
A influência do contexto

em 21 de Julho de 2025
Quando se pensa em comunicação, é comum imaginar a fala, o gesto, a escrita, o som. Entretanto, há um elemento tão essencial quanto esses, embora muitas vezes invisibilizado: o silêncio. Longe de ser ausência de linguagem, o silêncio constitui um modo particular de significação e é parte integrante da comunicação humana.
A linguística e a análise do discurso vêm, nas últimas décadas, dedicando atenção crescente ao estudo das pausas, dos silêncios e das hesitações como formas expressivas. O silêncio pode significar recusa, respeito, reflexão, vergonha, resistência ou mesmo agressão. Como afirma Eni Orlandi (2001), o silêncio é discursivo — ele participa da produção de sentidos, mesmo quando parece se opor à palavra.
Nas interações cotidianas, o silêncio pode regular o turno de fala, evitar conflitos ou revelar afetos inomináveis. Na literatura e no teatro, o silêncio dramatiza, intensifica o não dito, sugere mais do que explicita. Na música, a pausa é elemento composicional que estrutura o ritmo, o tempo e a intensidade emocional. Como afirma Roland Barthes, o silêncio pode ser uma forma de escuta ativa e contemplação estética.
A linguística pragmática, especialmente por meio da teoria dos atos de fala (Austin, 1962; Searle, 1969), também permite compreender que o silêncio pode equivaler a um ato comunicativo. Ao não responder, o interlocutor pode estar recusando uma proposta, reforçando um desacordo ou delegando ao outro a responsabilidade da interação. A ausência de fala, nesse sentido, é um gesto tão intencional quanto a enunciação.
Na filosofia da linguagem, Wittgenstein já apontava, no final do Tractatus, que "do que não se pode falar, deve-se calar". Esse limite da linguagem pode ser entendido não como impotência, mas como reconhecimento do inefável. O silêncio, então, seria a linguagem do indizível.
Em contextos terapêuticos, pedagógicos ou diplomáticos, o uso intencional do silêncio pode abrir espaço para a escuta, para o acolhimento ou para a elaboração de sentidos mais profundos. Em culturas orientais, como a japonesa, o silêncio é valorizado como forma de polidez e de sabedoria. Já em sociedades ocidentais, marcadas por ruídos e aceleração, o silêncio é frequentemente visto com incômodo ou estranheza.
A era da hipercomunicação digital reacende o debate sobre a função do silêncio. Em meio à sobrecarga informacional, a pausa torna-se um gesto contracultural — um espaço de desaceleração, de introspecção e de resistência ao fluxo contínuo de estímulos. Nesse contexto, a valorização do silêncio aparece como uma forma de cuidado com a linguagem e com a subjetividade.
Compreender o valor comunicativo da pausa e do silêncio, portanto, é fundamental para repensarmos o que significa falar, ouvir e conviver. O silêncio não é vazio: é densidade, espera e, muitas vezes, sentido em estado bruto.
Referências bibliográficas:
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: UFRGS, 1990.
BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
ORLANDI, Eni. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
SEARLE, John. Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge: Cambridge University Press, 1969.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Nova Cultural, 1994.