A visão da Igreja do Edison Minami
Por: Edison M.
24 de Outubro de 2015

A visão da Igreja do Edison Minami

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A visão da Igreja do Edison Minami[1]

Introdução

Um assunto que nos últimos dias polarizou as discussões mundo afora além do pontificado do papa Francisco e seu alinhamento pastoral e teológico, foi o Sínodo dos Bispos sobre a Família.

O Sínodo... desde outubro de 2014 que os católicos mais praticantes e “antenados” vem discutindo, hora com animação, hora com preocupação, já que desde a intervenção do cardeal Walter Kasper (ex-presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos) sobre a comunhão dos recasados (divorciados que voltaram a se casar) o Sínodo dos Bispos virou sinônimo de heterodoxia. Os “padres sinodais” já seriam hereges em potencial e todo o tipo de discussões foram levantadas: Apocalipse bombando, Francisco último papa, o fim dos tempos... E uma animada discussão começou:

Após uma polemica sobre bons mestres para os jovens estudarem e algumas reações mais, perguntou-se e afirmou-se:

“O que é melhor: um cristão pacifista ou não?”.

“[Temos que] tomar cuidado com sites progressistas e tradicionalistas (no sentido de "apegados" ao tradicionalismo em si e não à Tradição)”.

“Não penso que a vida ou a formação de alguém influencie determinadas conclusões de modo definitivo.

“Já a [visão de Igreja] do Edison é tentar moldar a doutrina para englobar todos, e assim, "converter" as outras pessoas. Chamaria essa posição de ecumênica”.

“Edison, com todo o respeito, eu divirjo de algumas das suas colocações no áudio acima. Vou aguardar o seu artigo e, se você me permitir, escreveria em seguida uma resposta. Acho que poderíamos iniciar um debate enriquecedor para ambos e para os demais que nos acompanham neste grupo.

Como podemos ver uma gama de assuntos foi abordada em poucos minutos, para delírio dos nossos diversos – e jovens – ouvintes. Minha intenção inicial aqui é responder às objeções que me foram colocadas e também apresentar minha visão de mundo e de História e de História da Igreja que formei ao longo de quase 40 anos de vida. Novamente alerto que todos os pontos e desenvolvimentos que serão apresentados daqui em diante são de minha inteira responsabilidade, não cabendo imputar à instituição Igreja Católica Apostólica Romana nenhuma responsabilidade.

Esclarecido isso, vamos lá!

Eu poderia resumir minha visão de Igreja nos seguintes pontos:

Características gerais da História da Igreja:

a)      A Igreja Católica é Jesus Cristo. Cristo comunica-se com cada um de seus membros;

b)      Os membros da Igreja Católica também comunicam-se entre si (comunhão dos santos)

c)      O membro da Igreja Católica entra em contato com Jesus Cristo através dos Sacramentos, da Sagrada Escritura e do Magistério da Igreja (Papa, bispos, sacerdotes).

d)     A História da Igreja é feita por pessoas em Estado de Graça, com a consciência limpa de pecado mortal e de pecado venial deliberado. O Espírito Santo atua de forma poderosa e suave na alma dessas pessoas.

e)      No caso da “história da Igreja Católica”, “teologia da história humana” por excelência, esse primado da liberdade e da ação de cada individuo é mais acentuado ainda.

f)       Cada fiel colabora na construção da história da Igreja, uns de forma mais destacada, outros nem tanto, mas aos olhos de Deus todos nós somos importantes e únicos.

g)      O cristão escreve a história da Igreja. Mas Deus Espírito Santo é revisor de texto, roteirista e dono da editora.

h)      Quem vive em Estado de Graça vive e atua na história da Igreja, logo, o Demônio, o “Príncipe deste mundo” é seu inimigo. O Demônio é o inspirador da história humana: as guerras, revoluções, golpes, lutas políticas, crises sociais, ódios, desentendimentos, são em ultimo caso inspirados por ele. É a historia de Julio Cesar, Napoleão Bonaparte, Adolf Hitler, Josep Stálin...

i)        Já a Historia da Igreja é inspirada por Deus. Nela o altruísmo, a entrega, a caridade, a hospitalidade, o esquecimento próprio são a regra. É a historia dos mártires, dos Padres da Igreja, de São Francisco de Assis, São Domingos de Gusmão, Santo Inácio de Loyola, Santa Teresa de Ávila, Santa Teresa de Lisieux...

j)        Quando, por culpa própria, alguém que se diz cristão comete erros, ele deixa de participar da História da Igreja e volta à historia humana, deixa de habitar a “Cidade de Deus” e passa a morar na “Cidade dos homens”.

k)      O teólogo que primeiro explicou essa relação ao mesmo tempo diferenciada e unida foi Santo Agostinho de Hipona (354 – 430), o maior dos Padres da Igreja.

l)        A cultura influencia a religião e a Igreja? Sim. Mas a religião influencia a cultura também. Uma influencia a outra. Igreja não é simples “criatura” da cultura[2].

m)    As “leis da história” não são anuladas:

1)      A irrepetibilidade do fato histórico – o fato histórico é individual;

2)      O fato histórico é conhecido através de registros: documentos e monumentos;

3)      A ação humana é individual e livre (livre arbítrio);

4)      O ser humano age em três esferas: o mundo e a sociedade onde ele vive, os grupos os relações sociais onde ele interage (escola, igreja, família, clube, amizades), o livre-arbítrio de cada um.

5)      O livre-arbítrio é o fator mais importante de todos[3].

Procurei englobar aqui ideias que desenvolvi a partir de diversas leituras que fiz ao longo de 2014 e 2015, tanto para um levantamento de obras (livros e artigos) sobre história da Igreja no Brasil quanto para preparar as aulas do meu curso “História da Igreja Católica Apostólica Romana” (em aplicação). Mas porque um historiador uspiano decidiu partir para uma “teologia da história”?

Em artigo meu recente eu concluí o seguinte:

“Nossa breve viagem pela historiografia da Igreja Católica no Brasil chega ao fim com a constatação de que ainda há o que ser feito, lido e pesquisado. Em rápidos relances pudemos ver que muitos temas ainda precisam ser melhor estudados. Outros mereceriam receber novos enfoques, análises, mais discussões. E outros temas ainda precisam vir á luz e receber debates e pesquisas que os esclareçam mais”.

“A constatação geral com que encerro este texto é o da falta de um instrumental teórico adequado a disciplina História da Igreja do Brasil. Como já havia comentado no inicio do texto os pesquisadores brasileiros se apoiam em diversos autores: sociólogos, antropólogos, historiadores, psicólogos, mas muito pouco em filósofos e teólogos. As ciências sociais são bons instrumentos de análise e pesquisa, mas abordam a instituição religiosa de acordo com seus pressupostos teóricos e metodológicos, ameaçando enviesar previamente os resultados das pesquisas históricas. Essa atitude de forçar o objeto de estudo a concordar com certos autores ou linhas de pesquisa não condiz com o ofício do historiador. Se essa influência fosse verdadeira, não existiria objetividade histórica. O historiador deve tirar tudo quanto seja falta de objetividade de seu estudo”.

“No caso específico dos estudos históricos sobre o catolicismo no Brasil essa falta de objetividade histórica é mais grave já que a instituição católica moldou o ser do brasileiro, a ponto de um dos nossos maiores intelectuais, Sérgio Buarque de Holanda Ferreira, ter exclamado: “para se entender a História do Brasil é preciso entender a História da Igreja no Brasil”. Sérgio Buarque nos lembrou que os estudos sobre a Igreja Católica exigem uma filosofia da história ou teologia da história adaptadas aos pressupostos antropológicos e filosóficos do catolicismo”.

“Aqui, infelizmente é preciso lembrar que nós brasileiros ainda não produzimos autores da qualidade de Jean Daniélou, Mariano Artigas ou Joseph Ratzinger, pensadores que procuraram produzir filosofias e teologias da história do cristianismo. O que ocorre no Brasil infelizmente é a importação de escolas históricas estrangeiras que são adotadas sem o devido debate e adaptação dessas teorias. Isso, somado ao relativismo moral e intelectual dominantes, frutos da crise da modernidade ocidental, torna o panorama da academia brasileira extremamente problemática. Em último caso poderíamos dizer que há pesquisas em história da Igreja que simplesmente refletem as opiniões de seus autores e não uma busca pela objetividade e verdade históricas. Não teríamos a história, mas uma sucessão de histórias, de discursos. Cairíamos novamente nos erro dos estruturalistas de dizer que tudo é discurso, tudo é linguagem, tudo é cultura, e que a verdade histórica não existe”.

“Resolvida essa crise de identidade dos historiadores do catolicismo, passaremos a entender melhor o papel dessa instituição mais que bimilenar na formação e desenvolvimento do Brasil e do brasileiro, desde a chegada dos portugueses em 1500 até hoje, algo que, como tentei demonstrar nessas poucas linhas, é uma tarefa ainda por fazer”[4].

Devido a diversos fatores, as “Ciências da religião” se desenvolveram muito. Ironicamente, no momento em que mais se pesquisa o cristianismo, mais se combate o cristianismo. Não é aqui o momento para historiar o laicismo radical, mas é preciso apontar que dentro da Igreja Católica percebo uma forte e saudável reação ao laicismo e seus desdobramentos (expulsão do sagrado dos espaços públicos, combate à família e a sexualidade humanas, um sentimento difuso de ódio ao cristianismo).

A reação ao laicismo noto em movimentos novos dentro da Igreja Católica como grupos de oração, cura e libertação, familiares, de jovens, de leigos, pastoral de povo de rua... Muito tem sido feito e discutido. Mas um subproduto dessa agitação toda – que repito, considero muito boa – é o espírito crítico com a atuação dos cristãos uns contra os outros, sejam sacerdotes, religiosos ou simples leigos: ou como eu mesmo comentei meses atrás na minha página do Facebook: “é o espírito das passeatas dentro da Igreja”.

Aliás, retomando as frases-estímulo que separei no começo deste artigo, seria preciso separar o tradicionalismo da Tradição, ou dito de forma mais direta: “O que é melhor: um cristão pacifista ou não?”.

 

TRADIÇÃO, MODERNIDADE E REVOLUÇÃO

Quero comentar que essas expressões, em maior ou menor grau e suas derivações (reacionário vs revolucionário; fascista vs socialista; libertário vs obscurantista; progressista vs integrista) devido o seu uso indiscriminado acabaram se desgastando ou reforçando estereótipos de tipo dualista, como se a vida humana se resumisse numa luta Bem vs Mal. Num tempo como o nosso onde os termos são usados levianamente “ad nauseam” (até a exaustão) essas expressões acabam gerando mais confusão e dúvidas na cabeça dos fieis católicos desacostumados as sutilezas do debate acadêmico onde termos, ideias, expressões e conceitos são fundamentais.

Segundo o filósofo Juan Cruz Cruz:

“Tradição é a linha de transmissão dos caracteres adquiridos livremente, é a continuidade do processo de funcionamento especificamente humano, em virtude do qual se lega ao futuro algo que persiste, uma vez desaparecido quem o criou: o passado é assim um legado, do qual o homem pode dispor”[5].

Para Cruz Cruz a Tradição possui o papel, dentro da cultura, similar ao da genética e a antropologia: transmitir as características mais gerais e intimas para as gerações seguintes. Ou seja, a Tradição é importante pelos seguintes motivos:

a)      Faz parte da reprodução de uma cultura;

b)      Faz parte do ser humano, antropologicamente falando (refiro-me aqui a antropologia filosófica embora a antropologia das ciências sociais também aponte nessa direção);

c)      É a herança que os antepassados deixarão de herança aos seus filhos e netos;

d)     O homem e a mulher modernos podem dispor dela, se assim o quiserem.

Como podemos ver, o conceito de Tradição de Juan Cruz Cruz não é simplesmente “tradicionalismo” ou “reacionarismo” (negação do presente e adoção da Tradição sem intermediação dos fatos e circunstancias presentes), muito menos “revolução”(aqui entendida no sentido da negação da Tradição em nome da construção de um mundo novo). Para Cruz o homem e a mulher modernos possuem três opções perante a vida:

1)      Adotar a Tradição, suas propostas e estilos de vida, exatamente como os antepassados fizeram;

2)      Mesclar aspectos da Tradição com sugestões e ideias modernas, forjando assim uma síntese que nem nega o passado mas também não desenraiza o homem atual da Tradição;

3)      Negar a Tradição, suas saídas e propostas e começar do zero um mundo novo e melhor que o anterior. É o espírito que circulava nas grandes revoluções da história (Francesa e Russa).

Vamos agora analisar rapidamente cada uma das possibilidades.

A Tradição transplantada pura e simplesmente para o nosso tempo

Solução adotada por grupos em situações de crise, onde o futuro aparece incerto e o passado surge como um tempo ideal onde os erros do presente ainda não haviam surgido. Os antigos gregos pensavam assim: o tempo dos Deuses tinha sido melhor que o dos semi-deuses e dos heróis; o dos heróis melhor que o atual; e assim chegaríamos aos tempos atuais, onde o homem já quase não veria o brilho dos tempos vindouros. Mircea Eliade exemplificava essa mentalidade de um passado dourado com a expressão “in illo tempore” (naquele tempo), como que apontando que nos tempos passados a vida era melhor e tudo corria bem.

Esse é um erro histórico que nós historiadores chamamos de anacronismo = rotular um período histórico com características, sejam elas boas ou más, que não existiam naquela época. Um exemplo: rotular a Idade Média (476d.C -1453 d. C) de “idade das trevas”, “dark ages”, aliás o próprio termo remete a outro preconceito, o de que foram tempos medíocres. A Idade Média teve sim suas sombras mas também teve suas luzes como todos os tempos e lugares.

Aqui fica uma provocação: não seria o nosso tempo uma “idade média” também, já que vivemos em crise existencial?

Do mesmo modo alguns grupos cristãos costumam criar uma legenda áurea em torno do cristianismo medieval, a Cristandade=um tempo onde todas as nações, apesar de suas diferenças, se diziam cristãs. Como dizia um professor de história: “em todas as épocas as pessoas lutavam, se amavam, tentavam ganhar dinheiro, etc.”.

O passado não pode ser transformado nem em algo bom demais, nem em algo ruim demais. Ele existiu em um determinado momento no tempo, e só, com suas qualidades e defeitos. Deste modo, o “Tradicionalismo” ou “casticismo” como lhe chama Cruz, é algo a ser evitado devido aos diversos inconvenientes que advém de tentarmos recriar o passado.

Tradição como releitura do presente ou o presente como releitura da Tradição?

O homem precisa voltar a ter consciência de que é o produto das gerações anteriores, tanto do ponto de vista sociológico, antropológico, moral, espiritual e genético. Como o homem moderno quer superar seus próprios limites, ele se arroga o direito de mudar até mesmo sua própria natureza: seu sexo, sua mente, seu corpo, sua alma. O homem moderno é um inconformado com a natureza das coisas, ele pensa que o desenvolvimento da técnica o capacitará a extrapolar até mesmo sua mortalidade... Um autor resumiu em poucas palavras esse sonho de Prometeu redivivo: Marshall Berman.

“Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar’”[6].

“(...) o preço da modernidade crescente e em constante avanço é a destruição não apenas das instituições e ambientes ‘tradicionais’ e ‘pré-modernos’, mas também - e aqui está a verdadeira tragédia - de tudo o que há de mais vital e belo no próprio mundo moderno”[7].

Nos dois fragmentos acima Berman e todos os defensores do “progresso” enxergam na modernidade e na constante mudança a “Tradição da modernidade”: nunca se acomodar em uma Tradição mas mudar constantemente, num processo incessante de transformação. E essa transformação deverá atingir todos os setores da vida humana, sem exceção: indivíduos, famílias, Igrejas, grupos de classe, sociedades, nações e civilizações. Aqui refiro-me as transformações de caráter social, sexual, genético, de mentalidade, etc. Nenhum setor da vida deveria passar incólume pela “Tradição moderna”.

Mas aqui reside o perigo da modernidade e da transformação incessante: destrói a Tradição no seu sentido mais amplo e faz desaparecer o passado das gerações que o precederam e que servia de referencial existencial. Nenhum ser humano é capaz de viver sem Tradição, sem referenciais.

Aqui chegamos ao terceiro ponto.

A Tradição para o homem de hoje

O homem atual é filho do seu tempo, mas se esquece disso. O mote nos dias atuais é, citando a cantora Björk: “The modern things / have always existed” (As coisas modernas sempre existiram). O homem moderno é um desenraizado, um homem sem consciência histórica.

O que eu aqui particularmente chamo aqui de revolucionário são todos aqueles que renegam a Tradição mesmo nos seus aspectos positivos. Lutero renegou a Tradição católica medieval e em nome do que ele denominou verdadeiro cristianismo criou uma Igreja nova. Os LGBTs, á sua maneira, também querem criar um mundo novo “do zero”: sem a família tradicional, sem a moral cristã, sem leis ou normas que remetam ao “mundo antigo”. Daí que não deve espantar o pai ou mãe de família que por acaso leia estas linhas ver feministas, “marcha da maconha”, LGBTs e socialistas unidos. Uma linha comum de interpretação da realidade os une: a realidade como ela se apresenta não nos agrada: é preciso mudar essa realidade em sua totalidade.

Mas alerto que, mesmo que suas causas sejam justas (o que para a maioria que estava na câmara municipal de São Paulo-SP não era o caso), reside um perigo nessa linha de conduta: o novo, absolutamente novo, ainda não foi testado pela experiência. E essa experiência muitas vezes leva anos, décadas ou até séculos para ser comprovada.

A Tradição, com todas as suas limitações e defeitos sobreviveu até o momento por ter uma eficácia comprovada. Daí nos alerta Juan Cruz Cruz de que não devemos descartar a Tradição levianamente. Devemos sim, a partir de uma analise serena e objetiva, calcada na realidade, detectar aspectos da Tradição que por acaso estejam ultrapassados e adaptá-los às necessidades atuais. Mas não descartar a Tradição em sua totalidade.

Mas como encarar com realismo a realidade? No mundo atual essa tarefa parece impossível. Na verdade é difícil mas não impossível: o homem moderno precisa viver um renovado e sadio realismo, ou seja, precisa se aceitar como ele realmente é, com suas virtudes e limitações, ou seja, aceitar-se. Aceitar que nasceu com um corpo sexuado, que ele ou ela é homem ou mulher, que eventualmente possui limitações físicas (defeitos, caracteres físicos, dons, etc.), e procurar desenvolver-se a partir desse ponto de partida. Em resumo: o homem moderno será tanto mais livre quanto mais ele aceitar sua própria condição humana[8].

“Quanto mais um homem lutar por prosseguir nesse caminho, tanto mais livre se fará. E quanto mais livre for, tanto mais senhor de si mesmo será, e tanto maiores o domínio e o controle plenos que terá sobre todas as suas faculdades. Terá a liberdade de manter as faculdades e os instintos inferiores adequada e dinamicamente subordinados às faculdades superiores – a sensualidade ao amor, a ira à justiça, etc. – e conseguirá também que as faculdades superiores se relacionem gozosamente com os valores superiores: o amor com a bondade, a inteligência com a verdade. É somente ao longo deste caminho que o nosso esforço se vê recompensado pelo encontro com a liberdade”[9].

Para Cormac Burke só um homem e uma mulher que livremente optam pelo bem são genuinamente livres. Porque a partir do momento em que optamos mal – por exemplo por viver na libertinagem sexual ao invés da castidade ou do sexo dentro do casamento – perdemos nossa liberdade já que não podemos mais optar pelo bem, apenas pelo mal. Parafraseando Jean Paul Sartre “o homem moderno está condenado a ser livre”, ou seja, o homem moderno quer viver na imoralidade e na ausência de Deus. O homem imoral arroga sua absoluta liberdade mas a libertinagem passa a ser o único ato do homem e da mulher modernos.

Não podem mais exercer plenamente sua liberdade já que não podem mais escolher o bem, apenas o mal. Ou seja, já não são mais livres![10]

Aceitando sua natureza humana você já será mais livre e, aplicando suas potencialidades será capaz de melhorar este mundo. Digo melhorar porque criar um mundo perfeito e ideal não é possível num mundo onde a liberdade humana está em ação, para o bem ou para o mal.

Ok, alguém me dirá: mas... e aí? Você é pacifista ou não?

Eu penso como Henri Daniel Rops: o cristão é um inconformado com este mundo presente, pois ele sabe que a felicidade eterna está no mais além da história humana. O cristão é convidado a se tornar um “revolucionário da cruz”, ele quer transformar o mundo na sua visão de mundo. Mas ao contrário da revolução comunista a revolução da cruz baseia-se em outros valores:

“O cristianismo não é em si uma ‘força revolucionária’, no sentido político-social que hoje se dá ao termo. Não é nem uma doutrina social nem uma doutrina política. Não é tampouco uma moral segundo os termos da filosofia antiga, isto é, a sua moral não é um fim em si, mas uma consequência, na vida mortal, de princípios que transcendem essa mesma vida. O cristianismo não é nada mais e nada menos do que a Revelação da Verdade eterna e total, por meio dos ensinamentos, do exemplo, da morte e da ressurreição de Jesus, Deus feito homem”[11].

Mesmo sem um “plano de ação revolucionário”, o cristão é chamado a combater o inimigo, o Demonio, o “príncipe deste mundo”. Mas seu armamento não são fuzis, granadas ou canhões, pois para Deus só contam como sujeitos da história da Igreja os católicos que vivem em Estado de Graça Santificante, ou seja, dentro de uma concepção católica de repulsa a tudo o que é pecaminoso evitar tropeçar nos dez mandamentos. Para isso o católico serve-se dos sete sacramentos (batismo, comunhão, confissão, crisma, matrimônio, ordem, e unção dos enfermos).

Jean Daniélou vê nas pessoas que procuram se aproximar o máximo possível de Deus pelos sacramentos o equivalente usado por Daniel Rops dos “revolucionários por Deus”, ou seja, a pessoa que procura viver em santidade torna-se um inconformado, já que o “mundo”, apesar de criado por Deus, apresenta os sinais da rebelião humana: erros, assassinatos, crimes, o mau uso dos bens naturais dados por Deus, etc. Nas suas próprias palavras:

“(...) a verdadeira resposta está, ao contrário, num Cristianismo vivido integralmente e em particular na vida sacramental – e assim os cristãos não viverão, de modo algum, refugiados no seu Cristianismo, mas estarão na vanguarda do verdadeiro movimento da História. Poderemos mostrá-lo tomando dele algumas perspectivas que nos permitirão ver como, por paradoxal que isso possa parecer à primeira vista, é precisamente nas realidades mais sobrenaturais, mais essenciais, mais próprias do Cristianismo, tais como os sacramentos, que encontraremos a mais profunda resposta aos problemas do mundo atual. Todas essas realidades não mais aparecerão como algo paralelo a nossa vida, mas, ao contrário, como sendo o coração dela; não serão mais como uma prática a que obedecemos para estar em sã consciência com Deus, mas um compromisso total e real”[12].

Mas engana-se quem erroneamente divulga a ideia de que o cristianismo é a religião de um Deus que esqueceu o sofrimento dos homens. Nada disso! Ele se compadece de cada uma de nossas misérias, pois para ele somos únicos e irrepetíveis. O homem é livre mas Deus é o “Senhor da História” e mesmo as maiores catástrofes do mundo só o ocorrem porque Ele permite:

“(...) Dios está hay, sosteniendo a todos los seres, y que es el Señor de la historia; porque no sólo la conoce, sino que todo cuanto ocurre, acontece porque El lo ha querido e permitido. Y ese Dios nos ha enseñado a invocarle como Padre; éste es el primer fundamento de nuestra seguridad y de nuestra confianza en la historia: la fe en su providencia y en su amor. Sabemos que su mano todopoderosa y misericordiosa sostiene, invisible pero presente, el desarrollo de los tiempos desde el primer día de la creación”.

“Incluso cuando el mal irrumpe y parece arrebatarlo todo, cuando las catástrofes cósmicas nos arrastran como a una pluma, sabemos que no nos está permitido desesperar: porque tanto amó Dios al mundo, que le dio su Unigénito Hijo, para que todo el que crea en El no perezca (Io 3, 16)”[13].

Um revolucionário que combate o inimigo sem ódio. Um guerrilheiro do amor e da paz, cujas armas são apenas a misericórdia, a compaixão, o amor aos inimigos – com a contrapartida do ódio apenas ao erro e a ignorância religiosa. Em outras palavras, esses militantes de Deus são santos:

“A finalidade da Igreja é a de suscitar santos. Sua função específica no coração do mundo não é política, nem científica. É espiritual. E esta função espiritual deve ser exercida relativamente a toda a humanidade. Sua única razão de ser consiste em ser o instrumento através do qual Deus comunica sua vida divina ao mundo. (...)”.

“Nestas pessoas [os santos] condensa-se um tipo de humanidade que não encarna nem a grandeza política, nem o gênio científico, mas o fogo da caridade”. (...).

“O mundo moderno não deseja que a Igreja suscite chefes de Estado, líderes revolucionários, grandes sociólogos ou eminentes matemáticos. Espera que a Igreja produza santos, porque esta é sua finalidade e porque é de santos que o mundo precisa”.(...).

“A santidade, em síntese, é a realidade a que tendem todos os homens e todas as mulheres, quer o queiram, quer não. (...) Mas a vida, com suas surpresas, traições e concessões, está sempre à espreita. Acaba-se, por vezes, recordando como um sonho longínquo aquilo que, no entanto, é o próprio núcleo central de toda a realidade”[14].

Notemos que aqui Daniélou desenvolve a noção de “história da Igreja como fruto da vida sacramentária”: a História plena é a dos homens e mulheres que vivem segundo Deus. A história dos que optaram por não viver assim é a história do erro e do pecado eterno, a história universal como a conhecemos nos livros didáticos.

Quem já lecionou em cursinhos e colégios por aí sabe: a história humana privilegia os atos materiais, as guerras, as revoluções, as crises, os extermínios, as lutas pelo poder, o egoísmo em último caso. Uma história vinculada ao pecado não poderia ter nenhum tipo de vínculo com a História Sagrada. Daniélou demonstra não raciocinar a historia como Santo Agostinho na “Cidade de Deus”. Agostinho pensa a Cidade dos Homens como a cidade dos que decidiram se afastar de Deus pecando, mas que misteriosamente trabalham pela glorificação da Cidade de Deus!

A seguir, faço algumas considerações sobre o atual momento político do Brasil e comento sobre alguns dos “gurus” dos nossos jovens católicos que, com terço nas mãos e palavras de ordem nas bocas, tais quais novos “Glaubers Rochas do cinema (divino) novo”, proclamam aos quatro ventos: “Sou católico, amo minha fé, e fora PT!!!!!”.

CATOLICISMO, POLITICA E A NOVA DIREITA

Armando Valladares é um dos mais conhecidos dissidentes políticos do castro-comunismo, tendo vivido 22 anos nas prisões políticas cubanas. Católico praticante, segundo seu próprio relato contido no livro “Contra toda a esperança” sua prisão se deu por ele ter criticado no emprego o regime dos irmãos Castro, sendo daí denunciado como “inimigo do povo”.

Após sofrer maus tratos terríveis que chegaram a paralisar suas pernas foi libertado no ano de 1981 após intermédio pessoal do então 1º Ministro Francês François Mitterrand (socialista) e passou os últimos 30 anos a proferir palestras condenando veementemente o comunismo.

Em uma certa altura de seu livro Valladares critica a Igreja Católica e o papa da época, São João Paulo II, por não ter condenado claramente a ditadura esquerdista cubana. Em meio a inúmeras páginas narrando horrores e mais horrores a crítica de Valladares passa quase despercebida.

De qualquer modo o ataque de Valladares a João Paulo II choca quando analisado atentamente no contexto de um longo pontificado que, na ótica de muitos intelectuais de esquerda, foi um papado malcomunado com a CIA e orientado por um furibundo anti-comunismo. Ou seja: João Paulo foi pichado como ultraconservador e duro por teólogos esquerdistas, não católicos e marxistas; e de mole e conivente com o socialismo por cristãos direitistas como Valladares, provando assim por A + B que é humanamente impossível contentar gregos e troianos.

Porque estou colocando em destaque essa passagem? Porque me parece que em muitos ambientes católicos de hoje algo parecido está ocorrendo: querermos ser “mais Papistas que o Papa, e mais Realistas que o Rei”.

Ser mais Realista que o Rei

Porque justamente agora decidi escrever um texto sistemático sobre catolicismo, política e a liberdade do católico poder discutir política?

Porque percebo, como historiador da Igreja Católica que adoro ser, que um movimento discreto porém perigoso ronda nossos lares, nossas aulas de catequese, nossos círculos de formação cristã: a extrema direita como proposta-resposta à extrema esquerda, dentro e fora da nossa amada Igreja Católica Apostólica Romana.

Desde a campanha política para as eleições gerais deste ano de 2014 noto o quanto o católico romano se politizou, discutiu política, debateu, e como elencou temas para discernir seus candidatos:

_Moralidade (aborto, união homoafetiva, combate às drogas, kit gay nas escolas, educação sexual, PME e ideologia de gênero);

_Ética na política: corrupção, uso da “máquina estatal” para fins ideológicos (Foro de São Paulo), ideologia de Estado transformada em políticas públicas;

_A ação dos políticos em prol do Bem Comum (saúde, educação, transporte, segurança pública); “Mais médicos”; “Minha casa minha vida”; Pronatec... et coetera.

Até aí eu estou de acordo que o católico que procura praticar coerentemente sua fé precisa se posicionar frente a tantos e variados temas-problemas sempre à luz dessa mesma doutrina. Mas uma coisa é denunciar ideologias e doutrinas filosófico-politicas que se propõe como a verdade suprema, inquestionáveis, verdadeiros substitutos de Deus e da doutrina de sua Igreja Católica, e outra bem diferente é trocar um mal por outro mal, no caso os erros e exageros da extrema direita que acabam por desaguar no liberalismo mais estrito, o materialismo de direita.

Na sala de estar de uma casa de família.

É noite em Sampa. Em um espaçoso e acolhedor apartamento três gerações se encontram: uma avó, seu neto e uma amiga da família. A conversa calorosa gira em torno de vários assuntos. A uma certa altura, o neto dispara:

_Bem que eu queria um golpe (militar) pra tirar esses caras de Brasília (O PT - Partido dos Trabalhadores)!

_Olha menino, - respondeu a avó - : não fale do que você não sabe! Eu vivi essa época (a ditadura militar brasileira (1964-1985)) e naquele tempo as pessoas ligadas aos militares faziam muitas coisas ruins: lá na cidade de... tinha um comerciante que fazia muita coisa ruim e a gente não podia fazer nada.

_Ah, vó! Que que é isso?

_Olha garoto – a amiga da avó entrou na discussão – eu sou marxista, lutei contra a ditadura, fui guerrilheira! E aí, o que você tem a dizer?

_O QUE?????

_Isso mesmo: eu fui revolucionária!!!!!

Pelo menos é o que eu consigo lembrar das falas da amiga da avó e de seu neto. (Alerto que a amiga da avó me confidenciou que ela nunca participou da luta armada brasileira e havia dito aquilo apenas para testar os brios do menino).

Introdução ao problema

Essa diálogo serve de introdução á nossa discussão. Os três personagens, reais, são todos católicos fervorosos. Posso garantir que todos eles nutrem restrições às atuais políticas “sociais, positivas e progressistas” que partidos como o PT, PSOL, e mesmo o PSDB levam avante em seus governos nas esferas municipal, estadual e federal.

Aos leitores-eleitores desses partidos é preciso alertar que o católico é aconselhado a usar seu voto em coerência com sua fé, logo, fica esquisito ele votar em um candidato partidário de práticas ou ideias contrárias a norma e moral de sua Igreja. Mas pela fala há claramente uma clivagem que está dividindo os católicos em subgrupos.

A avó e a amiga, por terem mais idade viveram os “anos de chumbo” o período da ditadura militar brasileira. Por mais que discordem das políticas familiares e sexuais de Estado do atual governo federal, elas sabem por conhecimento empírico como é ruim viver sendo vigiado, policiado, fichado!

Já o neto, que viveu seus anos sob a democracia, só conheceu governos “de esquerda”. Para ele, PSDB e PT foram os únicos governos existentes (nem o PMDB do Sarney entra na conta!) e, como foram legendas que no comando do governo federal implementaram políticas públicas pró-aborto, união gay, etc., e são declaradamente socialistas (pelo menos nos seus estatutos), são o status quo a ser abatido.

Das jornadas de junho de 2013 até agora

Aliás, essa foi a leitura que o Papa Francisco fez em julho de 2013 da juventude global durante a JMJ (Jornada Mundial da Juventude): os jovens saem às ruas para reivindicar coisas que os mais velhos ou tomados de prudência ou medo ou comodismo, não tem mais coragem de fazer. Vistas as coisas assim, a “Primavera Árabe”, os protestos em Hong Kong, os Black Blocs na Paulista e os jovens que rezavam com o Papa Francisco em Copacabana, mesmo estando todos em ângulos opostos da discussão e das ideologias políticas, comungam desse ideário comum: o mundo vai mal, os adultos estão ocupados engordando e/ou copulando, enquanto isso os velhos, doentes, viciados, moradores de rua, crianças e embriões abortados ainda são relegados a um mesmo destino: o saco preto ou a lata de lixo.

Agora fechando a imagem no nosso Brasil fica claro notar que esse choque de gerações determinou as eleições em outubro passado: o comodismo e a preguiça venceram a audácia. Os jovens de junho de 2013 não queriam reeleger Alckmin, Dilma, Dutra, Vagner e outros conhecidos medalhões da nossa política. Mas no computo total dos votos eles foram vencidos pelos adultos e pelos velhos, pelos acomodados e anestesiados pelos programas sociais dos governos, pelos fiéis de ideologias socialistas.

Meu primeiro encontro com as ideias de Olavo de Carvalho

Aos católicos que lêem estas linhas e freqüentam desde cedo comunidades como Shalom, Canção Nova, Famílias Novas e outras – todas muito boas! - talvez seja difícil entender o mosaico humano que muitas vezes freqüenta as nossas paróquias.

Apresento aqui um exemplo: na minha paróquia, na região próxima da Av. Paulista, há anos travo convívio com um rapaz, mais ou menos da minha idade.

Alto, cabeludo e barbudo, fã de Red Hot Chilli Pepper e Pantera, um legítimo Headbanger (metaleiro), apreciador de cigarros de cravo, um chopinho de vez em quando, sai com a namorada, e por aí vai. Um cabeludo-rockeiro normal. Ele é muito assíduo a igreja também, ele e seus irmãos e seus pais (uma família numerosa) vão freqüentes vezes à igreja. Lá conversamos, embora nos últimos tempos tenhamos reduzido muito nossos encontros.

Coisa de uns 5 anos pra cá notei que ele citava com cada vez mais freqüência Olavo de Carvalho, até então um completo desconhecido pra mim. Música, estética, mística, política, até mesmo assuntos ligados ao catolicismo, o cara parecia abordar tudo. Curioso com tudo isso, corri ao “Papai sabe tudo Google” e achei uns vídeos no Youtube com aulas de Olavo além de sua página pessoal no Facebook. Qual não foi a minha decepção quando vi um senhor de meia idade despejando palavrões e palavras de ordem à torto e à direito. Lembro que me desinteressei de imediato.

Tempos depois, já como cooperador em uma jovem e próspera comunidade leiga de carisma laical deparei-me novamente com Olavo. Nesse meio tempo, ele já havia publicado seu livro “O mínimo...”, e suas palavras estavam se tornando um 5º evangelho para jovens nos seus 14, 15, 20 anos.

Até mais que o meu amigo, eles citam Olavo como se fosse o suprasumo do saber humano: a resposta a todas as suas dúvidas e anseios. E de fato o eram: dúvidas sobre a fé, o socialismo-marxismo dominantes, o politicamente correto, a imoralidade transformada em norma moral (se é que podemos chamar isso de moral...), enfim, o jovem católico com um mínimo de vivencia espiritual, de vida sacramental, parafraseando Jean Daniélou, não consegue por mais que tente concordar com nada disso e vê em Olavo de Carvalho a tábua de salvação e a resposta a todos os seus problemas.

O sistema de pensamento de Olavo de Carvalho

Ao contrário do que Lobão e outros simpatizantes de Olavo de Carvalho pensam seu sistema de pensamento não é tão complexo assim.

O conceito de “paralaxe cognitiva” nada mais é que a constatação do divorcio entre a fé e a razão, ou dito em outros termos, a distancia entre o discurso-teoria do conhecimento, tão caro aos modernos, e o conhecimento em si. Olavo de Carvalho denomina de "paralaxe cognitiva" ao grande erro de conceito da filosofia moderna em separar a experiência humana, os dados adquiridos pelos 5 sentidos, do ato de pensar-filosofar. Esse erro de perspectiva, originado pela primeira vez por Descartes, contaminou toda a filosofia posterior, alargando cada vez mais um fosso entre a metafísica e a vida cotidiana.

Seus conceitos de cultura e também suas visões do Brasil podem ser facilmente refutados por aqueles que leram os clássicos da brasilidade: Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Darcy Ribeiro, Roger Bastide... em suma, Olavo demonstra em diversos momentos seu desprezo pela Academia Brasileira, rotulada em bloco como marxista, alienante, monobloco de laicismo e relativismo, ignorando nuances e pontos positivos no sistema de pensamento desses autores. Não espanta que os leitores assíduos de seu livro O mínimo... e seus seguidores no Facebook acabam se tornando reacionários, aceitando acríticamente suas ideias e opiniões.

Olavo tornou-se a tábua de salvação para muitos católicos, sejam eles leigos, sacerdotes, religiosos. Isso não deveria me espantar, pois a crise da cultura ocidental, sua moral, sua vida familiar, etc., não deixaria de atingir o interior da Igreja Católica. O despreparo dos católicos com relação ao recente PME (Plano Municipal de Ensino) e a luta que ainda está se desenrolando em diversas câmaras municipais pelo Brasil afora contra a ideologia de gênero, verdadeira guerra defensiva e não de ataque, demonstra como estamos ainda atrasados no quesito “formação de quadros intelectuais”.

Enquanto não criarmos uma alta cultura intelectual católica viveremos assim meus irmãos de Igreja: de susto em susto!!!

Teologia da Libertação

Aqui peço licença para fazer um breve comentário.

Você certamente já se deparou com essa expressão: TdL. Ela representa um dos maiores senão o maior movimento cultural dentro do catolicismo nos últimos 40 anos. Quer queiramos ou não aceitar isso, infelizmente é fato: a TdL está já pronta para explicar a realidade que nos cerca. Mas afinal, o que é a TdL e porque sua ligação tão estreita com o chamado esquerdismo?

A TdL faz sociologia da religião com base marxista, ou seja, comunga dos erros antropológicos da doutrina de Marx:

a)      O homem redime o próprio homem através do trabalho: excluem Deus da História

b)      “A história é a história das lutas de classe” (Marx): consequência disso é entender que o ódio é o motor da história. Bakunin, o pai do anarquismo, também condenava a caridade cristã

c)      Abrem as portas da pastoral para todo o tipo de erros: ideologia de gênero; liberalização do uso de drogas; homossexualismo. Tudo aceito em nome da “modernidade”.

d)     Em muitos seminários pelo Brasil afora muitos docentes ainda lecionam contaminados por este modo humano, demasiadamente humano de pensar e agir. Uma pena mesmo!

e)      O resultado é a fuga em massa dos fiéis católicos para as Igrejas Pentecostais.

Por isso admito que não sou adepto da Teologia da Libertação. Para mais esclarecimentos sobre este ponto, segue um vídeo meu: https://www.youtube.com/watch?v=J4IeV076ftc&list=LLwKKjfropf61gOrasvZnMWw&index=4 Espero que gostem

Outros ícones da nova direita brasileira

Vou tentar comentar muito rapidamente sobre cada um deles. Cada um, ao seu modo, encarna esse desejo de confrontar o socialismo politicamente correto que virou dogma. Ou seja: por mais que a gente não goste deles, tem muito mais gente que gosta!

Jair Bolsonaro e filhos:

O militar da reserva, carioca, é apontado por alguns como um sério candidato à presidência em 2018. Eu esperaria para ver. Polêmico e marrento, agrada a muitos católicos por não ter respeitos humanos e confrontar os políticos de esquerda, em especial o deputado Jean Wyllis do PSOL-RJ. Além da marra, para mim o segredo do seu sucesso é a carreira de ex-militar que o habituou a ser um homem mais obedecido que obediente.

Pr. Marcos Feliciano

O evangélico que tempos atrás comandou a comissão de direitos humanos na câmara federal me Brasília também foi um ex-militar, e tornou-se em pouco tempo um ícone da direita ao bater de frente com políticos socialistas e seus sequazes. Logo deve tentar algum cargo no poder executivo.

Prof. Dr. Luis Felipe Pondé

Docente do departamento de filosofia da PUC-SP, Pondé é no mínimo intrigante. Ateu confesso, não gosta de ser rotulado de “católico” ou ligado a esta ou aquela denominação, num claro gesto para se manter independente de qualquer Igreja ou linha ideológica. Por outro lado ele prega uma espécie de nova ética laica que cai no gosto de alguns de direita menos ligados à religião. Critico contundente do PT e do politicamente correto, o fato é que muitos católicos o seguem pelas redes sociais.

Os articulistas da revista Veja (Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, Felipe de Moura Brasil)

Coerente com seu liberalismo ortodoxo, e há muitos anos livre de Mino Carta (ex-redator, grasmciano convicto e atual redator da Carta Capital), a revista Veja cercou-se de jornalistas conservadores e ligados, mais ou menos, ao catolicismo (especificamente refiro-me aqui a Reinaldo Azevedo. Felipe de Moura Brasil é declaradamente seguidor de Olavo de Carvalho). A esquerda demoniza Veja, mas vê como normal a Carta Capital. Pra mim é seis por meia dúzia! A proposta da Veja é mais ou menos a mesma do Estadão: não dar moleza ao PT nem a nenhum político de esquerda. Por mais que os petistas odeiem Veja, o fato é que a revista mantém um público fiel, que sabe que vai ler o que quer na revista, assim como os socialistas brazucas folheiam a Carta Capital com satisfação porque sabem que os jornalistas esquerdistas (como Cynara Menezes, a Socialista morena) vão escrever o que seus leitores querem ler. Ninguém aqui está em busca da verdade jornalística.

Pe. Paulo Ricardo

Ligado ao movimento Canção Nova, Padre Paulo é um sacerdote midiático: Facebook, canais de vídeos, entrevistas, textos... A moçada está antenada com ele! Durante algum tempo ele se identificou como discípulo de Olavo de Carvalho, mas depois do desafio que Olavo lançou contra o cardeal de São Paulo-SP D. Odilo Scherer e dos seus comentários sobre o “papado comunista de Francisco” onde chegou a sugerir a excomunhão do papa (!), Padre Paulo Ricardo fez um mea culpa e afastou-se de seu “mentor” tabagista. Ainda bem!

De qualquer modo, seus comentários contundentes, sua falta de respeitos humanos, o modo com que exige coerência na fé de tantos jovens, o tornaram um exemplo a ser seguido.

Raquel Sherazade

Única mulher no meu grupo de “direitistas”, Sherazade era apresentadora no SBT, onde frequentes vezes tecia pesadas críticas ao PT e após muita discussão foi afastada pelo seu patrão, Silvio Santos. Após um breve período de inatividade foi para a Jovem Pan. O bombardeio de críticas sobre Sherazade parte de sua ligação com o cristianismo, além de uma verve ácida e forte nos comentários sobre política.

Por fim, é preciso reconhecer que todos estes personagens tem em comum ligações com exército, policia ou Igrejas, possuem temperamento forte e convicções sólidas e não são do tipo de pessoa que leva desaforo pra casa. Como me costuma dizer um jovem: “eles colocam os esquerdistas pra correr”. De fato...

“DEUS É DA DIREITA OU DA ESQUERDA?”

Finalizando estas minhas breves e truncadas observações, queria fechar com esse questionamento: Deus gosta de direita ou de esquerda? Coloco aqui alguns comentários meus.

André Frossard era um ex-comunista que se converteu ao catolicismo depois de segundo ele mesmo ter encontrado Jesus em uma capela a lhe sussurrar: “Vida espiritual!”. Muitos anos depois ele escreveu o livro “Deus em questões” (Quadrante. 1991) onde aparece essa pergunta. Eu há muitos anos li essa pergunta, sua resposta e após descobrir o Facebook e o Whats’App de tempos em tempos posto o material. Mas admito que a resposta de Frossard é intrigante e mais de uma pessoa se queixa de que não entende a resposta dele. Vou tentar aqui bem rapidamente responder...

Na primeira parte de sua resposta, Frossard nos lembra a distinção clássica nascida na Revolução Francesa de direita e esquerda: a direita seriam os homens “ricos”, os “burgueses” e “conservadores”; já os esquerdistas seriam o “povo”, os “pobres”, “os revolucionários”.

Ora, mas pra Frossard esses rótulos já estariam gastos e ultrapassados, e nosso Deus não se sentiria à vontade em nenhum deles. Porque? Porque o mal humano não está na ideologia liberal ou no comunismo, mas no coração humano que adota uma ou outra dessas ideologias e as transforma em religião laica. Mas como uma ideologia materialista não pode jamais redimir o coração humano (para isso seria preciso um ser onipotente a se sacrificar pelos seus pares, ou seja, teria de repetir o sacrifício de Jesus Cristo na Cruz...) a solução é eliminar, matar (!) os que se tornaram obstáculo para a realização da felicidade humana e assim conquistar o Paraíso Terrestre.

Radical? Mas está aí a história humana a comprovar isso mesmo: o nazismo, o comunismo, todas as ditaduras humanas de viés laico ou mesmo religioso que ousaram fazer uma leitura humana da religião acabaram fabricando um simulacro de religião e de Deus. Taí o Estado Islâmico a comprovar o que eu disse...

O verdadeiro Deus cristão é muito mais do que isso!

Em outra pergunta do mesmo livro Frossard nos completa a resposta sobre o posicionamento político de Deus: “Deus só sabe contar até um!”. Ou seja, mais que aderir a este ou aquele grupo ou associação, Deus se interessa por cada um de nós, homens ou mulheres, ateus, comunistas, gays ou católicos. Ele quer que cada um de nós e todos nós nos salvemos, que gozemos da bem aventurança do Céu.

Um Deus tão simples que conta “um, e agora mais este um”, não parece muito preocupado com ideologias políticas mesmo...

Em resumo: a política é o campo de atuação dos leigos. Os padres não devem opinar em política para não atrapalhar ainda mais a cabeça dos fiéis. Os leigos devem tomar as rédeas desta que é a mais alta expressão da caridade: a política. E o resto é resto, seja o jornalista que vier á público dizer isso.

Estou aberto a quaisquer críticas e sugestões sobre este e outros assuntos.

 

[1] Todos os pontos e desenvolvimentos que serão apresentados daqui em diante são de minha inteira responsabilidade

[2] Refiro-me aqui a Antonio Gramsci e a sua teoria da “hegemonia cultural” e a figura do “intelectual orgânico”, ideias que devido ao polemista Olavo de Carvalho tornaram-se de conhecimento público. No Brasil os grandes leitores e vulgarizadores de Gramsci são Walter Pomar, ideólogo do PT e Mino Carta, editor e fundador da revista “Carta capital”. Outro intelectual gramsciano brasileiro é o Prof. Dr. Lincoln Secco, do DH-FFLCH-USP.

[3] Aqui me baseio no livro “Filosofia da história” de Juan Cruz Cruz, em particular os capítulos sobre “Tradição” e “Revolução”. Este livro foi traduzido e publicado no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio (Ramon Llull).

[4] MINAMI, Edison. Linhas de pesquisa de história da Igreja no Brasil. In: Anuario de Historia de la Iglesia. Vol. 24. Espanha: EUNSA, 2015. p. 169-195, p. 179.

[5] “Tradición es la línea de la transmisión de los caracteres adquiridos por libertad, es la continuidad del proceso operativo específicamente humano, en virtud de la cual se lega al futuro algo que pervive, una vez desaparecido quien lo creó: el pasado es así un legado, del que el hombre puede disponer”, in: CRUZ CRUZ, Juan. Filosofia de la historia. Pamplona, Espanha: EUNSA, 1995, p. 136. Tradução livre minha.

[6] BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar – a aventura da modernidade. Trad.: Carlos Felipe Moisés – Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo, Cia. Das Letras. 1993. 10ª Reimpressão. p. 15.

[7] Idem, ibidem. P. 280.

[8] O grifo é meu.

[9] BURKE, Cormac. Somos livres? São Paulo: Quadrante, 1989, p. 27.

[10] Grifo meu

[11] DANIEL-ROPS. A Igreja dos apóstolos e dos mártires. In: Col. História da Igreja, Vol. I. São Paulo: Quadrante, 1988, p. 134.

[12] DANIÉLOU, Jean. Sobre o mistério da história: a esfera e a cruz. São Paulo: Herder, 1964, p. 72.

[13] MARROU, Henri-Irenée. Teologia de la historia. Madri: RIALP, 1968, p. 52-53.

[14] DANIÉLOU, Jean. O futuro no presente da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1974, p. 36-37. 

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