Sobre a solução de equações algébricas
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Por: Allan K.
28 de Fevereiro de 2023

Sobre a solução de equações algébricas

Matemática Álgebra Equações Polinômios Geral

Introdução

No ensino fundamental aprendemos a resolver equações do 1º grau, como ou . Também aprendemos a resolver equações do 2º grau, como ou . No ensino médio aprendemos a lidar com equações de graus mais elevados como . Também no ensino médio estudamos algumas técnicas para resolver essas equações como o dispositivo de Briot-Ruffini, o método das raízes racionais, as relações de Girard. Neste artigo veremos métodos para a resolução de equações do 1º até o 4º grau e o problema da equação do 5º grau, que ficou sem solução por quase três séculos e só foi resolvido no século XIX, o que deu origem a uma nova área de pesquisa em Matemática: a teoria dos grupos.

Equação do 1º grau

A equação mais simples que existe é a do 1º grau. Mas primeiro vamos definir o que é uma equação algébrica e o que é o grau de uma equação.

Uma equação algébrica (ou equação polinomial) de grau n é uma equação da forma

em que é a incógnita e os coeficientes são números reais ou complexos, com . O coeficiente é chamado de coeficiente líder. Perceba que o grau de uma equação algébrica é o maior expoente da variável  (feitas as simplificações, é claro). O valor de que satisfaz a igualdade acima é chamado de raiz da equação.

Assim, uma equação do 1º grau é uma equação que pode ser colocada na forma

com . Sua solução é bastante simples: primeiro subtraímos de ambos os membros da equação:

Em seguida dividimos ambos os membros por , já que ele não é zero:

Portanto, a raiz da equação é .

Equação do 2º grau

Esta é uma equação que aprendemos a resolver no ensino fundamental. É uma equação da forma

Existem várias formas de resolvê-la. Uma delas é pelo método de completar quadrados (que eu expliquei aqui). O resultado será

O sinal indica que a equação possui duas raízes.

A solução para a equação do segundo grau já era conhecida há milhares de anos pelos babilônios, a qual foi redescoberta pelo matemático indiano Shridhara no século VIII e pelo matemático árabe al-Khowarizmi no século IX.

Equação do 3º grau

É uma equação da forma

A solução para a equação cúbica permaneceu um "mistério" até o século XVI, quando foi resolvido pelos matemáticos italianos.

Aqui eu coloquei "mistério" entre aspas pois os babilônios já sabiam resolver alguns tipos de equações cúbicas, mas os registros estavam perdidos. Mais precisamente, as equações da forma , em que usavam tabelas de raízes cúbicas. As equações que não constavam nas tabelas eram resolvidas por interpolação linear (o que mostra o quão avançada era a matemática babilônica!).

O primeiro matemático a encontrar uma fórmula para resolver uma equação do 3º foi o Scipione Ferro, que encontrou a solução para as cúbicas das formas e . Vale ressaltar que naquela época os números negativos ainda não eram bem compreendidos, o que gerava essa divisão em casos. Contudo, Ferro morreu sem ter publicado seus resultados.

Ferro revelou seu método a dois de seus discípulos: Annibale Della Nave e Antonio Maria Fiore.

Fiore desafiou o matemático italiano Niccolo Fontana (mais conhecido como Tartaglia, que significa gago) para um duelo matemático (a prática de desafiar outros matemáticos a resolver problemas era bastante comum na Itália renascentista).

Tartaglia era professor em Veneza e já tinha derrotado outros desafiantes. Fiore propôs 30 problemas, todos envolvendo equações cúbicas, para Tartaglia resolver. Co muito esforço, Tartaglia conseguiu resolver os problemas propostos por Fiore e descobriu como resolver as cúbicas da forma . Com isso, Tartaglia elaborou 30 problemas envolvendo a equação deste outro tipo. Fiore, como esperado, não conseguiu resolver os problemas.

Essa disputa chamou atenção do médico e matemático italiano Girolamo Cardano. Ele conseguiu convenver Tartaglia a revelar o seu método, mas sob juramento de segredo até que Tartaglia o publicasse.

Tá, mas como funciona o método de Tartaglia? Considere a equação da forma

Escreva , sendo u e v variáveis a serem determinadas depois. Substituindo na equação teremos

Escolhemos u e v de maneira que os termos se anulem, isto é, de modo que e . Estas expressões podem ser escritas como

Se escrevermos e encontramos

Este é o clássico problema de encontrar dois números conhecendo sua soma e seu produto. Isto é equivalente a resolver uma equação do segundo grau. Assim, r e s são as raízes da equação

que chamamos quadrática resolvente. Resolvendo encontramos

Então r e s são dados pela expressão acima. Como e e , concluímos que

Esta é a fórmula de Tartaglia.

Cardano descobriu como reduzir a cúbica geral para a forma reduzida acima. Para isso, tome a equação geral

Divida todos os termos pelo coeficiente líder:

Esta equação pode ser escrita como

Temos assim a nossa primeira redução: uma equação equivalente à original, mas com coeficiente líder igual a 1. Agora faça a mudança de variável .

Organize os termos segundo as potências de y. Teremos

Escolha m de modo que o termo do segundo grau se anule, isto é, , o que dá . Substituindo este valor de m na equação acima obteremos uma equação da forma , que é equivalente à original. Resolvemos esta pela fórmula de Tartaglia e, por meio da mundança de variável acima, obtemos uma das raízes da equação original. As outras raízes podem ser calculadas, por exemplo, pelo método de Briot-Ruffini.

Equação do 4º grau

Cardano mostrou a solução de Tartaglia para seu aluno Ludovico Ferrari. Em alguns dias Ferrari desenvolveu um método para resover equações do 4º grau.

Dada uma equação do 4º grau

dividimos todos os termos por a, obtendo uma equação da forma

Pelo método de redução de Cardano visto acima, por meio da mudança de variável , eliminamos o termo do 3º grau, obtendo uma equação da forma

Vamos posicionar os termos da seguinte forma:

A ideia agora é completar o quadrado no lado esquerdo. Somamos em ambos os membros para obter

O que faremos agora é completar o quadrado novamente. Para isto introduzimos uma nova variável z na equação. Somando nos dois lados da igualdade obteremos

Agora escolhemos z de forma que o lado direito da igualdade seja um quadrado perfeito, isto é, que seja uma expressão da forma . Perceba que é um polinômio do segundo grau em y. A condição para que um trinômio seja um quadrado perfeito é que o seu discriminante seja nulo. Assim o discriminante da expressão no lado direito deve ser

Fazendo as contas encontramos

que é uma equação do 3º grau em z, chamada de cúbica resolvente. Resolvendo pelo método de Tartaglia-Cardano encontramos z. Substituindo o seu valor na equação lá em cima teremos

Extraindo a raiz quadrada nos dois lados obtemos

Obtemos duas equações do 2º grau, cada uma com duas raízes, gerando assim 4 raízes para a equação original.

Cardano queria publicar o método de Ferrari em seu livro Ars Magna, mas o método passa pela resolução de uma equação cúbica. Então Cardano quebrou seu juramento e publicou os métodos de Tartaglia e de Ferrari, dando os devidos créditos. Tartaglia ficou profundamente furioso.

Equação do 5º grau

O próximo passo é resolver equações da forma

Muitos matemáticos tentaram encontrar uma fórmula para resolver equações como esta, mas sem sucesso. Lagrange, por volta de 1770, analisou os métodos existentes para resolver cúbicas e quárticas e percebeu que eles tinham algo em comum: usavam, de maneira explícita ou implícita, funções simétricas das raízes.

Uma função simétrica é uma função cujo valor não é alterado ao trocar as variáveis de lugar entre si. Por exemplo, é simétrica pois trocando  x e y de lugar a função permanece a mesma: .

Lagrange observou que todos os métodos para resolver equações algébricas por meio de radicais (isto é, usando adições, subtrações, produtos, quocientes e extrações de raízes um número limitado de vezes) envolviam a construção de funções racionais das raízes que assumem um pequeno número de valores quando as raízes são permutadas - trocadas de lugar entre si. Um exemplo de destaque é a função

que assume somente dois valores quando as variáveis são permutadas: . Note que é uma função simétrica.

Para equações do 3º grau, Lagrange descobriu que a expressão

assume somente 2 valores quando as raízes são permutadas: a expressão acima e

Assim e são funções simétricas e, portanto, podem ser expressas como funções racionais dos coeficientes da equação. Como , obtemos um sistema linear de 3 equações que, resolvendo, nos dá as raízes da equação cúbica.

Algo semelhante ocorre com a equação do 4º grau. Usando funções simétricas obtemos um sistema linear de 4 equações. Resolvendo-o encontramos as 4 raízes da equação.

Porém, quando Lagrange aplicou seu método para a equação do 5º grau, ocorreu um problema: no meio do processo se faz necessário resolver uma equação de grau 24. O matemático inglês Arthur Cayley, em 1861, conseguiu reduzir o grau da equação resolvente de 24 para 6, o que ainda não é bom.

A solução da equação do 5º grau é impossível?

O trabalho de Lagrange e o seu fracasso em resolver a quíntica gerou um questionamento entre os matemáticos: será que é impossível encontrar um método algébrico (uma fórmula) para resolver equações do 5º grau?

O primeiro matemático a seguir nessa direção foi o italiano Paolo Ruffini (que também era médico). Ruffini publicou suas ideias na primeira década do século XIX, mas a comunidade matemática rejeitou sua prova, considerando-a insuficiente. O primeiro matemático a demonstrar de forma satisfatória a impossibilidade de encontrar a solução de uma equação do 5º grau por meio das operações algébricas e extração de raízes, em quantidade finita, foi o norueguês Niels H. Abel em 1824. Portanto, não existe uma fórmula geral para resolver equações de grau maior do que ou igual a 5 que possa ser escrita numa quantidade limitada de operações algébricas e extração de raízes (dizemos assim que a equação não é solúvel por radicais). No entanto, é possível resolver a quíntica usando funções elípticas como foi demonstrado pelo francês Charles Hermite em 1858.

O raciocínio de Abel foi mais ou menos o seguinte: suponha, por algum motivo, que a equação do 5º grau é solúvel por radicais. Então qualquer uma de suas raízes, que ele assume serem distintas, pode ser escrita como

em que as funções são funções da mesma forma que x, e assim por diante até chegarmos a funções racionais dos coeficientes. Abel então mostra que essas funções que aparecem na expressão de x devem ser funções racionais das raízes da equação. R é solução de uma equação da forma . Usando um resultado de Cauchy sobre permutações, ele prova que s deve ser 2 ou 5. Abel mostra que este valores conduzem a resultados que contradizem as hipóteses tomadas.

Na mesma época, o jovem francês Évariste Galois atacou o problema da solução por radicais de outra forma: assim como Lagrange, ele percebeu que a solução de uma equação por radicais estava relacionada com as propriedades das permutações de suas raízes. Para isso, desenvolveu um conjunto de ferramentas para lidar com as permutações, o que ele chamou de grupo. Esse conjunto de ferramentas resultou no que hoje chamamos de teoria dos grupos. Galois descobriu um critério para decidir se uma equação algébrica é solúvel por radicais. Em linguagem moderna esse critério é o seguinte: uma equação algébrica é solúvel por radicais se, e somente se, o seu grupo de Galois é solúvel.

Infelizmente, Abel e Galois morreram jovens, de formas trágicas, pobres e sem reconhecimento em vida: Abel morreu de pneumonia aos 26 anos, e Galois morreu num duelo aos 20.

Referências

BOYER, C. História da Matemática. São Paulo: Edgard Blücher, 1974.

EVES, H. Introdução à história da Matemática. 5ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

LIMA, E. L. Meu professor de Matemática e outras histórias. Rio de Janeiro: SBM, 1991.

PESIC, P. Abel's proof: an essay on the resources and meaning mathematical unsolvability. [s. l.]: The MIT Press, 2003.

STEWART, I. Galois theory. 3rd. ed. Boca Raton: Chapman & Hall/CRC mathematics, 2004.

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Delmiro Gouveia / AL
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