocorrem naturalmente como contaminantes de produtos farmacêuticos apresentam comportamentos distintos; a pirogenicidade pode depender do tipo de endotoxina, assim como do nível de dose utilizado.

 

 Processos de Despirogenização

             A endotoxina é notoriamente resistente à destruição pelo calor, dessecação, pH extremos e vários tratamentos químicos, por isso a validação do processo de destruição ou remoção da endotoxina na produção de injetáveis é um fator crítico para o fabricante.

Duas grandes classes de processos de despirogenização que podem ser aplicadas a componentes, dispositivos, materiais que entram em contato com injetáveis e às próprias drogas incluem a inativação e a remoção da endotoxina.

            A inativação pode ser obtida pela detoxificação da molécula de LPS usando tratamentos químicos que quebrem pontes lábeis ou bloqueiem sítios necessários à atividade pirogênica: hidrólise ácida, oxidação com peróxido de hidrogênio, hipoclorito de sódio, periodato de sódio, permanganato de potássio diluído, alquilação com anidrido acético e succínico, ou mesmo óxido de etileno. Outros processos que levam à inativação de endotoxinas são: tratamento por calor seco, radiação ionizante e tratamento com o antibiótico polimixina B.

            A hidrólise ácida ocorre na ligação do lipídeo A com o núcleo de polissacarídeos separando o lipídeo A do restante da molécula, que isolado e insolúvel em meio aquoso tem sua atividade pirogênica reduzida ou eliminada. A hidrólise ácida também pode agir sobre a fração lipídeo A, alterando a conformação da molécula em sítios funcionais essenciais, ou clivando ácidos graxos, afetando a solubilidade e pirogenicidade do lipídeo. Na despirogenização de materiais utiliza-se HCl 0,05 N por 30 minutos a 100 °C ou ácido acético glacial 1,0% por 2 a 3 horas a 100 °C.

            No processo de oxidação, o peróxido de hidrogênio é efetivo na eliminação do pirogênio da Água Estéril para Injeção USP, solução salina normal e salinadextrose, com vantagem adicional da ausência de peróxidos em seu final. O processo é dependente do tempo, pH e concentração.

            O tratamento de endotoxinas com agentes alquilantes, como anidrido acético e succínico, promove redução de atividade pela acetilação e succinilação, respectivamente. O óxido de etileno é um forte agente alquilante com ação eficaz na destruição de endotoxinas.

            Para materiais resistentes à temperatura, como frascos de vidro e instrumentos metálicos, o método de escolha para inativação de endotoxina é o tratamento por calor seco obtido em estufas ou túneis de convecção, condução ou irradiação (Infravermelho). O método padrão é de exposição a não menos de 250 °C, por não menos que 30 minutos, sendo o mecanismo de inativação a incineração.

            Para verificar a eficácia do processo de despirogenização por calor seco, devem ser realizados experimentos utilizando quantidades conhecidas de endotoxina de Escherichia coli. A toxicidade de endotoxinas bacterianas é reduzida com Cobalto-60, sendo que as alterações físicas e biológicas relatadas são dependentes da dose. Como este processo aumenta a possibilidade de alterações químicas desconhecidas em fármacos e soluções parenterais, o uso de radiação ionizante na despirogenização de materiais não tem sido considerado. Os riscos de toxicidade decorrentes do processo superam os benefícios.

            A polimixina B é um antibiótico catiônico que pode anular a atividade biológica da endotoxina, embora mais estudos sejam necessários para esclarecer a sua ação.

            A remoção de endotoxinas pode ocorrer por diferentes métodos, baseada em características físicas da endotoxina, a saber, tamanho, peso molecular, carga eletrostática ou afinidade da endotoxina a diferentes superfícies: lavagem com água estéril para injeção USP, destilação, ultrafiltração (o tamanho da subunidade básica do LPS é cerca de 10.000 a 20.000 daltons), osmose reversa, adsorção em carvão ativo ou em asbestos, por atração eletrostática, ou em membrana hidrofóbica.

            A lavagem com solvente livre de pirogênio, como Água Estéril para Injeção USP, é um dos métodos mais simples e antigos para a remoção de endotoxina de superfícies sólidas. Com procedimentos adequados de lavagem podem-se remover níveis baixos de endotoxina superficial de vidraria, tampas e dispositivos.

            Na destilação, as moléculas de lipopolissacarídeos permanecem na fase líquida enquanto a água pela fervura passa ao estado de vapor. Moléculas de LPS que estiverem nas gotículas de água transportadas pelo vapor tendem a cair por gravidade devido ao seu elevado peso molecular. Sabe-se que a água recém destilada, coletada e mantida em frascos despirogenizados estéreis, é apirogênica.

            Membranas de ultrafiltração são efetivas como filtros despirogenizantes pois seu mecanismo é fundamentado em limites de exclusão de peso molecular. Endotoxinas são retidas na superfície da membrana quando excedem um valor limite de peso molecular, normalmente 10.000 daltons. A ultrafiltração como método de remoção de pirogênios tem sido aplicada com sucesso a uma ampla faixa de fármacos e soluções de baixo e médio peso molecular.

            Membranas convencionais de osmose reversa (com porosidade nominal de cerca de 10 A°) removem endotoxinas por simples exclusão de tamanho, já que os poros da membrana são pequenos o suficiente para impedir a passagem de pirogênios. São extremamente efetivas na remoção de endotoxinas da água, porém o seu uso na despirogenização tem sido limitado, porque muitas moléculas distintas da água também passam através dos poros na membrana de osmose reversa.

            O procedimento mais adotado para a despirogenização de soluções pela adsorção de endotoxinas ao carvão ativo é a sua adição à solução e após agitação, o carvão é removido por filtração ou precipitação. Como o carvão possui grande afinidade por substâncias não ionizadas de elevado peso molecular, a sua aplicação é limitada.

 

 Ensaio de Pirogênio pelo Método in vivo

             O ensaio in vivo é aplicado aos produtos que podem ser tolerados pelo animal em uma dose máxima de 10 mL por kg e envolve a medida do aumento na temperatura em coelhos após a injeção intravenosa de uma solução. São utilizados coelhos adultos e saudáveis, acomodados individualmente em uma área com temperatura uniforme entre 20 e 23 °C e livre de distúrbios que possam excitá-los.

            Cada animal deve ser pesado e colocado em gaiola individual seguindo-se a introdução do par termoelétrico para medição da temperatura retal. Determina-se a temperatura corporal, de 40 a 90 minutos antes da injeção para selecionar os coelhos que serão utilizados no ensaio. A dispersão da temperatura de controle, entre os animais de cada grupo, não deve ser maior que 1 °C, embora sejam valores compreendidos entre 38,0 e 39,8 °C.

            As amostras são injetadas na veia marginal da orelha e a temperatura corporal é registrada durante pelo menos 3 horas. As determinações, em caso descontínuo, ao menos três, devem ser realizadas a intervalos de uma hora após a inoculação da amostra, ou em maior número, a intervalos de tempo menor. O registro gráfico contínuo oferece melhores condições para a decisão final pela análise do perfil da curva.

            Pelo critério de interpretação atualmente empregado em países europeus, cada amostra deve ser avaliada em um grupo de três animais e quando a soma das elevações térmicas individuais máximas for inferior a 1,15 °C a amostra será aprovada e caso seja superior a 2,65 °C será rejeitada. Quando o valor da somatória estiver entre estes valores, a amostra será injetada em outros três animais. Pelo critério adotado pela USP, se nenhum coelho apresentar um aumento individual de temperatura de 0,5 °C ou mais, acima da respectiva temperatura de controle, o produto atende aos requisitos para ausência de pirogênio. Se o aumento individual for 0,5 °C, o ensaio deve ser repetido em outros cinco coelhos. Se no máximo três dos oito coelhos mostrarem aumentos individuais de temperatura de 0,5 °C ou mais, e se a soma dos oito aumentos máximos individuais não exceder 3,3 °C, o produto atende aos requisitos para ausência de pirogênio.

            O ensaio de pirogênio em coelhos, embora seja utilizado quando a metodologia do LAL não é aplicada, ainda é mantido porque tem a seu favor a situação do envolvimento de toda a reação fisiológica do animal, constituindo um teste de segurança para os produtos injetáveis, líquidos para infusão e perfusão, materiais cirúrgicos e descartáveis em geral.

 

 

Histórico

             A maior parte da informação científica sobre pirogênio foi adquirida nos últimos 70 anos, mas o estudo da febre, suas causas, mecanismos e efeitos são tão antigos quanto a medicina, datando de mais de 2000 anos atrás com os primeiros médicos gregos.

            Em 1912, Hort e Penfold realizaram importantes investigações sobre a então denominada febre da injeção e foram os primeiros a planejar e padronizar um ensaio de pirogênio em coelhos.

            Em meados de 1920, Seibert completou uma série de estudos que comprovou que febres ocasionadas por injeções associadas à terapia intravenosa resultavam de substâncias de origem bacteriana, termoestáveis e filtráveis, comumente chamadas de pirogênios.

           

 

Determinação de Endotoxinas Bacterianas pelo Método in vitro

             O procedimento mais simples e amplamente usado para detecção de endotoxinas baseia-se na gelificação. Volumes iguais de reagente LAL e da solução a ser analisada são transferidos a tubos de ensaio. A mistura homogeneizada é incubada em banho de água a 37o C por uma hora. O ponto final da reação é facilmente verificado pela remoção dos tubos e inversão a 180º. A presença do gel que se mantém sólido durante a inversão é considerada positiva para endotoxinas. O ensaio se constitui em teste limite, levando-se em consideração a sensibilidade do LAL empregado, que varia de 0,25 a 0,015 UE mL-1. (UE = Unidade de Endotoxina)

            O método se baseia na reação entre os amebócitos e a endotoxina, produzindo um gel opaco facilmente reconhecido. O reagente LAL é um extrato aquoso dos amebócitos, que são as células sanguíneas da hemolinfa azul da espécie de caranguejo ferradura Limulus polyphemus, composto de enzimas que reagem em presença de pequenas quantidades de endotoxina.

            O Limulus habita em alguns locais na costa do Oceano Atlântico dos Estados Unidos até o Golfo do México. Na preparação do lisado do amebócito de Limulus (LAL), os caranguejos são submetidos à sangria introduzindo-se uma agulha através do músculo entre as regiões cefalo-torácica e abdominal. A hemolinfa é então submetida aos processos

de estabilização e purificação para a obtenção dos amebócitos.

            Os trabalhos de Levin e Bang indicaram que a formação de gel ocorre quando a enzima de coagulação dos amebócitos ativada pela endotoxina, na presença de cátions divalentes, é adicionada à proteína coagulante (coagulogênio). A reação entre o lisado de amebócito e a endotoxina é dependente da concentração de endotoxina, temperatura e pH.

R$ 100 / h
Luciana D.
Rio Verde / GO
Luciana D.
Identidade verificada
  • CPF verificado
  • E-mail verificado
Farmácia-Bioquímica - Química Orgânica Farmacologia Tecnologia Farmacêutica
Doutorado: Biotecnologia e Biodiversidade (Universidade Federal de Goiás - UFG)
Professora da faculdade de farmácia, ministro microbiologia, controle de qualidade e tecnologia farmacêutica.
Cadastre-se ou faça o login para comentar nessa publicação.

Confira mais artigos sobre educação

+ ver todos os artigos

Encontre um professor particular

Busque, encontre e converse gratuitamente com professores particulares de todo o Brasil