O que Gregório de Matos e Cuíca de Sto Amaro têm a te falar?

Se Gregório de Matos Guerra marcou época tratando de assuntos que ninguém ousava tratar, de um jeito que nenhum outro autor antes ousou tratar, Cuíca de Santo Amaro foi um companheiro da ousadia, coragem e da terra que abraçou o poeta barroco.

José Gomes, nome de cartório de Cuíca de Santo Amaro, foi um cordelista que na sua área, no seu jeito de abordar os assuntos, na sua poesia, teve o diferencial de gritar e espalhar pela cidade as imoralidades dos políticos e de gente de alto nível econômico da cidade e de tantas outras pessoas a quem se sentia no direito de falar, por assim se dizer o “o poeta mais temido da Bahia”, “o trovador da Bahia”, “o anjo torto da boca torta”. O “Boca de Brasa” (outra alcunha dada a Cuíca de Santo Amaro), em seus vários folhetos, também denunciou a imprensa jornalística da Bahia, acusando-a de ser comprada pelos grandes empresários e políticos para ludibriar a população, porém o que se pode concluir nessa denúncia do cordelista da boca torta é que ele não repreende a atitude de vender a notícia, ele é contra a atitude de vender a notícia sem as pessoas, sem o público consumidor saber de tal fato, pois, Cuíca não ficou conhecido somente pelo seu heroísmo ao tratar da classe popular baiana, mas também pela sua contradição, pelo seu anti-heroísmo, porque ele também vendia suas notícias, a diferença é que ele expusera tal fato para seu público. Cuíca investigava a vida das pessoas influentes da cidade, descobria seus podres e ameaçava espalhá-los aos quatro ventos caso a figura pública não comprasse todos os exemplares da edição. Ele mesmo se dizia propagandista sem compromisso de agradar ninguém, sem compromisso político nenhum: Nunca disse a ninguém / Que eu era Getulista / Nem também afirmei / Que eu era Queremista / Todos sabem muito bem / Que eu sou propagandista.

Pela sua atitude de falar “sem papas na língua”, Cuíca de Santo Amaro é considerado por muitas figuras influentes da arte o “Gregório de Matos sem gramática”. As duas figuras ilustres literárias da Bahia atuam numa certa área da poesia, a Sátira, e como os da maioria dessa área, os poetas procuram corrigir as atitudes que os outros tomam, ou simplesmente escarnecê-las.

Simultaneamente artifício literário engenhoso e padrão distintivo dos discretos cortesãos, potencializa-se nas produções poéticas da época como dispositivo sensibilizador da correção das maneiras, da moral e da boa ordem política. Geralmente aludida pelos autores, uma de suas motivações é interpretação da ocasião histórica em termos escolásticos, como artifício sensibilizador da virtude política da prudência. (HANSEN, 2004, 52-53).

Gregório de Matos é profundamente conhecido pela sua poesia satírica, lírica e até religiosa, porém, em suas obras, o autor ridicularizava a até então conhecida como Cidade da Bahia de maneira geral. Fala mal do prefeito, da freira, do mestiço, do padre, do comerciante, do rei de Portugal e etc. Uma característica muito evidente e perceptível na obra do poeta barroco é que ele se põe acima de qualquer outro homem. Até na relação com Deus, o escritor se sente e chega até cobrar certas regalias por ele ser de família puramente portuguesa, branca e rica.

“Se uma ovelha perdida e já cobrada / Glória tal e prazer tão repentino / Vos deu, como afirmais na sacra história. / Eu sou, Senhor a ovelha desgarrada, / Recobrai-a; e não queirais, pastor divino, / Perder na vossa ovelha a vossa glória.” (Gregório de Matos)

 Essa característica de se colocar num pedestal acima de qualquer outro homem é comum ao estilo de poesia satírica e é o que, de certa forma, diferencia Gregório de Matos Guerra do popular José Gomes, pois o cordelista não falava tão mal de todos, não falava mal do povo, pois esse era o seu público, quem lhe dava o sustento. Cuíca tinha o respeito e a admiração do povo (pelo menos como cordelista, pois ao se candidatar a vereador de Salvador, não obteve muito sucesso).

Outro fato em que os poetas baianos podem ser comparados foi a consequência que suas bocas infernais causaram, a repressão. Guerra foi deportado da Bahia por ter feito críticas ao governador Antônio Luís da Câmara Coutinho e foi para Angola, já Cuíca foi preso a mando de poderosos.

Apesar dos dois poetas terem seu grande valor, a poesia de Gregório sempre foi mais lembrada e valorizada até mesmo por que ele foi o primeiro a escrever sobre tais assuntos com tanta competência poética. Mas, essa valorização dada à poesia de Gregório pode ser interpretada também pelo fato da poesia erudita ser mais bem vista entre os críticos do que a poesia popular, o cordel.

Considerações finais

Apesar das diferenças, pode-se perceber com o estudo dos poetas que nunca a sátira e as suas metamorfoses que preservam a essência será descabida, será descontextualizada, muito pelo contrário, muito dos poemas de Gregório de Matos e dos cordéis de Cuíca de Santo Amaro continuam a fazer sentido até hoje e pode-se até acreditar que continuarão a fazer sentido durante muito tempo. A poesia dessas duas grandes figuras baianas estará a contemplar todos que a busquem e os admiradores de tal estilo estarão à espera de um novo escritor que reinvente o mesmo assunto.

Referências

Disponível em: http://www.cuicadesantoamaro.com.br/ Acesso em: 23/11/2014.

Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=873&sid=190 Acesso em: 23/11/2014.

MATOS, Edilene. Ele, o tal Cuica de Santo Amaro. 2. ed. rev. e ampl Salvador, Ba: Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia, Empresa Gráfica da Bahia, 1998. 208 p.