Cannabis medicinal: perspectivas fisiológicas e clínicas
Por: Marcelo G.
03 de Janeiro de 2024

Cannabis medicinal: perspectivas fisiológicas e clínicas

Principais aspectos da Cannabis medicinal

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Um pouco da história da Cannabis medicinal

Em 2.737 A.C., já haviam relatos sobre a utilização medicinal da Cannabis e, ao imperador Shen Neng, da China, foi atribuído o pioneirismo na prescrição de chá dessa erva para o tratamento de algumas enfermidades.

Nessa época, seitas hindus também estimulavam o seu consumo durante rituais religiosos. Infere-se que, ainda na antiguidade, já era elucidado sobre os seus fins terapêuticos e também acerca dos perigos do seu uso excessivo.

Ao longo do tempo, o conhecimento terapêutico sobre a maconha atravessou barreiras continentais, como é apontado na história e, em 1808, ela foi trazida para o Brasil pelos escravos. Seu cultivo e uso foi disseminado primeiramente entre os índios e mais tarde pelos brancos, inclusive estimulado pela coroa portuguesa posteriormente. Alguns estudos e relatos que apontavam sua eficácia terapêutica ganharam popularidade no mundo inteiro.

O interesse científico por essa espécie aumentou devido à identificação, em 1960, dos seus principais componentes químicos pelo grupo do professor israelense Raphael Mechoulam. Paralelamente, durante uma convenção da ONU no ano de 1961, a ideia de que as drogas eram prejudiciais à saúde e ao bem-estar da população foi estabelecida, promovendo o surgimento de ações mundiais para a repressão do seu uso. Essa pauta afetou não apenas o uso recreativo da maconha, mas também suprimiu fortemente pesquisas e profissionais da área.

Mas, afinal, o que é cannabis?

Cannabis é o gênero da planta popularmente conhecida no Brasil como maconha, pertencente à família Cannabaceae; esse vegetal possui várias subespécies e, devido ao clima temperado e tropical do Brasil, há predominância da Cannabis sativa em nosso solo.

Conheça a química dos canabinoides

Cannabis sativa possui composição química complexa. Ela é constituída por cerca de 400 compostos químicos, dentre os canabinoides, que são as suas substâncias psicoativas e estão localizados por todo o corpo vegetal, em proporções diferentes.

Os quatro canabinoides mais abundantes e de maior valor para a medicina são:

  • 9-Tetrahidrocanabinol (∆9-THC): canabinoide com maior potência psicoativa. É um composto não cristalino e lipofílico, logo, propício para adsorção pelo organismo;
  • Cannabinol (CBN): possui propriedades psicoativas inferiores ao ∆9-THC. Apresenta maior afinidade ao receptor CB2, justificando sua participação no sistema imune;
  • Canabidiol (CBD): esse canabinoide sem ação psicoativa possui capacidade neuroprotetora. Isso se dá a partir do seu poder antioxidante. Além disso, destaca-se influência anti-inflamatória sobre o sistema imune e anticonvulsivante;
  • 8– Tetrahidrocanabinol (∆8-THC): presente apenas em algumas variedades de cannabis, apresenta pouco poder psicoativo e elevado efeito antiemético.

O sistema canabinoide

O descobrimento de receptores canabinoides no corpo celular foi capaz de indicar a existência de um sistema canabinoide endógeno. Essa descoberta deve-se a presença do primeiro endocanabinoide encontrado no cérebro de porcos, o qual foi identificado como uma amida relacionada ao ácido araquidônico, conhecida como anandamida, cuja palavra deriva do sânscrito ananda, que significa “felicidade suprema”. Embora sua estrutura química seja diferente da estrutura apresentada pelo Δ9-THC, suas propriedades são agonistas, e a anandamida apresenta uma afinidade de quatro a vinte vezes menor pelo receptor canabinoide CB1 em relação ao Δ9-THC, tornando-o rapidamente metabolizável por hidrólise, pelas amidases.

Os receptores canabinoides

O sistema canabinoide é composto por dois subtipos de receptores, classificados em: CB1, responsável pela maior parte dos efeitos psicotrópicos, que está presente em abundância no sistema nervoso central; e CB2, expressão majoritária no sistema imunológico, na micróglia e em condições patológicas como a dor crônica.

 Em 1986, o professor Howlett e seus colaboradores demonstraram que o Δ9-THC inibia a enzima intracelular adenilatociclase na presença de um complexo de proteínas G, ou seja, na presença de um receptor canabinoide, o qual é um membro típico da maior família conhecida de receptores acoplados às proteínas G – família de proteínas de membrana, acopladas a sistemas efetores que se unem à GDP (guanosina difosfato) e à GTP (guanosina trifosfato) –.   

Uso terapêutico da Cannabis sativa, a Cannabis medicinal

Vários estudos foram capazes de comprovar a eficácia do uso terapêutico da Cannabis sativa, por isso ela é indicada como fonte alternativa para o tratamento de alguns sintomas:

  • Dor – evidências clínicas comprovam que alguns canabinoides conseguem prevenir a dor quando administrados diretamente na medula espinhal, no tronco encefálico e no tálamo, atuando no sistema endocanabinoide, o qual, na presença de dor, libera anandamida na zona cinzenta;
  • Náuseas e vômito – os canabinoides são indicados para a profilaxia antiemética em pacientes refratários à terapêutica antiemética convencional;
  • A esclerose múltipla (EM) – a EM é uma doença crônica e degenerativa do sistema nervoso central. Ela provoca fraqueza, inflamação muscular e perda da coordenação motora, tornando o paciente permanentemente incapacitado com o passar do tempo. A espasticidade, paralisia cerebral, lesão medular, tremor, ataxia e incontinência também contribuem para a elevada incidência de depressão e ansiedade nos pacientes com EM. Evidências científicas comprovam os efeitos terapêuticos da cannabis principalmente para o controle da ataxia e do tremor; contudo, a terapia medicamentosa para a espasticidade muscular é moderadamente eficaz e limitada pelos efeitos adversos;
  • Perda de apetite e distúrbios alimentares – estudos em pacientes com cancro revelaram aumento do apetite com a utilização desse composto, auxiliando na diminuição da perda de peso. E algumas pessoas com AIDS alegaram que fumar cannabis inibe as náuseas, melhora o apetite, reduz a ansiedade, alivia dores, melhora o sono e inibe a candidíase oral;
  • Insônia, ansiedade e depressão – antes da descoberta de medicamentos antidepressivos atuais, a cannabis era usada na medicina no tratamento da depressão e melancolia. Muito se sabe, portanto, sobre a influência canábica sobre esses sintomas e, com o avançar das pesquisas, em breve teremos tratamentos alternativos a esses males;
  • Ação neuroprotetora – os agonistas de canabinoides que atuam através dos receptores CB1 e proteínas G levam à inibição da libertação de glutamato; isso sugere que a atividade destes receptores pode reduzir a citotoxicidade e subsequente lesão neuronal causada por uma elevada libertação de glutamato;
  • Epilepsia – em pesquisa realizada pelo departamento de farmacologia da UFMG, foi comprovada a diminuição do número de crises epilépticas em animais a partir do uso de CBD. Além de diversos outros estudos envolvendo essa patologia e o uso de cannabis, já existem alguns pacientes que são beneficiários de medicamentos extraídos da maconha.

Diante disso, é perceptível que a cannabis é uma fonte rica de substâncias com alto valor medicinal e que estudar e discutir essa pauta é necessário, a fim de promover a democratização do conhecimento já descoberto e estimular ainda mais a pesquisa nesse campo tão promissor.

Pretende-se, portanto, que a maconha seja vista pelo seu poder de atuação fisiológica, utilizada para o bem estar da população e que seja cessada a onda de preconceito que o seu nome ainda sofre, na tentativa de prover a palavra maconha sem tabus, tornando-a factível na sociedade moderna, pois, como diria Durkheim, “o fato social é a maneira coletiva de agir e pensar”. 

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