Você conhece a retinopatia diabética?
Por: Marcelo G.
03 de Janeiro de 2024

Você conhece a retinopatia diabética?

Texto sobre a retinopatia diabética voltado para médicos e estudantes de medicina

Medicina endocrinologia oftalmologia Anatomia humana Patologia

De acordo com as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o diabetes mellitus (DM) é um importante e crescente problema de saúde para todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento. Essa patologia é caracterizada por uma disfunção metabólica hiperglicemiante crônica e de gravidade variável, decorrente da ineficácia e/ou falta da insulina endógena no corpo humano.

  A retinopatia diabética (RD) é uma complicação microvascular crônica advinda do DM, e ela apresenta relação direta ao nível glicêmico do paciente. É uma das principais causas de perda de visão irreversível no mundo e a maior causa de cegueira na população com idade entre 16-64 anos. Incide em mais de 90% dos portadores de DM tipo 1 e em cerca de 60% dos portadores de DM tipo 2, após 20 anos de doença sistêmica.

 Na DM tipo 1, a retinopatia pode surgir após 3-5 anos de doença e raramente antes da puberdade, enquanto na DM tipo 2 alguns pacientes já apresentam a retinopatia no momento do seu diagnóstico (devido ao atraso de 2-7 anos que ocorre na detecção da DM tipo 2). Ademais, é provável que que existam cerca de 415 milhões de pessoas portadoras de diabetes no mundo todo e, dentre elas, 93 milhões possuem algum grau de RD.

1. Fisiopatologia da retinopatia diabética

 A fisiopatologia da retinopatia diabética não é conhecida em sua plenitude, mas algumas hipóteses médico-científicas trazem maiores respostas acerca desse assunto.

A enzima aldose redutase é responsável pela conversão de açúcares em seus álcoois: a glicose é convertida em sorbitol, assim como a galactose é convertida em galactitol. O sorbitol e o galactitol não podem se difundir facilmente para fora das células, aumentando, assim, as suas concentrações intracelulares, resultando na difusão de água para o interior dessas células (por osmose). Essa enzima encontra-se em alta concentração em pericitos da retina e em células de Schwann, por isso alguns pesquisadores sugerem que a RD pode ser causada por dano mediado pela aldose redutase.

Fator de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF) é liberado pelo epitélio da retina e é um dos fatores responsáveis pela neovascularização dessa localidade. Sabe-se que esse hormônio causa as anormalidades vasculares (angiogênese excessiva) da RD proliferativa encontradas na DM, como será explicado adiante. Ainda, tem-se a presença de outras citocinas vasoativas liberadas no olho diabético, o Fator de Crescimento Transformador-β (TGFβ) e o Fator de Crescimento do Tecido Conjuntivo (CTGF), que também vão atuar na progressão dessa patologia. Acredita-se que a ativação do complemento e posterior aumento do número de neutrófilos resulte em danos endoteliais e também contribua para o desfecho dessa doença.

 A inflamação desempenha um papel no edema macular (EM) e na RD, já que a deposição da matriz extracelular pode ser desencadeada pelos efeitos da cascata do complemento nas células vizinhas e resultar no espessamento dos coriocapilares e da membrana de Bruch.     Acredita-se que o EM de longa data possa ter mais componente inflamatório e ser mais responsivo aos esteroides, já que os mesmos são também antiangiogênicos.

Sugere-se também que as anormalidades plaquetárias ou alterações na viscosidade do sangue em pacientes diabéticos podem contribuir para a evolução da RD, causando oclusão capilar focal e áreas focais de isquemia na retina.

Os principais sintomas dessa patologia são visão embaçada, perda de visão e distorção das imagens, entretanto os pacientes podem ser assintomáticos.

2. Classificação da retinopatia diabética

 Essa complicação é classificada em retinopatia diabética não proliferativa ou retinopatia de fundo, retinopatia proliferativa e maculopatia diabética e suas características serão exploradas adiante e ilustradas na figura 1.

2.1.  Retinopatia diabética não proliferativa ou retinopatia de fundo

  Encontrada em 90% dos casos, apresenta como característica comum a lesão inicial no endotélio da microvasculatura retiniana, fragilizando a parede vascular e levando à formação dos microaneurismas.

 A crescente permeabilidade vascular resulta no extravasamento de material proteináceo e lipídico, originando os exsudatos duros.

 Com o avanço dessa complicação, ocorre edema endotelial, descamação de células para o lúmen e a proliferação intraluminal, resultando na obliteração de pequenos vasos. A agregação plaquetária e o sistema de coagulação ativado também contribuem para essa progressão.

Ocorre, ainda, a rotura de vasos adjacentes à obstrução vascular, ocasionando as hemorragias intrarretinianas em chama de vela. Podem surgir pontos de isquemia retiniana, aparecendo como manchas algodonosas (antigos exsudatos moles ou algodonosos). A fragilidade venular leva à formação das chamadas veias em rosário.

2.1.1.  Retinopatia diabética não proliferativa leve

É marcada somente pela presença de microaneurismas na retina.

2.1.2.  Retinopatia diabética não proliferativa moderada

 Caracteriza-se pelo surgimento de microaneurismas somados a outras alterações que não caracterizem retinopatia severa.

2.1.3. Retinopatia diabética não proliferativa severa

  Apresenta apenas uma das três alterações a seguir:

  • Hemorragias nos quatro quadrantes da retina;
  • Dilatações venosas em um quadrante;
  • Alterações vasculares intrarretinianas em um quadrante.

2.1.4. Retinopatia diabética não proliferativa muito severa

 Contém duas das três alterações indicadas anteriormente acerca da retinopatia diabética não proliferativa severa.

2.2. Retinopatia diabética proliferativa

É a forma mais grave da retinopatia diabética e ocorre devido à isquemia retiniana difusa e acentuada, capaz de produzir fatores locais de crescimento vascular mencionadas na fisiopatologia da doença, os quais promovem a angiogênese descontrolada no disco óptico ou na retina. Os neovasos podem alcançar o corpo vítreo e fibrosar, causando um fenômeno conhecido por ancoramento. Ao longo dos anos, o tecido neovascularizado evolui para fibrose e retração, capaz de gerar o descolamento de retina, dentre outros problemas.

https://saudebemestar.com.pt/retinopatia-diabetica/

3. Maculopatia diabética

É importante salientar que a presença e a gravidade do edema macular diabético (EMD) não possui relação direta com o grau da RD, evoluindo, assim, de forma independente. Logo, portadores da RD leve podem ter EMD com acentuada baixa da visão, ao passo que pacientes com RD proliferativa e hemorragia vítrea podem apresentar boa acuidade visual sem EMD, o que torna de extrema importância a avaliação oftalmológica regular.

 Essa condição caracteriza-se pelo edema macular reversível (causa mais comum de sintoma no diabético), múltiplos exsudatos duros em volta da fóvea ou ainda pela maculopatia isquêmica (caracterizada pela falta de perfusão macular na angiografia, com aumento da zona avascular foveal). As maculopatias são as principais causas de perda de visão central em diabéticos.

4.  Sintomas da retinopatia diabética

Os portadores de RD podem apresentar-se assintomáticos ou queixar-se de visão embaçada, diminuição grave da acuidade visual e distorção das imagens. Por isso, é de suma importância que o diagnóstico seja feito o quanto antes possível de acordo com as indicações supracitadas, cabendo ao oftalmologista a investigação da RD no paciente diabético, não esperando o surgimento dos sintomas.

5.  Fatores de risco

Evidências indicam que o controle glicêmico, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) concomitante, insulinoterapia, tempo de evolução do DM, presença de nefropatia diabética, puberdade, gravidez e dislipidemia podem apresentar-se como fatores de risco da RD.

 Como acontecimentos locais, cita-se ainda uveítes, cirurgia de catarata, doença oclusiva vascular, glaucoma e miopia como fatores risco para a DM. Mas, como principais fatores associados ao aparecimento e evolução da RD, tem-se o tempo de evolução do DM e o mau controle glicêmico.

  Em relação a gravidez, ocasionalmente está associada à progressão rápida da RD, devido ao frequente controle precário do DM na gravidez.

6.  Tratamento da retinopatia diabética

  O oftalmologista poderá sugerir um ou mais métodos terapêuticos, a fim de reduzir a perda de visão do paciente (ou cegueira) ou até na tentativa de melhorar a sua acuidade visual. Abaixo, você encontrará métodos amplamente conhecidos e discutidos no meio científico e hospitalar.

6.1.  Fotocoagulação a laser

Essa técnica costuma ser indicada em casos de RD não proliferativa muito severa, RD proliferativa e maculopatia diabética. Esses são os principais dentre outros aspectos considerados para a adoção desse tratamento. Como efeitos colaterais, temos a redução do campo visual e alteração na adaptação claro/escuro.

6.2.  Farmacomodulação com antiangiogênico

Técnica padrão-ouro utilizada no tratamento do EMD e também é utilizada no tratamento da RD em algumas situações específicas. O principal efeito adverso é a ocorrência de infecção ocular, dentre outros menos frequentes.

6.3.  Implante intravítreo de polímero farmacológico de liberação controlada

Esse implante conta com liberação controlada de corticosteroide (dexametasona) e é empregado no tratamento da RD quando há presença de edema. Como principais efeitos adversos, tem-se o aumento da pressão intraocular e formação de catarata.

6.4. Tratamento cirúrgico

  Alguns casos graves devem ser abordados pela técnica cirúrgica conhecida por vitrectomia via pars plana, indicada na RD quando há hemorragia vítrea importante, persistente ou recorrente, descolamentos tracionais da retina ou próximos da região macular, descolamento de retina com defeito retiniano, descolamento de retina misto, membrana epirretiniana, tração vitreomacular ou no nervo óptico entre outras alterações da interface vitreorretiniana.

 Assim, vale ressaltar que esses são os métodos mais utilizados e mencionados na literatura e cabe ao oftalmologista avaliar cada situação específica e fazer a escolha junto ao paciente do melhor tratamento possível, respeitando os princípios éticos da medicina.

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