Toda verdade é relativa?
Por: William A.
04 de Abril de 2022

Toda verdade é relativa?

Filosofia Verdade Relativismo Protágoras Nietzsche

 

Uma característica marcante da época pós-moderna em que vivemos é a relativização da verdade, onde uma afirmação não é verdadeira por conta da realidade, mas por conta do que as pessoas determinam. Essa ideia não é exatamente nova. Protágoras, na Grécia antiga, já dizia que o homem é a medida de todas as coisas [1]. Nietzsche, filósofo alemão do século 19, dizia que não há fatos, apenas interpretações [2]. Se Protágoras e Nietzsche estão certos, então a verdade é apenas uma construção humana, toda verdade é relativa a algum ponto de vista e nenhuma verdade pode ser tomada como absoluta, as pessoas é que determinam o que é ou não verdadeiro. Meu propósito com este texto é criticar essa ideia.

 
Primeiro, vamos definir relativismo sobre a verdade (ou relativismo alético, mas, para os fins deste texto, vamos usar apenas a palavra "relativismo"). Chamarei de relativismo a seguinte tese (R):
 
(R) Toda verdade é relativa
 
O que (R) significa? Significa que a verdade de uma afirmação sempre dependerá das crenças e opiniões de uma ou mais pessoas, nenhuma verdade é fixa e imutável. Se uma afirmação é verdadeira, ela é verdadeira porque alguém a definiu assim, seja o próprio indivíduo, seja a cultura em que ele está inserido. Se mudarmos nossa perspectiva ou nossa cultura, então podemos mudar a verdade de uma afirmação. Na concepção relativista, uma mentira contada mil vezes pode muito bem se tornar uma verdade. No fim, somos nós, humanos, que definimos o que é verdade e o que não é.
 
Só que não é muito difícil derrubar o relativismo. Para fazer isso, basta olhar para a própria tese (R). Se (R) é uma afirmação verdadeira, então a verdade de (R) também é relativa. Se a verdade de (R) é relativa, então uma pessoa ou grupo de pessoas pode simplesmente determinar que (R) é falsa. Suponha que eu seja essa pessoa. Simplesmente determino que, para mim, (R) é falsa, ou seja, nem toda verdade é relativa. Se o relativista disser que estou errado, então estará rejeitando seu próprio princípio, pois aceitar ou rejeitar (R) só depende de mim. Por outro lado, se ele disser que estou certo, então estará admitindo que nem toda verdade é relativa e rejeitando sua própria tese. Em todos os casos, o relativista derrota a si mesmo. Isso mostra que o relativismo é falso.
 
Alguém poderia insinuar que estou fazendo uma trapaça lógica, pois estou usando metalinguagem na linguagem. (R) é uma tese na metalinguagem tratando de afirmações da linguagem. Aplicar a metalinguagem na própria linguagem leva a contradições desse tipo, como quando digo "esta frase é falsa". Não poderia, portanto, fazer essa manobra.
 
Infelizmente, esse argumento não está ao alcance do relativista. Para usar esse tipo de objeção, o relativista teria que se comprometer com algum princípio lógico universal regendo o raciocínio. Mas, ao fazer isso, ele cava sua própria cova de novo, pois precisaria de uma lógica valendo para todos, independente do que cada um acredita ou deixa de acreditar. 
 
O relativista pode ainda negar o princípio de não-contradição. A tese (R) leva a contradições, mas o relativista pode simplesmente assumir uma lógica própria em que a contradição seja verdadeira. Isso é possível em um tipo de lógica dialeteísta [3], por exemplo. É uma lógica bem difícil de defender. Além disso, o dialeteísmo nos diz que tanto a afirmação quanto a negação dessa afirmação são verdadeiras. Isso significa que o relativista também teria que aceitar a negação de (R), o que parece inútil para alguém que queira defender uma tese.
 
Diante de tudo isso, o mais sensato é rejeitar o relativismo. Simplesmente não é o caso que toda verdade é relativa, alguma afirmação deve ser verdadeira independente de nossas crenças e opiniões. 
 
Mas algumas verdades são relativas, não são? Essa é uma linha mais moderada, mas não acho que seja o caso. Eu diria que nenhuma verdade é relativa. Se uma afirmação é feita, ela é verdadeira ou não é, independente do que você ou eu achamos ou deixamos de achar. O que determina a verdade da afirmação é a realidade e não nós. Toda afirmação que fazemos, portanto, depende de como a realidade é para contar como verdadeira.
 
Alguém poderia procurar contraexemplos para mostrar que há verdades relativas. Tome, por exemplo, a afirmação "Eu estou com fome". Essa afirmação é verdadeira quando dita por uma pessoa, mas falsa quando dita por outra. Paula pode estar com fome, mas Carlos não. A verdade dessa afirmação não é relativa? Minha resposta é que embora as mesmas palavras sejam usadas por pessoas diferentes, o sentido da frase é diferente em cada caso. Isso significa que, no fim das contas, as afirmações oferecem proposições diferentes. Se Paula diz "Eu estou com fome", está sendo afirmado que Paula está com fome, mas se Carlos diz "Eu estou com fome", o que está sendo afirmado é que Carlos está com fome. Ambas dependem de situações no mundo (Paula estar com fome ou Carlos estar com fome) para serem verdadeiras ou falsas.
 
Tendo a defender que a noção de verdade se esgota no chamado esquema-T, resumido abaixo:
 
(T) 'p' é verdade se e somente se p
 
Em (T), p representa alguma situação e 'p' (entre apóstrofos) representa uma afirmação dessa situação. Assim, a afirmação será verdadeira com base em uma situação descrita por p. Será verdade afirmar que a neve é branca se a neve for branca, será verdade afirmar que a água do mar é salgada se a água do mar for salgada. No fim, a verdade de uma afirmação sempre dependerá de como a realidade é e não de nós. Essa é uma posição conhecida como realismo alético e creio ser a concepção mais adequada de interpretar a verdade de nossas afirmações [4].
 
Penso que a maior motivação dos relativistas para adotar uma tese tão falha seja um princípio de tolerância. Se toda verdade é relativa, então ninguém está certo ou errado, de modo que as opiniões e crenças de todos seriam respeitadas. Ainda que seja uma boa motivação, infelizmente o relativismo não é o caminho. As pessoas possuem diferentes crenças sobre a realidade, mas é a realidade que determina a verdade dessas crenças. Isso não significa que o princípio de tolerância é abandonado. Ainda que a verdade não seja relativa, sempre dependa da realidade e não de nós, disso não se segue que opiniões e crenças não devam ser respeitadas. Posso discordar de você, mas sempre concederei o seu direito de opinar. Por mim, cada um pode acreditar no que quiser, até mesmo no relativismo, mas sempre terá o risco de estar errado. Se a verdade depende de crenças ou opiniões de alguém, essa pessoa seria Deus, mas, mesmo nesse caso, a verdade continuaria não dependendo de nenhum humano e o relativismo falharia do mesmo modo.
 

Notas
 
[1] PLATÃO, Teeteto, 152a.
 
[2] NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos póstumos. KSA XII, 7 [60].
 
 
[4] Uma defesa do realismo alético é feita em ALSTON, William. A Realist Conception of Truth. Cornell University Press, 1996.
R$ 45 / h
William A.
Guarulhos / SP
William A.
Identidade verificada
  • CPF verificado
  • E-mail verificado
1ª hora grátis
Filosofia no Vestibular Filosofia - Filosofia da Matemática Argumentação
Doutorado: Filosofia da Ciência (Universidade de São Paulo (USP))
Aulas e resolução de dúvidas em física, matemática e filosofia. Primeira aula gratuita.
Cadastre-se ou faça o login para comentar nessa publicação.

Confira artigos similares

Confira mais artigos sobre educação

+ ver todos os artigos

Encontre um professor particular

Busque, encontre e converse gratuitamente com professores particulares de todo o Brasil