O Modernismo Brasileiro por Manuel Bandeira
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Por: Leonardo S.
15 de Outubro de 2021

O Modernismo Brasileiro por Manuel Bandeira

Aprofundando a compreensão sobre a Poesia Modernista Brasileira por meio de um dos seus maiores difusores.

Literatura Modernismo Literatura Brasileira Ensino Médio ENEM Geral
  1. Introdução

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, recifense de 1886 e falecido no Rio de Janeiro em 1968, tornou-se um dos poetas mais conhecidos e reconhecidos da literatura brasileira pela sua grande habilidade no verso livre no modernismo tupiniquim. Como poeta difusor deste novo movimento em terras verde-e-amarelas, trazia consigo a grande estratégia e intento de romper com a escrita parnasiana e simbolista que outrora lhe fora conhecida e praticada como em seu livro Cinza das Horas, segundo Alfredo Bosi.

O criador da obra Carnaval (1919), que traz o poema “Os Sapos” demonstra toda a sua facilidade e proeza em escrever poemas satíricos e irônicos para se falar e diminuir o verso métrico e esquematizado do parnasianismo e simbolismo. Mais tarde, Bandeira utilizaria com mais maturidade a ironia e perspicácia em seu “Poema Tirado de uma Notícia de Jornal”, o qual foi publicado na primeira edição de Libertinagem (1930), para se mostrar que:

“A operação transformadora, de que resultou o poema, supunha uma mudança profunda da atitude estética, pois tornava o poeta o ser capaz de extrair poesia de onde menos se espera. Ou como diria Bandeira numa crônica de anos depois, fazia do poeta ‘um sujeito que sabe desentranhar a poesia que há escondida nas coisas, nas palavras, nos gritos, nos sonhos’”. (ARRIGUCCI JR, 1990, 92)

 

  1. O Poema

E para se desentranhar mais análise de um poema desentranhado, se desenvolverá esta dissertação. Vamos então a ele:

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num

barracão sem número

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu

Cantou

Dançou

Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

 

Eis aqui um convencional poema modernista que, segundo Bosi (2015), teve o propósito de grande choque à lírica conhecida para se abrir a uma nova vertente poética, a um novo jeito de se escrever poesia. O rompimento à métrica do verso é o mais visível esteticamente. O verso livre, que não se prende à rima para se encadear o poema num esquema, faz com que o leitor acostumado ao classicismo, releia o poema para poder tirar um poema do literal poema tirado de uma notícia de jornal.

É importante ressaltar que este movimento literário, como traz Arrigucci Jr. comentando Walter Benjamin (1992), acompanhou uma mudança no mundo e este poema traz e reflete esta realidade, já que se nascia o acesso aos automóveis, o crescimento urbano e industrial, dentre tantos outros fatores de crescimento das metrópoles no mundo inteiro e especialmente nas duas maiores cidades brasileiras. E é possível ver esta realidade no poema de Bandeira, que coloca em seu poema a objetividade dos fatos e a secura ao falar deles e, pode-se dizer sintetiza a imprensa em sete versos.

É interessante notar também, uma realidade que se pode interpretar do poema e que se vê atualmente, que é a identidade do sujeito que não tem identidade, ele é sim um indivíduo tomado pela cidade, isto é, como se o espaço urbano fosse ou tivesse mais detalhes do que o homem, sendo assim ele deixa de ser um “ser humano” para ser um “ser urbano”. O personagem do poema narrativo tem assim a sua descrição de pessoa descrita nos primeiro e segundo versos, como aquilo que ele faz na cidade: João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número. É aí que se nota a ironia, pois a única característica pessoal de João é o seu nome, que é comum e pode simbolizar que ele é um “qualquer”, um vulgo e popular “Zé Ninguém”, só que denominado como “Gostoso” motivo o qual, pode-se entender como uma característica sexual de muito apreço popular para o contexto que traz o poema.

O que João era como pessoa é desinteressante para os fatos, importa o que ele fazia na cidade, um carregador de feira-livre, um pobre, que morava no morro da Babilônia num barracão sem número. Esta circunstância faz com que torne possível a interpretação de que a individualidade é anulada, o seu barracão não possuía número, ele morava em qualquer barraca, não há motivos para saber o qual. E isto frisa Arrigucci Jr:

“Na verdade, todo esse processo de caracterização está marcado por uma ambiguidade contraditória: os traços singularizadores e localistas que determinam o malandro carioca em seu espaço característico são ao mesmo tempo fatores de indeterminação genérica e abstratizante do tipo social, não deixando espaço para a diversidade individual”. (ARRIGUCCI JR, 1990, 111, grifo meu)

 

 E é justamente esta realidade que chama atenção porque, todos os espaços que João Gostoso visita têm nome próprio: (...) morava no morro da Babilônia (v. 1)/ (...) chegou no bar Vinte de Novembro (v. 3)/ e (...) se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas (v.7), exceto o próprio personagem. A ele é negada a identidade. O que é bastante comum ainda na atualidade, basta abrir um jornal qualquer e logo se vê a manchete: Homem morto a balas no bairro x.

Entretanto, nos jornais, a notícia se dá pela morte, com a descrição do acontecido e da investigação da causa e etc, que é o fato extraordinário no ritmo da cidade e que curiosamente, não ganha detalhes no poema do recifense modernista. O que é também uma ironia, porque o autor tem aí o poder de falar da vida do carregador de feira-livre, porém o que ele põe em questão é totalmente abstrato, sendo possível inferir que a sua morte teve tanta importância e destaque quanto à sua vida.

A pontuação é outra coisa que fala da importância do fato, quando se lê, deve-se ler sem pausa, sem tempo para respirar, para pensar, para dar relevância ao ocorrido e é exatamente isso que o releva. Na obra, quando é dito o acontecido, se encerra a narrativa abruptamente com a única pontuação presente: o ponto final, explosivo e que ganha um grande sinal e ponto de interrogação para o leitor, é assim, talvez o ponto inicial de investigação do poema. A pontuação dá o ritmo do poema e o ritmo da cidade, isto é, nas ruas e cotidiano urbano tudo deve ser rápido, tudo deve estar sendo vivido o mais imediatamente (e superficialmente) possível.

  1. Considerações finais

Como diz Arrigucci Jr na mesma bibliografia anteriormente citada: Raras vezes, Bandeira conseguiu tirar tanto de tão pouco. E este tanto é explorado por ele na obra em questão, e aqui foi explicitado o tema da identidade do homem moderno que foi genialmente escrito no poema de Manuel Bandeira. Este homem que se vê é reflexo de uma cidade que é cheia de nomes e detalhes, todavia formada de homens sem nomes e sem detalhes.

 

Referências

ARRIGUCCI JR, Davi. Humildade, paixão e morte: a poesia de Manuel Bandeira. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 50ª ed. São Paulo: Cultrix, 2015.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 6ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976, p. 107.

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