Teologia

De que modo as primeiras heresias, especialmente o gnosticismo contribuíram para a teologia cristã?

C.F.Assumpção

Nos primórdios da era cristã o cânon das Escrituras ainda não tinha sido formado, os apóstolos morreram e a igreja precisava de uma liderança firme devido as heresias e perseguições.

As primeiras heresias, especialmente o gnosticismo contribuíram para a padronização do cristianismo, pois ao mesmo tempo em que elas foram surgindo também surgiram homens com o firme propósito de desmascará-las. As heresias eram confrontadas a partir de debates coesos e filosóficos, caso contrário o cristianismo seria facilmente taxado como mais uma religião de mistérios.

É provável que o gnosticismo tenha surgido no primeiro século no Egito, sob a influência de religiões indianas. Tal linha de pensamento não foi criada por meros leigos, mas por líderes influentes, o que culminou em igrejas sendo abaladas por ventos doutrinários. Haviam várias escolas gnósticas com teorias distintas, porém todas acreditavam que não houve ressurreição física e encarnação de Cristo. Pode-se considerar que a única semelhança do cristianismo com o gnosticismo era a crença em um Deus Uno, pois no restante existiam convergências gritantes. Os gnósticos criam em um Deus espiritual e impessoal, que não poderia ter criado um universo material imperfeito já que ele é perfeito, ou seja, a matéria foi criada por um deus mal. De acordo com a linha de raciocínio gnóstica a humanidade possui partículas de divindade que estão presas ao corpo que precisam ser libertas, isso se dá através do autoconhecimento. Jesus Cristo, jamais poderia ter sido um Deus encarnado, entendendo-se assim, que ele tinha apenas a aparência de um homem, mas na verdade não o era. A salvação não era alcançada pela fé no Filho de Deus, mas sim, pela simples busca de conhecimento.

Apesar de o gnosticismo ser a maior preocupação dos lideres eclesiásticos, também havia um movimento criado por Montano, o montanismo. O montanismo nada mais era do que uma revolta contra os herdeiros apostólicos, uma medíocre busca de notoriedade pessoal e uma reinvindicação a uma nova profecia. Manifestações carismáticas começaram a ser relacionadas ao montanismo, o que acabou gerando certa relutância nos lideres eclesiásticos no que diz respeito a alguns dons espirituais. Devido a este movimento foram criadas duas congregações cristãs no Império Romano, uma era liderada por um bispo de acordo com a sucessão apostólica e a outra, pode-se dizer, era por autoproclamação de acordo com a Nova profecia de Montano.

Além das heresias os cristãos eram confrontados por pensadores pagãos e judeus que consideravam o cristianismo ridículo e mitológico. Um dos principais opositores ao cristianismo foi Celso, que simplesmente achava banal algumas declarações do cristianismo, como por exemplo: dizerem-se monoteístas, mas também considerar Jesus um Deus. Para Celso tais declarações eram contraditórias. Os cristãos foram desafiados, poderiam optar pela indiferença ou se posicionar para defender sua fé. O desafio foi aceito e questões que outrora pareciam incoerentes foram defendidas com lógica. Foram criadas doutrinas consistentes referentes ao cristianismo, surge à teologia.

Se não fossem as heresias não haveria o confronto, se não fosse o confronto não existiria a necessidade um pensamento crítico, se não fosse a razão não haveria credibilidade e o cristianismo seria apenas mais uma das muitas religiões que compunham o Império Romano. Contestações de mestre cristãos contra as heresias e o gnosticismo são elaboradas, surgem os pais apostólicos e os apologistas que tinham como objetivo defender verdades que acreditavam serem absolutas. O pensamento cristão é transformado em uma teologia.

“Cogito, ergo sum”

“Je pense, donc je suis”

“Penso, logo existo”

 René Descartes