
O valor da pausa e do silêncio

em 21 de Julho de 2025
A performance teatral é uma arte do corpo. Muito além da palavra falada, o teatro se sustenta na expressividade corporal, nos gestos, na postura, nos movimentos e nas pausas silenciosas que compõem o discurso cênico. Este artigo propõe uma reflexão sobre o papel da linguagem corporal na construção do sentido dramático e na relação entre ator, texto e público.
Desde o teatro grego até as vanguardas contemporâneas, a fisicalidade do ator foi elemento essencial na arte da representação. No século XX, teóricos como Antonin Artaud, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba colocaram o corpo como centro do trabalho teatral. Artaud falava de um “teatro da crueldade” em que o gesto, o grito e a respiração seriam mais intensos do que qualquer fala articulada. Para Grotowski, o teatro pobre era aquele em que a presença física do ator, despida de artifícios, era suficiente para tocar a alma do espectador.
O corpo no teatro não apenas comunica; ele revela o inconsciente, manifesta tensões internas, provoca e transforma. A linguagem corporal pode contradizer ou intensificar o texto verbal. Um gesto contido pode expressar mais do que uma frase inteira. A ausência de movimento pode gerar estranhamento e significado. Essa multiplicidade expressiva amplia as possibilidades de leitura da cena e exige um olhar mais atento e sensível do espectador.
Na prática teatral, o ator precisa trabalhar com consciência corporal. Técnicas como a mímica, o clown, a biomecânica de Meyerhold ou o teatro-dança de Pina Bausch demonstram que a corporeidade é, por si só, uma linguagem com gramática própria. Os signos corporais, assim como os linguísticos, obedecem a códigos contextuais, culturais e estilísticos. Um gesto que significa submissão em uma cultura pode representar respeito ou reverência em outra.
A linguagem do corpo também está presente na semiótica da cena. Os elementos visuais — luz, espaço, figurino, objetos — dialogam com o corpo do ator e compõem uma narrativa visual que transcende o texto. A cena teatral, nesse sentido, é um campo semiótico multimodal, em que o corpo é um signo vivo, em constante negociação com o espaço, o tempo e os afetos.
Na pedagogia do teatro, o corpo deve ser treinado como instrumento de criação. O ator aprende a escutar o próprio corpo, a liberar tensões, a explorar dinâmicas de movimento, a se relacionar com o outro e com o espaço. O trabalho corporal desenvolve não apenas habilidades físicas, mas também cognitivas e afetivas. O corpo é lugar de memória, de desejo, de resistência.
A linguagem do corpo no teatro, portanto, não é apenas acessório à fala, mas um modo autônomo de construção de sentido. Ela revela o não-dito, o ambíguo, o poético e o político. Num mundo saturado por discursos verbais, o teatro oferece um lugar em que o corpo pode novamente dizer o indizível.
Referências bibliográficas:
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
BARBA, Eugenio. A arte secreta do ator. São Paulo: Hucitec, 1993.
GROTOWSKI, Jerzy. Além das máscaras. São Paulo: Perspectiva, 1979.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.
ZUNZUNEGUI, Santos. Semiótica do teatro. São Paulo: Annablume, 2002.