
APOSENTADORIA ESPECIAL NA ÁREA DA SAÚDE

em 13 de Fevereiro de 2018
Nos termos do art. 37, §6º da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O artigo citado consagra a responsabilidade civil do Estado sob a forma do risco administrativo, ou seja, além de presentes a conduta do agente público e o dano causado por ela, há a verificação do nexo de causalidade. Assim, quebrado o nexo entre o fato administrativo e o dano causado, não haverá dever de reparar o dano.
Os danos causados pela Administração Pública podem ser de natureza material ou moral. A obrigação de reparação por danos causados está calcada nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.
O dano material, dividido em dano emergente e lucros cessantes, é de mais fácil demonstração, o prejuízo é mais nítido. Já o dano moral ainda é muito controvertido por ter caráter subjetivo, atingindo a pessoa e não seu patrimônio. É lesão aos seus direitos de personalidade. As consequências dos danos morais são dor, sofrimento, angústia, tristeza, humilhação etc. Não há fórmula ou lógica capaz de determinar o quanto de sofrimento determinada pessoa experimentou ou qual o tamanho da humilhação sofrida. Por isso é importante ter em conta que estes sentimentos não são o dano em si, mas as suas consequências.
O INSS é uma autarquia, pessoa jurídica de direito público criada por lei, integrante da administração pública indireta federal, que executa funções típicas do Estado, com autonomia e gestão administrativa e financeira descentralizada, sendo responsável pela análise e concessão dos benefícios previdenciários. Por prestar um serviço público, esta autarquia está sujeita a causar danos suscetíveis de acarretar em responsabilidade civil do Estado.
Relembrando os elementos do dano moral, temos a ação, o dano e o nexo de causalidade. Por se tratar de responsabilidade objetiva, desnecessário se faz a análise da culpa, que somente tem vez quando o Estado age regressivamente contra o agente público causador do dano.
Importante lição nos traz Maria Sylvia Zanella Di Pietro na obra Direito Administrativo (Atlas. 2002, p. 527)sobre responsabilidade civil na prestação de serviços públicos:
"O serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário."
O caput do artigo 37 de nossa Lei Maior apresenta os princípios que regem a administração pública direta e indireta, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A Autarquia Previdenciária presta serviços para parcela significativa da população brasileira, pois todos que prestam atividade remunerada são segurados obrigatórios, além disso, muitos se tornar segurados facultativos. Embora ampla, a estrutura de atendimento ainda está aquém do necessário, o que por vezes dificulta a manutenção do atendimento em nível de qualidade razoável. E, por ter uma grande demanda com número reduzido de servidores, em especial médicos peritos, está sujeita a cometer mais erros.
O ato de concessão de benefícios previdenciários é vinculado, ou seja, uma vez que o segurado, ou dependente, preencha os requisitos legais, o benefício deve ser concedido. Agir de modo contrário é um atentado ao princípio da legalidade, que, em síntese, significa que a Administração Pública deve agir estritamente dentro da Lei. Enquanto para o particular este princípio significa poder fazer tudo o que não é proibido por lei, para a Administração Pública a situação se inverte, ela só pode agir seguindo o que é imposto por lei. Se a pessoa cumpriu os requisitos legais, o INSS está obrigado a deferir seu benefício.
Também merece destaque o princípio da eficiência. Não basta que o Estado preste os serviços públicos, estes devem ser marcados pela eficiência. O Estado deve ser produtivo, alcançar o máximo de resultado com o mínimo dispêndio financeiro. A eficiência, também, é notada pelo grau de satisfação dos usuários do serviço, que em geral, quanto aos serviços do INSS, são bem insatisfeitos, haja vista o imenso número de ações judiciais contra esta autarquia.
Se o serviço não é eficiente, é falho. E, conforme o citado entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a má prestação do serviço – por não funcionar, funcionar atrasado ou funcionar mal – faz incidir a responsabilidade civil do Estado. Quando esta responsabilidade é fundada em uma lesão ao patrimônio do segurado, teremos o dano material. Mas se a injúria for à honra e direitos de personalidade, teremos o dano moral.
Sob este prisma, é perfeitamente possível que o instituto do dano moral seja aplicado no âmbito previdenciário. Basta que um fato administrativo, praticado por agente público, cause um dano à dignidade, honra, a imagem, o bom nome etc. do segurado ou dependente. Por se tratar de responsabilidade objetiva, não há exame de culpa, bastando que haja nexo causal entre o fato e o dano. Mister se faz ressaltar que a dor, humilhação, vergonha, sofrimento etc., são as consequências e não o dano em si. Por óbvio, ao se negar um benefício a que a pessoa preenche os requisitos legais para sua concessão, gera-se um prejuízo material, sobretudo quando o benefício viria para substituir seus rendimentos. A justa expectativa daquele que preenche os requisitos para requerer determinado benefício e o vê frustrado por ilegalidade ou ineficiência, fundamenta o dano moral. O Código Civil é claro ao trazer no bojo do art. 186 que o ato ilícito acontece quando há violação de direito de outrem e dano. O mero aborrecimento não causa um dano moral, este apenas toma corpo quando a violação de direito atinge frontalmente os direitos de personalidade e trazem, como consequência, vexame, tristeza, vergonha, angústia, humilhação.
Como dito, estes sentimentos são subjetivos e imensuráveis, sendo que cada pessoa pode ser afetada de um modo diferente. Por isso, deve ser levado em consideração o impacto que determinado fato causa a uma pessoa média, ou seja, nem hipersensível nem empedernido.
Embora a solidariedade seja um dos pilares da previdência, em geral as pessoas não contribuem com a seguridade pensando apenas em colaborar com a sociedade, pelo contrário, a pessoa espera que, caso ocorra algum risco coberto, seja amparada pelo Estado. Ao preencher todos os requisitos para requerer certo benefício, a pessoa espera que este seja prontamente concedido, pois é ato vinculado. A negativa injusta ou a impossibilidade de sequer fazer o requerimento, violam o direito do segurado ou dependente. Esta violação atinge sua honra e dignidade e lhe causa um dano moral.
A previdência está elencada no rol de direitos sociais e estes direitos decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana. Embora tenha caráter contributivo e status de seguro, a principal função da previdência é a social. Temos, então, que a previdência social é um mecanismo inclusivo e de amparo aos segurados e dependentes, que participam deste sistema securitário confiando que nos momentos de necessidade serão socorridos. Na ocorrência de um risco coberto pelo seguro social, a pessoa procura o auxílio estatal, o qual tem direito por ter a condição de segurado ou dependente, mas neste momento, não raras vezes, não pode contar com o Estado. A cada contribuição feita para a previdência aumenta a segurança de um dia ser beneficiado por ela, mas ao ser enjeitado pela autarquia previdenciária, o contribuinte recebe um duro revés, um golpe em sua dignidade e honra.
Convém notar, outrossim, que os benefícios previdenciários possuem caráter alimentar, sendo que muitos deles existem justamente para substituir o salário ou renda do segurado. Obstar a concessão de um benefício que legitimamente a pessoa tem direito, compromete sua subsistência e de seus dependentes. Acaba acontecendo um desserviço. O Estado que tem a obrigação de amparar, abandona, e ao invés de assegurar a dignidade da pessoa humana, fere-lhe este e os demais direitos de personalidade. A consequência é a depressão, dor, angústia, sofrimento, desânimo, vergonha etc., pois a pessoa pode estar sem condições de trabalhar e sem outra fonte de renda, assim, ou recebe o benefício ao qual tem justo direito ou dependerá do auxílio e misericórdia alheia.
O instituto do dano moral, naturalmente sediado no Direito Civil, tem plena aplicabilidade no Direito Previdenciário por diversas razões. Oportuna a preleção de Wladimir Novaes Martinez em seu livro Dano Moral no Direito Previdenciário (2ª Ed. São Paulo: LTr. 2009. p.65).
"As razões dizem respeito à especificidade das técnicas protetivas da seguridade social ou instituições correlatas, e a essência diferenciada da aproximação do indivíduo ao Estado, quando ele objetiva creditar-se nos meios de subsistência."
Pelo caráter alimentar dos benefícios previdenciários e pelo fato de a previdência constar no rol de direitos sociais, a proteção ao segurado deve ser plena, de acordo com sua premência, decorrente da ocorrência de um risco ou necessidade social. Quando o Estado suprime os direitos da pessoa que faz jus a determinado benefício, compromete sua subsistência e de sua família. Não ser capaz de por conta própria se manter e prover os seus dependentes, pois não pode trabalhar nem teve deferido seu benefício, sem dúvida macula a dignidade da pessoa e evidencia um dano moral de responsabilidade estatal.
Se de um lado não se pode banalizar o instituto do dano moral, reclamando indenização a cada aborrecimento cotidiano, por outro lado não se pode aquiescer ao atendimento precário e errôneo do INSS. Como dito, um dissabor cotidiano, como o tempo de espera na agência para atendimento, é comum e não desafia danos morais. Porém, graves erros no processo administrativo, levando-se ao injusto indeferimento ou o cancelamento imotivado do benefício, são exemplos de fatos que podem atrair a responsabilidade civil do Estado.
Estas condutas têm o condão de causar dano extrapatrimonial à pessoa. O dano material é latente, haja vista o fato de o benefício ser negado, suspenso ou pago com valor errado, por exemplo. Este dano é facilmente compensado com a regularização da situação, como pagamento dos valores em atraso ou das diferenças apuradas. Portanto, para haver dano moral, o prejuízo deve extrapolar a esfera econômico-financeira, lesando sua dignidade. Resta aferir o liame subjetivo entre o dano e o fato administrativo. É fato que a pessoa em situação de doença, idade avançava ou presentes outros riscos sociais, naturalmente encontra-se abalada emocionalmente, sobretudo pela expectativa de conseguir ou não o benefício almejado. Então, isso não basta para o dano moral, é necessário que o ato ilícito praticado pelo agente público, por si só, seja idôneo a causar sofrimento injusto por ferir os direitos da personalidade do segurado.
Concluímos que o instituto do dano moral é aplicável no âmbito previdenciário, todavia deve haver ponderação e equilíbrio em demandas deste tipo. Havendo um fato administrativo consubstanciado em ato ilícito e presente o nexo causal entre este e o dano suportado pelo segurado ou dependente, haverá o dever do Estado de indenizar. Não é necessário que o agente público tenha agido com dolo ou culpa, pois a responsabilidade é objetiva. A indenização deve ter duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor, sendo que a jurisprudência tem limitado o quantum indenizatório ao valor do dano material suportado, evitando, assim, o enriquecimento ilícito do demandante e o prejuízo injusto aos cofres da Previdência.