O DANO MORAL NAS RELAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
Por: Marcos S.
12 de Fevereiro de 2018

O DANO MORAL NAS RELAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Uma breve análise sobre a possibilidade da aplicação deste instituto do direito civil diante da ineficiência da Autarquia Previdenciária

Direito Direito Constitucional Previdenciário Administrativo Civil

Nos termos do art. 37, §6º da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O artigo citado consagra a responsabilidade civil do Estado sob a forma do risco administrativo, ou seja, além de presentes a conduta do agente público e o dano causado por ela, há a verificação do nexo de causalidade. Assim, quebrado o nexo entre o fato administrativo e o dano causado, não haverá dever de reparar o dano.

 

Os danos causados pela Administração Pública podem ser de natureza material ou moral. A obrigação de reparação por danos causados está calcada nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.

 

O dano material, dividido em dano emergente e lucros cessantes, é de mais fácil demonstração, o prejuízo é mais nítido. Já o dano moral ainda é muito controvertido por ter caráter subjetivo, atingindo a pessoa e não seu patrimônio. É lesão aos seus direitos de personalidade. As consequências dos danos morais são dor, sofrimento, angústia, tristeza, humilhação etc. Não há fórmula ou lógica capaz de determinar o quanto de sofrimento determinada pessoa experimentou ou qual o tamanho da humilhação sofrida. Por isso é importante ter em conta que estes sentimentos não são o dano em si, mas as suas consequências.

 

O INSS é uma autarquia, pessoa jurídica de direito público criada por lei, integrante da administração pública indireta federal, que executa funções típicas do Estado, com autonomia e gestão administrativa e financeira descentralizada, sendo responsável pela análise e concessão dos benefícios previdenciários. Por prestar um serviço público, esta autarquia está sujeita a causar danos suscetíveis de acarretar em responsabilidade civil do Estado.

 

Relembrando os elementos do dano moral, temos a ação, o dano e o nexo de causalidade. Por se tratar de responsabilidade objetiva, desnecessário se faz a análise da culpa, que somente tem vez quando o Estado age regressivamente contra o agente público causador do dano.

 

Importante lição nos traz Maria Sylvia Zanella Di Pietro na obra Direito Administrativo (Atlas. 2002, p. 527)sobre responsabilidade civil na prestação de serviços públicos:

 

"O serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário."

 

O caput do artigo 37 de nossa Lei Maior apresenta os princípios que regem a administração pública direta e indireta, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

 

A Autarquia Previdenciária presta serviços para parcela significativa da população brasileira, pois todos que prestam atividade remunerada são segurados obrigatórios, além disso, muitos se tornar segurados facultativos. Embora ampla, a estrutura de atendimento ainda está aquém do necessário, o que por vezes dificulta a manutenção do atendimento em nível de qualidade razoável. E, por ter uma grande demanda com número reduzido de servidores, em especial médicos peritos, está sujeita a cometer mais erros.

 

O ato de concessão de benefícios previdenciários é vinculado, ou seja, uma vez que o segurado, ou dependente, preencha os requisitos legais, o benefício deve ser concedido. Agir de modo contrário é um atentado ao princípio da legalidade, que, em síntese, significa que a Administração Pública deve agir estritamente dentro da Lei. Enquanto para o particular este princípio significa poder fazer tudo o que não é proibido por lei, para a Administração Pública a situação se inverte, ela só pode agir seguindo o que é imposto por lei. Se a pessoa cumpriu os requisitos legais, o INSS está obrigado a deferir seu benefício.

 

Também merece destaque o princípio da eficiência. Não basta que o Estado preste os serviços públicos, estes devem ser marcados pela eficiência. O Estado deve ser produtivo, alcançar o máximo de resultado com o mínimo dispêndio financeiro. A eficiência, também, é notada pelo grau de satisfação dos usuários do serviço, que em geral, quanto aos serviços do INSS, são bem insatisfeitos, haja vista o imenso número de ações judiciais contra esta autarquia.

 

Se o serviço não é eficiente, é falho. E, conforme o citado entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a má prestação do serviço – por não funcionar, funcionar atrasado ou funcionar mal – faz incidir a responsabilidade civil do Estado. Quando esta responsabilidade é fundada em uma lesão ao patrimônio do segurado, teremos o dano material. Mas se a injúria for à honra e direitos de personalidade, teremos o dano moral.

 

Sob este prisma, é perfeitamente possível que o instituto do dano moral seja aplicado no âmbito previdenciário. Basta que um fato administrativo, praticado por agente público, cause um dano à dignidade, honra, a imagem, o bom nome etc. do segurado ou dependente. Por se tratar de responsabilidade objetiva, não há exame de culpa, bastando que haja nexo causal entre o fato e o dano. Mister se faz ressaltar que a dor, humilhação, vergonha, sofrimento etc., são as consequências e não o dano em si. Por óbvio, ao se negar um benefício a que a pessoa preenche os requisitos legais para sua concessão, gera-se um prejuízo material, sobretudo quando o benefício viria para substituir seus rendimentos. A justa expectativa daquele que preenche os requisitos para requerer determinado benefício e o vê frustrado por ilegalidade ou ineficiência, fundamenta o dano moral. O Código Civil é claro ao trazer no bojo do art. 186 que o ato ilícito acontece quando há violação de direito de outrem e dano. O mero aborrecimento não causa um dano moral, este apenas toma corpo quando a violação de direito atinge frontalmente os direitos de personalidade e trazem, como consequência, vexame, tristeza, vergonha, angústia, humilhação.

 

Como dito, estes sentimentos são subjetivos e imensuráveis, sendo que cada pessoa pode ser afetada de um modo diferente. Por isso, deve ser levado em consideração o impacto que determinado fato causa a uma pessoa média, ou seja, nem hipersensível nem empedernido.

 

Embora a solidariedade seja um dos pilares da previdência, em geral as pessoas não contribuem com a seguridade pensando apenas em colaborar com a sociedade, pelo contrário, a pessoa espera que, caso ocorra algum risco coberto, seja amparada pelo Estado. Ao preencher todos os requisitos para requerer certo benefício, a pessoa espera que este seja prontamente concedido, pois é ato vinculado. A negativa injusta ou a impossibilidade de sequer fazer o requerimento, violam o direito do segurado ou dependente. Esta violação atinge sua honra e dignidade e lhe causa um dano moral.

 

A previdência está elencada no rol de direitos sociais e estes direitos decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana. Embora tenha caráter contributivo e status de seguro, a principal função da previdência é a social. Temos, então, que a previdência social é um mecanismo inclusivo e de amparo aos segurados e dependentes, que participam deste sistema securitário confiando que nos momentos de necessidade serão socorridos. Na ocorrência de um risco coberto pelo seguro social, a pessoa procura o auxílio estatal, o qual tem direito por ter a condição de segurado ou dependente, mas neste momento, não raras vezes, não pode contar com o Estado. A cada contribuição feita para a previdência aumenta a segurança de um dia ser beneficiado por ela, mas ao ser enjeitado pela autarquia previdenciária, o contribuinte recebe um duro revés, um golpe em sua dignidade e honra.

 

Convém notar, outrossim, que os benefícios previdenciários possuem caráter alimentar, sendo que muitos deles existem justamente para substituir o salário ou renda do segurado. Obstar a concessão de um benefício que legitimamente a pessoa tem direito, compromete sua subsistência e de seus dependentes. Acaba acontecendo um desserviço. O Estado que tem a obrigação de amparar, abandona, e ao invés de assegurar a dignidade da pessoa humana, fere-lhe este e os demais direitos de personalidade. A consequência é a depressão, dor, angústia, sofrimento, desânimo, vergonha etc., pois a pessoa pode estar sem condições de trabalhar e sem outra fonte de renda, assim, ou recebe o benefício ao qual tem justo direito ou dependerá do auxílio e misericórdia alheia.

O instituto do dano moral, naturalmente sediado no Direito Civil, tem plena aplicabilidade no Direito Previdenciário por diversas razões. Oportuna a preleção de Wladimir Novaes Martinez em seu livro Dano Moral no Direito Previdenciário (2ª Ed. São Paulo: LTr. 2009. p.65).

 

"As razões dizem respeito à especificidade das técnicas protetivas da seguridade social ou instituições correlatas, e a essência diferenciada da aproximação do indivíduo ao Estado, quando ele objetiva creditar-se nos meios de subsistência."

 

Pelo caráter alimentar dos benefícios previdenciários e pelo fato de a previdência constar no rol de direitos sociais, a proteção ao segurado deve ser plena, de acordo com sua premência, decorrente da ocorrência de um risco ou necessidade social. Quando o Estado suprime os direitos da pessoa que faz jus a determinado benefício, compromete sua subsistência e de sua família. Não ser capaz de por conta própria se manter e prover os seus dependentes, pois não pode trabalhar nem teve deferido seu benefício, sem dúvida macula a dignidade da pessoa e evidencia um dano moral de responsabilidade estatal.

 

Se de um lado não se pode banalizar o instituto do dano moral, reclamando indenização a cada aborrecimento cotidiano, por outro lado não se pode aquiescer ao atendimento precário e errôneo do INSS. Como dito, um dissabor cotidiano, como o tempo de espera na agência para atendimento, é comum e não desafia danos morais. Porém, graves erros no processo administrativo, levando-se ao injusto indeferimento ou o cancelamento imotivado do benefício, são exemplos de fatos que podem atrair a responsabilidade civil do Estado. 

 

Estas condutas têm o condão de causar dano extrapatrimonial à pessoa. O dano material é latente, haja vista o fato de o benefício ser negado, suspenso ou pago com valor errado, por exemplo. Este dano é facilmente compensado com a regularização da situação, como pagamento dos valores em atraso ou das diferenças apuradas. Portanto, para haver dano moral, o prejuízo deve extrapolar a esfera econômico-financeira, lesando sua dignidade. Resta aferir o liame subjetivo entre o dano e o fato administrativo. É fato que a pessoa em situação de doença, idade avançava ou presentes outros riscos sociais, naturalmente encontra-se abalada emocionalmente, sobretudo pela expectativa de conseguir ou não o benefício almejado. Então, isso não basta para o dano moral, é necessário que o ato ilícito praticado pelo agente público, por si só, seja idôneo a causar sofrimento injusto por ferir os direitos da personalidade do segurado.

Concluímos que o instituto do dano moral é aplicável no âmbito previdenciário, todavia deve haver ponderação e equilíbrio em demandas deste tipo. Havendo um fato administrativo consubstanciado em ato ilícito e presente o nexo causal entre este e o dano suportado pelo segurado ou dependente, haverá o dever do Estado de indenizar. Não é necessário que o agente público tenha agido com dolo ou culpa, pois a responsabilidade é objetiva. A indenização deve ter duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor, sendo que a jurisprudência tem limitado o quantum indenizatório ao valor do dano material suportado, evitando, assim, o enriquecimento ilícito do demandante e o prejuízo injusto aos cofres da Previdência.

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