Demonstração do Teorema do Valor Intermediário
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Por: Allan K.
24 de Maio de 2022

Demonstração do Teorema do Valor Intermediário

Cálculo Cálculo I Geral Geral Geral Geral

Introdução

Se você já estudou Cálculo Diferencial certamente já se deparou com o seguinte teorema:

Teorema do Valor Intermediário: Seja uma função contínua. Dado um número entre e , existe um número no intervalo tal que .

Este teorema é importantíssimo em Cálculo, pois ele garante a existência de solução de equações como veremos adiante. No entanto, os autores dos livros de Cálculo omitem a prova deste teorema e recomendam ao leitor que procure a prova em textos de Cálculo Avançado ou de Análise Matemática.

Eu fui procurar a prova nesses textos e as demonstrações não são difíceis, mas todas elas usam um conceito que não é visto na disciplina de Cálculo: o supremo de um conjunto. Mais precisamente, usam a propriedade que todo conjunto limitado superiormente possui supremo.

O supremo

Um conjunto é limitado superiormente se existe um número tal que para todo . Esse número é chamado uma cota superior de . Por exemplo, o intervalo é limitado superiormente pois todo é menor do que 3, e 3 é uma cota superior desse intervalo. Obviamente qualquer outro número maior do que 3 é uma cota superior desse intervalo.

Dado um conjunto limitado superiormente, o supremo desse conjunto é a menor cota superior que esse conjunto possui, e é denotado por . No exemplo anterior, . Este exemplo mostra que o supremo não é necessariamente o máximo do conjunto.

Outro exemplo: .

Sendo a menor cota superior de , então qualquer não é cota superior de , o que significa que existe um tal que . Em outras palavras, dado qualquer , existe um tal que . Guarde esta informação pois ela será usada na prova do teorema.

Um conjunto ordenado é dito completo se todo subconjunto limitado superiormente possui supremo. Nesse sentido enunciamos o seguinte axioma.

Axioma do Supremo: Existe um corpo ordenado completo, chamado o corpo dos números reais .

Isto é, todo subconjunto de limitado superiormente possui supremo.

Função contínua

Antes de prosseguirmos, vamos relembrar o que significa uma função ser contínua.

Um função é continua no ponto se . Usando a notação de épsilons e deltas, isso significa que, dado , existe um tal que para qualquer com se tem . Como

,

e

,

então uma função é continua no ponto se, dado , existe um tal que

.

Prova do teorema

Considere o conjunto

.

Como é uma cota superior para , então, pelo axioma do supremo, possui supremo. Seja . Note que . Como está entre e , então  e , logo não pode ser igual a nem a . Isto mostra que . Provaremos que . Para isto basta provar que não pode ocorrer que nem que .

Suponha, por absurdo, que . Tome . Pela discussão acima sobre funções contínuas, existe um tal que

.

Diminuindo se necessário, podemos supor que . Como , então

.

Mas não se pode ter a menos que . Então , mas isto é um absurdo pois como , existe um tal que , logo . Este absurdo mostra que não se pode ter .

Suponha agora que . Tome . Existe então um tal que

isto é,

.

Em particular , logo . Mas , então , um absurdo. Portanto não devemos ter .

Como não se pode ter nem , a única possibilidade que resta é . Isto conclui a prova do teorema do valor intermediário.

Aplicação

Desse teorema extraímos os seguintes corolários.

Corolário 1: Se é uma função contínua, então sua imagem é um intervalo.

Se não fosse um intervalo, então existiriam números com tais que  mas . Pelo teorema do valor intermediário, deve existir um tal que , logo , uma contradição. Assim é um intervalo. Na verdade é possível demonstrar que esse intervalo é fechado (a prova disso usa o chamado teorema de Bolzano-Weierstrass).

Corolário 2: Se é uma função contínua com , então existe um com . Em outras palavras, se uma função contínua muda de sinal num intervalo, então essa função deve se anular em algum ponto desse intervalo.

Como , então e têm sinais opostos. Assim e ou e . Em qualquer caso podemos tomar no teorema e obter um com .

Podemos usar este corolário para calcular uma raiz de uma equação .

Exemplo: Encontre uma raiz da equação .

Consideramos a função . Observamos que e , que têm sinais opostos. Pelo corolário 2 existe um com , isto é, a equação acima possui uma raiz entre 0 e 1.

Se tomarmos o ponto médio do intervalo encontraremos , e . Então e  têm sinais opostos. Pelo corolário 2, existe uma raiz entre 0 e 0,5.

Tomando o ponto médio desse intervalo , e . Então e têm sinais opostos. Pelo corolário 2, existe uma raiz entre 0,25 e 0,5.

Prosseguindo com os cálculos obteremos que 0,332662 é, aproximadamente, uma raiz da equação . Os cálculos estão tabelados a seguir.

Iteração a b (a+b)/2 f(a) f(b) f((a+b)/2)
1 0 1 0,5 1 -2,5 -0,53125
2 0 0,5 0,25 1 -0,53125 0,250977
3 0,25 0,5 0,375 0,250977 -0,53125 -0,13077
4 0,25 0,375 0,3125 0,250977 -0,13077 0,061666
5 0,3125 0,375 0,34375 0,061666 -0,13077 -0,03407
6 0,3125 0,34375 0,328125 0,061666 -0,03407 0,013909
7 0,328125 0,34375 0,335938 0,013909 -0,03407 -0,01005
8 0,328125 0,335938 0,332031 0,013909 -0,01005 0,001936
9 0,332031 0,335938 0,333984 0,001936 -0,01005 -0,00406
10 0,332031 0,333984 0,333008 0,001936 -0,00406 -0,00106
11 0,332031 0,333008 0,33252 0,001936 -0,00106 0,000439
12 0,33252 0,333008 0,332764 0,000439 -0,00106 -0,00031
13 0,33252 0,332764 0,332642 0,000439 -0,00031 6,43E-05
14 0,332642 0,332764 0,332703 6,43E-05 -0,00031 -0,00012
15 0,332642 0,332703 0,332672 6,43E-05 -0,00012 -2,9E-05
16 0,332642 0,332672 0,332657 6,43E-05 -2,9E-05 1,75E-05
17 0,332657 0,332672 0,332664 1,75E-05 -2,9E-05 -5,9E-06
18 0,332657 0,332664 0,332661 1,75E-05 -5,9E-06 5,83E-06
19 0,332661 0,332664 0,332663 5,83E-06 -5,9E-06 -2,4E-08
20 0,332661 0,332663 0,332662 5,83E-06 -2,4E-08 2,9E-06

Tomando outros intervalos encontramos outras raízes: -1,04009 e 2,048203.

Referências bibliográficas

COURANT, R. Cálculo diferencial e integral. Porto Alegre: Globo, 1951. vol. I

FAJARDO, R. A. dos S. Introdução à Análise Real. 2017. Disponível em: https://www.ime.usp.br/~fajardo/Analise.pdf. Acessado em: 22 maio 2022.

GUIDORIZI, H. L. Um curso de cálculo. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2001.

LIMA, E. L. Análise real: funções de uma variável. 13 ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2020. vol. 1

PYSKOUNOV, N. Cálculo diferencial e integral. 7 ed. Porto: Edições Lopes da Silva, 1977. vol. 1.

STEWART, J. Cálculo. 2 ed. São Paulo: Cencage Learning, 2011.

Allan K.
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Delmiro Gouveia / AL
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Doutorado: MATEMATICA (UFAL - Universidade Federal de Alagoas)
Cálculo - Séries, Cálculo - Cálculo Integral, Cálculo - Integral
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