O Verdadeiro Herói Nacional
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Por: Angélica I.
14 de Agosto de 2020

O Verdadeiro Herói Nacional

Dragão do Mar

História Ensino Médio História do Brasil História Moderna e Contemporânea

Duas décadas após a Abolição da Escravatura, tendo o Exército Brasileiro e outras instituições oficiais como a Marinha terem ganhado espaço e reconhecimento, ambas não estavam distantes de serem uma boa colocação laboral para os milhões de negros alforriados ou ex escravos que não conseguiram empregos formais em outras instituições fossem elas privadas ou governamentais. Porém, um episódio marcante como a Revolta da Chibata. 

Embora a Revolta da Chibata, embora tivesse contado com maioria negra entre os revoltosos, teve integrantes de outras etnias envolvidos no episódio, foi também um acontecimento político; longe das esferas parlamentares; mas como uma nova forma de permear as relações de poder na sociedade. 

Marinheiros negros em sua maioria se amotinaram em dois encouraçados e em um cruzadir, a tripulação do mesmo o abandonou e se juntou aos amotinados ao som dos gritos de "Viva a Liberdade" e "Abaixo a Chibata". Outro cruzador torpedeiro também participou do episódio de maneira mais tímida, ou seja, apenas expulsaram os oficiais, mas não acompanharam as demais embarcações. O motivo para tal comportamento fora a sessão de chibatadas no marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes no dia 21 de Novembro de 1910. O saldo do motim foi 5 oficiais mortos (um deles por suicídio), tiros de advertência dados pelos rebelados acabaram por matar 2 crianças no morro do Castelo. 

A manifestação dos marujos chegou às autoridades através de telegramas e exigiam que fosse abolida a chibata como castigo físico dos quarteis. Os marujos ainda pediam anistia para os rebelados. Mas, o representante do governo enviado para averiguar a situação e se reuniu com os revoltosos, quis tratar apenas com o líder do movimento, porém ouviu em unissono que todos eram responsáveis pela Revolta da Chibata.

O Almirante Negro ou o marinheiro de Primeira Classe João Cândido, da 16 Companhia da Marinha Nacional foi reconhecido pelos companheiros e pelas autoridades como líder da Revolta da Chibata. O Almirante até então, um mero desconhecido, aglutinou para si toda a sorte de ofensas e difamação, haja vista, a quantidade de sátiras e charges que atribuía a figura do marinheiro à questões negativas. Sua fama correu o Brasil inteiro e o mesmo foi entrevistado pelos maiores veículos de imprensa do país que descreveram o Almirante Negro também como um crioulo alto, simpático e muito respeitado por seus companheiros.

A repressão após a Revolta da Chibata

O saldo da "Revolução" não pode ser considerado positivo para os revoltosos, pois metade dos participantes foram expulsos da Marinha, centenas deles foram presos e ao menos 30 marinheiros foram assassinados com requintes de crueldade. O Estado Brasileiro foi um dos maiores responsáveis pela sede de vingança contra os marujos que apenas reinvindicaram melhores condições de tratamento dentro das instituições. Ou seja, mesmo tendo completado quase 4 décadas da Abolição da Escravatura, as notícias acerca de maus tratos contra cidadãos civis negros ou mesmo soldados negros eram recorrentes.

Menos de 15 dias depois da Revolta da Chibata, uma nova rebelião se formou, mais violenta que a primeira, mas os participantes do primeiro evento chegaram a se oferecer para combater os primeiros revoltosos, porém foram impedidos de fazê-lo. Nos últimos dias de 1910, o governo preparou dois golpes contra os participantes da Revolta da Chibata: o massacre das Ilhas das Cobras e a viagem do navio mercante Satélite, que foi enviado à Amazônia. Parte da imprensa denunciou com matérias minuciosas as denúncias contra o governo de tortura contra os prisioneiros negros participantes da Revolta.

A repressão chegou a tal ponto que, João Cândido foi detido no dia 24 de Dezembro de 1910 para interrogatório com o pretexto de que as cadeias estavam lotadas, o marujo foi transferido à Ilha das Cobras e jogado em uma cela; para aguardar o julgamento; completamente insalubre. Logo depois, mais 30 detentos foram alocados junto a João Cândido, todos despidos. No dia 25 de Dezembro, foi jogada cal sobre os prisioneiros a pretexto de higienizar o local. No dia seguinte, foi verificado se João Cândido ainda estava vivo e no dia 27 quando a notícia acerca dos mal tratos e mortes chegou até a imprensa, foi decretado que os prisioneiros fossem libertados. Foi ainda jogado ácido sobre os sobreviventes, o que fez com que a pele dos mesmos se soltasse. Os prisioneiros ainda passaram uma noite completamente despidos e ao relento.

Pouco se sabe sobre a identidade das vítimas da Ilha das Cobras e ainda há um elemento curioso sobre o caso, o médico legista da Marinha registrou como insolação a causa mortis dos prisioneiros. Os corpos foram enterrados juntos em um mesmo caixão, às escondidas durante à noite.

Satélite: o Navio fantasma

No dia 24 de Dezembro, parte dos prisioneiros foram embarcados no navio mercante Satélite, para serem enviados ao seu desterro na Amazônia. Foram fuzilados 11 marinheiros que tiveram seus corpos lançados ao mar. Quando o navio chegou ao seu destino, mais três marinheiros foram executados em sigilo. Haviam mulheres entre os prisioneiros, e essas foram levadas à prostituição. Os militares responsáveis pelas mortes ou execuções nunca foram julgados. 

O louco mais sábio do mundo

Dentre os revoltosos que estiveram presentes no episódio da Revolta da Chibata, a punição mais severa decaiu sob o líder da Revolução. Além dos abusos fisicos, devido a presenciar o sofrimento dos companheiros, o psicológico de João Cândido parecia fragilizado. Por conta dessa suposição apressada por parte daqueles que queriam ver o Almirante Negro fora da vida pública, o mesmo foi enviado ao Hospital Nacional dos Alienados, uma espécie de hospício. O diretor da instituição, Juliano Moreira, passou a defender o ex-marujo, pois não o considerava louco; e também para proteger o mesmo de repressão militar. 

Mesmo com laudo médico que atestava que João Cândido não possuía nenhum transtorno mental, ele permaneceu no hospital por um período de dois meses. Porém, quando ele saiu do hospital, foi enviado novamente à Ilha das Cobras e lá foi ouvido pelo Conselho de Investigação, depois de ficar 18 meses incomunicável e acabou acusado de crime de sedição; que significa rebelião em massa contra uma autoridade estabelecida ou o crime contra a segurança de um país. Os advogados de defesa foram todos contratados pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário; entidade que desde o século XVIII foi responsável por abrigar e proteger escravos alforriados. Todos os marujos foram absolvidos por unanimidade. Mas, a liberdade dos prisioneiros só aconteceria em definitivo apenas no dia 30 de Dezembro de 1912. Uma triste notícia ainda aguardava João Cândido que acabará de resgatar a sua liberdade, ele havia sido expulso dos quadros da Marinha do Brasil. 

Mesmo com todas essas desventuras, o marujo havia ganho fama e acabou sendo reconhecido como herói por alguns setores da sociedade. 

Vida após a Revolta da Chibata

Após sair da prisão, João Cândido, ele conseguiu em navios cargueiros particulares. Ele também se casou e teve três filhos. Porém, os trabalhos pesados e extenuantes levaram a saúde do ex-marujo a findar e como se isso não fosse o suficiente, sua esposa faleceu no ano de 1917, apenas 4 anos após o casamento. Como uma única opção, o destemido ex-marujo comprou uma modesta embarcação e passou a viver da pesca artesanal.

Portanto, João Cândido, se tornou um pescador e vivia uma vida simples, quando veio a se casar pela segunda vez com Maria Dolores Vidal, com quem teve mais quatro filhos. Porém, sua esposa teve um fim trágico, pois ela se suicidou dez anos depois da união. Quando ela faleceu, muitos marinheiros e militares foram prestar condolências. 

Outro aspecto interessante na vida do herói nacional, foi a sua participação política no Movimento Integralista, de inspiração nazista. Porém, se decepcionou com o movimento devido à falta de autoritarismo e falta de coragem dos lideres.

Mesmo em vida, alguns grupos cogitaram detalhar melhor os aspectos da vida do Dragão do Mar. Porém, alguns foram interrompidos e alguns veículos da imprensa lançaram matérias esporádicas sobre o assunto, mas a repressão a quem expusesse os detalhes mais macabros que pesavam contra a Marinha era pesada e assim foi colocado um véu de silêncio sobre o assunto.

Em certo momento de sua vida, o grande Herói Nacional passou a viver de maneira comum como todos os outros trabalhadores pobres. Mas, ainda houve tempo para encontrar uma nova companheira em 1930 com quem viveu mais 39 anos e com quem teve mais três filhos. O Almirante Negro também teve um filhos fora dos seus casamentos. 

Conclusão 

Embora a vida de João Cândido e sua alcunha de Dragão do Mar, esteja refletida na memória e na História do Brasil, mas muito pouco conhecida sua figura. Isso nos faz refletir por quais motivos outras figuras negras tão revelantes quanto o Almirante Negro não estejam estampados nos livros didáticos e não são contadas suas histórias para a população em geral. 

Todos os episódios envolvendo a trajetória do Dragão do Mar, também podem nos fazer refletir acerca da situação das pessoas negras anos após a Abolição da Escravatura. E, quais foram as atitudes do Estado para a proteção ou mesmo para a repressão dos negros. Após essas reflexões, talvez possamos compreender a situação socioeconômica e as problemáticas pelas quais a população negra do Brasil tem passado atualmente. 

 

Angélica I.
Angélica I.
Maringá / PR
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Graduação: Licenciatura em História (Universidade Estadual de Maringá (UEM))
História - Sociologia, História, História do Brasil
Professora de História formada por uma das melhores Universidades Estaduais do país. Assim como também dançarina de Zumba a mais mais de 5 anos

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