O governo democrático de Vargas (1951-1954)
em 04 de Março de 2020
Em primeiro lugar, é imprescindível sublinhar a dificuldade em se definir nação, nacionalidade e nacionalismo. Reconhecendo essa dificuldade, o historiador Eric Hobsbawm afirma, na introdução da obra Nações e Nacionalismo desde 1780, que não possui uma definição a priori do que constitui uma nação. De forma singular, Anderson (2008) coloca que, em contraste com a influência exercida pelo nacionalismo no mundo moderno, há raras teorias plausíveis ao seu respeito. Em síntese, podemos simplificar dizendo que sabemos o que é uma nação se não somos questionados sobre o seu significado, contudo, não conseguimos definir e explicar a mesma de forma rápida quando somos perguntados sobre.
Realizada essa ressalva, o objetivo agora é entender as discussões em torno dos conceitos de nacionalidade e nacionalismo, uma vez que esta reflexão facilita a utilização do conceito de nação enquanto “comunidade imaginada” (ANDERSON, 2008). Assim sendo, entende-se que tanto a nacionalidade quanto o nacionalismo são “produtos culturais específicos”, sendo que estes representam uma “destilação espontânea do cruzamento complexo de diferentes forças históricas” (ANDERSON, 2008, p.30). Essas “forças históricas”, por sua vez, encontram-se situadas na “intersecção da política, da tecnologia e da transformação social” (HOBSBAWM, 1990, p.19). Ou seja, a nacionalidade e o nacionalismo não devem ser analisados como uma entidade imutável, mas sim como integrantes de um contexto específico de desenvolvimento econômico e tecnológico.
O “longo século XIX”, que abrange o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XX, pode ser lido como “o período particular e historicamente recente” (HOBSBAWM, 1990, p.19) no qual as forças históricas se entrecruzam, de forma espontânea e complexa, e contribuem para que o “sentimento nacional” se transforme em “força política” nesse contexto (DUROSELLE, 1976, p.25).
Ciente de que o conceito de nacionalismo encontra-se intrinsecamente associado ao contexto do “longo século XIX”, é possível definir o mesmo enquanto uma ideologia preocupada com a delimitação, continuidade e homogeneidade dentro da diversidade (HANDLER, 1998). Esta compreensão está em alinhamento com a noção de que os Estados e os nacionalismos antecederam e conformaram a nação - e não o oposto. Em outras palavras, a nação, bem como aponta Gellner (1983), não constitui uma necessidade universal, mas sim uma contingência, que por sua vez está atrelada ao longo e complicado processo de desenvolvimento histórico (HROCH, 1996).
Dessa forma, é possível definir a nação como uma “comunidade política imaginada - e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana” (ANDERSON, 2008, p.32). Com base nessa definição, a proposta passa a ser a análise dos elementos que, segundo Anderson (2008), são definidores da nação: (i) imaginada; (ii) limitada; (iii) soberana; e (iv) comunidade.
Considerando que nem os Estados e nem as nações existiram em todos os tempos e em todas circunstâncias (GELLNER, 1983), sugere-se que as nações são “imaginadas”, uma vez que os membros de uma nação, apesar de não conhecerem a esmagadora maioria de seus semelhantes, desfrutam de uma “imagem viva da comunhão” (ANDERSON, 2008, p.32). Assim, é possível entender as nações como produtos da “invenção” e da “engenharia social” (HOBSBAWM, 1990). As nações, além de serem comunidades imaginadas, também são limitadas, uma vez que mesmo a maior das nações possui fronteiras finitas, a despeito destas poderem ser elásticas. De forma sintética, nenhuma nação “imagina ter a mesma extensão da humanidade” (ANDERSON, 2008, p.33).
Ademais, as nações, que são comunidades “imaginadas” e “limitadas”, são ao mesmo tempo “soberanas”. Retomando a proposição de Hobsbawm (1990) acerca do período particular e recente em que se encontra a emergência do Estado-nação, é possível assinalar que a sobrevivência e a liberdade deste foi garantida pela noção de soberania proveniente do Iluminismo e da Revolução Francesa, que por seu turno erodiram a “legitimidade do reino dinástico hierárquico de ordem divina” (ANDERSON, 2008, p.34). Por fim, a nação é imaginada enquanto uma “comunidade”, já que, apesar do desenvolvimento desigual da “consciência nacional” entre seus membros (HOBSBAWM, 1990, p.21), a mesma é concebida como “uma profunda camaradagem horizontal” (ANDERSON, 2008, p.34).
Em suma, foram apresentados os elementos que definem os conceitos de nação e nacionalismo, os quais foram baseadas nas obras de Hobsbawm (1990) e Anderson (2008), sobretudo. Dessa maneira, se observou que o nacionalismo antecedeu a formação das nações, ao passo que o primeiro pode ser entendido como uma ideologia preocupada com a delimitação, continuidade e homogeneidade de uma realidade social que é simultaneamente marcada pela diversidade (HROCH, 1996). Assim sendo, a emergência da nação enquanto comunidade imaginada, limitada e soberana (ANDERSON, 2008) está intrinsecamente relacionada a um período particular e recente (HOBSBAWM, 1990)
Referências:
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
DUROSELLE, Jean Baptiste. A Europa de 1815 aos nossos dias. Vida política e relações internacionais. São Paulo: Pioneira, 1976.
GELLNER, Ernest. Nations and Nationalism. Ithaca: Cornell University Press, 1983, pp. 6-7.
HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780. Programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990
HROCH, Miroslav. From National Movement to the Fully-formed Nation: The Nation-building Process in Europe In Balakrishnan, Gopal, ed. Mapping the Nation. New York and London: Verso, 1996: pp. 78-97.