Iluminismo
em 11 de Janeiro de 2025
O papel do indivíduo na história na visão de Plekhanov
Introdução
Georgi Plekhanov foi um importante teórico marxista que também atuava politicamente na União Soviética entre o final do século XIX e início do XX. Foi um grande disseminador das ideias de Marx na União Soviética. Em 1883 fez parte da fundação do movimento “Emancipação do trabalho”, primeiro grupo marxista russo. Seu nome é menos conhecido do que outros membros do partido comunista como Lênin ou Trotsky, primeiro por ter falecido logo depois da revolução de 1917 e segundo por ter se distanciado do partido bolchevique, por defender a necessidade de uma fase capitalista de acumulação de capital antes da transição para o comunismo. Portanto, tinha uma atuação política intensa que sem dúvida influencia sua produções teóricas.
Em 1898 ele publica um ensaio intitulado Papel do Indivíduo na História. Neste ensaio ele discorre sobre como analisar o indivíduo na história a partir de uma perspectiva marxista. Além de se indispor com o partido bolchevique, Plekhanov também foi recebido com críticas por muitos marxistas posteriores. No ensaio mencionado o autor coloca sua visão sobre a liberdade individual e o impacto que ela pode ter no curso da história.
Grande parte dos pensadores do século XVIII que discorreram sobre a função do indivíduo na sociedade, concluíram que o processo histórico era movido por indivíduos. Homens fortes e poderosos decidiam sobre os rumos políticos, econômicos e sociais das sociedades que representavam. Tendo em vista essa concepção, forma-se, de acordo com Plekhanov, uma escola antagonista no século XIX que, por sua vez, levou ao outro extremo ao negar o papel do indivíduo na história como um todo.
Propondo uma alternativa a essas duas interpretações, o autor, baseado em uma perspectiva fundada no materialismo marxista, analisa a importância das condições sociais dadas, propondo uma relação entre a importância do indivíduo e o futuro determinado pela realidade material. Assim, afirma Plekhanov: “É tão errado sacrificar a tese à antítese, como esquecer a antítese por causa da tese”. (PLEAKHANOV, 1977, p. 180)
Materialismo marxista como a base teórica de Plekhanov
Marx considera o ponto de inflexão da diferenciação entre os seres humanos e os animais, a capacidade de produzir sua própria vida material a partir da produção dos seus meios de subsistência. A relação do homem com a natureza e os mecanismos desenvolvidos como tentativa de ampliar seu controle sobre ela, assume um protagonismo na busca por compreender o processo histórico. Como consequência, a compreensão histórica dos seres humanos tem que partir, para Marx, do estudo desses meios de produção. Assim, inverte a lógica de pensar no mundo material como uma expressão física da consciência humana. O modo de produção é em si aquilo que a sociedade que o adotou é. O autor coloca a importância de enxergar a realidade material, que, para Marx, pode ser captada pelo meio de produção, sendo este o mais importante aspecto da compreensão histórica, acima das ideais e teorias dos homens que formam essa sociedade. Estas seriam reflexos da primeira.
Essa concepção teve grande importância para o estabelecimento da história enquanto disciplina científica, assim como outras tentativas de teorizar a história como o positivismo, não na forma como foi apropriado por narrativas ufanistas e mitos de formação nacional, mas por chamar atenção para a experiência material daquilo que pode ser observado na sociedade como aspecto central da história científica.
Ao mesmo tempo, esse pensamento permite, para Marx, extrapolar a análise do passado e do presente para pensar o futuro. Nesse sentido, argumenta que as contradições internas dentro do modo de produção capitalista, ou seja, a exploração do proletariado e a concentração de riqueza na burguesia, inevitavelmente levariam ao seu colapso e à transição para um modo de produção socialista. O próprio sistema capitalista produziria um efeito duplo, a dominação dos trabalhadores, mas também sua formação enquanto classe proletária. Assim, a inevitabilidade da luta de classe é defendida enquanto resposta ao caráter concomitantemente predatório e unificador da produção burguesa em relação ao proletariado. Essa relação, por sua vez é analisada pensando na primazia do modo de produção na compreensão do processo histórico, ou seja, os meios de produção e o trabalho humano necessário para utilizá-los e relações sociais que as pessoas estabelecem entre si na produção de bens materiais criam a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção que conduzem a conflitos de classe e resultam em mudanças revolucionárias.
Necessidade e liberdade
Para compreender a perspectiva de Plekhanov sobre ação individual é preciso passar por seu entendimento sobre a inevitabilidade do processo histórico. A ideia do marxismo, enquanto doutrina que tem uma implicação política final, ou seja, não só analisa o presente, mas busca de alguma maneira prever um futuro, o comunismo, cria uma noção de inevitabilidade. Se o comunismo é o ponto de chegada, o futuro já está definido. Pensando nisso, a interpretação marxista mais comum partiu do princípio de que, sendo o final uma certeza, a ação que leva a esse final é igualmente inevitável. Não parte de uma força de vontade de um indivíduo especial, mas da conjuntura em que ele se encontra. Nesse sentido, se por um conjunto de fatores aquele indivíduo não estivesse no lugar certo na hora certa, o papel dele seria assumido por outro.
O teórico marxista Georgi Plekhanov está longe de uma concepção de história política que considera o desenrolar da história a partir dos feitos de grandes homens. E tem como ponto de partida da sua análise o modo de produção e suas transformações como ator central nos processos históricos:
“[...] acerca de Robespierre. Admitamos que ele representa no seu partido uma força insubstituível em absoluto. Mas, em todo o caso, não era a sua única força. Se a queda casual de um azulejo o tivesse morto, suponhamos, em Janeiro de 1793, o seu lugar teria sido ocupado, naturalmente, por outro, embora esse outro se mostrasse inferior a ele em todos os sentidos, mas os acontecimentos, apesar de tudo, teriam tomado o mesmo rumo que tomaram com Robespierre.” (PLEAKHANOV, 1977, p. 62,63)
O que o autor expõe neste trecho é ideia de que os rumos tomados pelo processo revolucionário francês não foram estes porque Robespierre os decidiu desta forma. Sua ausência poderia alterar a maneira como o processo ocorreu ou mesmo a intensidade com que foi empregado, porém, para o autor, teria ocorrido por ser essa a necessidade histórica do momento em que Robespierre atuou. Pensando nisso, seu papel, apesar de importante, não pode ser reduzido a uma inclinação pessoal a determinada forma política, o que lhe conferiu status no meio daquele processo foi um alinhamento entre fatores. Primeiro, aquilo que o político representava e defendia. Em segundo lugar, as transformações sociais, a partir da consolidação da burguesia enquanto classe, alterando as condições dos meios de produção de uma forma que se combinava com as aspirações de Robespierre.
Essa afirmação sobre a inevitabilidade do processo histórico tem uma contribuição interessante se pensarmos nela a partir de uma inversão dos fatores. A pergunta feita pelo autor nesse trecho é: e se Robespierre não fosse um dos líderes da revolução francesa? Essa pergunta leva a um exercício de história contrafactual que pouco tem de marxismo. É um exercício puramente teórico. Ao analisar eventos históricos a partir de premissas que, por não terem de fato ocorrido, não apresentam lastro material na sociedade, a história contrafactual se apoia em suposições que não podem ser comprovadas empiricamente. Como consequência, apresenta o problema de simplificar os processos históricos complexos. Desconecta, assim, os eventos das condições apresentadas que influenciam sua ocorrência e trata o fato como acontecimento isolado, ignora-se as múltiplas causas que moldam os acontecimentos históricos. Plekhanov utiliza exemplos como esse para enfatizar seu ponto e ao fazer isso o autor nega a própria premissa do seu argumento, que advoga pela importância central da condição social em volta do acontecimento.
Uma proposta interessante seria reverter a pergunta: e se Robespierre não tivesse nascido na França, ou mesmo estivesse na França em outro período teria ele realizado os mesmo feitos em outro tempo e/ou espaço? Sem buscar uma tentativa de imaginar o que teria acontecido na vida de Robespierre em outra parte do globo, mas apenas constatando a influência das circunstâncias nos processos históricos. O ser humano não é estático, exatamente por ser influenciado por meio a sua volta. É influenciado pelas pessoas e situações que o cercam e, por isso, não pode ser analisado como fator único e isolado de mudança.
Entretanto, o próprio autor, não nega em absoluto a participação do indivíduo na construção da história. Para Plekhanov, existe ação e vontade pessoal e elas alteram a realidade. O que afasta ele da noção de uma história feita por “grandes homens” é a limitação desta agência ao que lhes é permitido pelas circunstâncias sociais, que por sua vez tem origem nas relações resultantes das tensões causadas pelo modo de produção.
Ao mesmo tempo, enquanto político, não acreditava em um destino que se cria sozinho. Sua teoria não existia separada da realidade, ao contrário, seria as necessidades materiais. Por isso, defende a ideia de que é possível influenciar a realidade da ação política a partir da análise da sociedade e compreensão das mudanças nos meio de produção, que consequentemente acarretam alterações nas relações sociais. Assim. Se o indivíduo compreender o que as circunstâncias daquele período exigem, descobre também o papel que deve desempenhar para combinar a sua ação pessoal com a necessidade histórica e, consequentemente, influenciar o processo histórico.
É também relevante o ponto de Plekhanov sobre a relação entre a força de vontade individual e a consciência da inevitabilidade dos acontecimentos. O autor discorre sobre a possibilidade de unir esses dois aspectos aparentemente antagônicos. Quando o futuro inevitável é aquele que traduz para realidade os anseios do indivíduo, a necessidade e a liberdade se confundem uma com a outra. Este é um caso no qual a “[...] liberdade que é idêntica à necessidade - é necessidade transformada em liberdade.” (PLEAKHANOV, 1977, p. 176). Processo este que traz uma liberdade teórica para a realidade material da necessidade.
A partir do exposto é também preciso analisar o discurso de Plekhanov não só como pensamento teórico, mas também discurso político. O autor apresenta um exercício de imaginação sobre a reação de um indivíduo que confronta a ideia da insignificância do livre arbítrio. O homem questiona a validade da pouca importância colocada para a ação individual. Seu argumento parte da ideia de que se suas habilidades não puderem ser supridas por outro indivíduo, ou mesmo se for suprida, mas não no mesmo momento ou da mesma forma o resultado final também será alterado. Na exposição do autor, a personagem que questiona se reconcilia com a inevitabilidade do resultado final, mas o próprio questionamento o leva ao estado de inação. Esse trecho é exposto de forma mais didática do que teórica, o que leva a crer que o autor, neste momento, utiliza mais da sua persona política do que filosófica, buscando manter sua base engajada na luta.
De forma semelhante o autor utiliza o exemplo de Bismarck durante o processo de unificação da Alemanha a partir da fala do próprio Chanceler: “[...] nunca ocorreria a ninguém que fizesse história. Não o poderia fazer, nem sequer em conjunto convosco, embora juntos pudéssemos resistir ao mundo inteiro.” Plekhanov utiliza esse discurso para corroborar a ideia de que o esforço enérgico individual não é oposto à compreensão de ser um instrumento da necessidade histórica. Importante notar que a fala de Otto Von Bismarck foi realizada em um discurso no norte da Alemanha em 1869 e carrega em si, assim como no texto de Plekhanov uma intenção política e mobilizadora.
Considerações finais
Marx pondera sobre a relação entre os indivíduos e as condições a que são expostos afirmando que: “[...] as circunstâncias fazem os homens, tanto quanto os homens fazem as circunstâncias.” Enquanto teórico marxista, Plekhanov parte dessa concepção para discutir a relevância do livre arbítrio na construção histórica. Portanto, para o autor, indivíduos em posição de poder podem influenciar no curso dos acontecimentos coletivos. A extensão da sua capacidade de mudança, porém, é limitada pelas condições materiais do mundo à sua volta. É uma relação de forças na qual o indivíduo tem capacidade de decisão, mas apenas se as circunstâncias permitirem. Admitindo que o que coloca o indivíduo na posição de “figura forte” é seu alinhamento com as determinações sociais de seu tempo e espaço, estas mesmas características limitam seu livre arbítrio.
Além disso, o pensamento político e teórico do autor funcionam de forma indissociável em vários momentos. Parece surgir dessa relação a ideia de discorrer sobre o papel do indivíduo de forma conciliadora. por um lado, seguindo sua linha teórica marxista que tem nas transformações dos meios de produção o motor da história e, por outro, mantendo o espírito revolucionário vivo na ideia de que a inevitabilidade dos acontecimento não resulta inação e sim no casamento entre liberdade e necessidade.
Bibliografia
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