ONCOLOGIA GINECOLÓGICA - NEOPLASIA DE COLO DE UTERINO
Por: Leonardo F.
11 de Novembro de 2021

ONCOLOGIA GINECOLÓGICA - NEOPLASIA DE COLO DE UTERINO

DE ASPECTOS BIOMOLECULARES AO TRATAMENTO

Medicina Biologia molecular Imunologia Curso superior Oncologia ginecologia e obstetrícia Saúde da mulher

O câncer no colo do útero é um dos mais prevalentes na população do sexo feminino e em mais de 99% dos casos é causado pela infecção persistente de alguns tipos de HPV (Human papillomavirus). A transmissão desse vírus via contato sexual (é considerada uma infecção sexualmente transmissível) é bastante frequente, mas na maioria dos casos é autolimitada. No entanto, existem determinados tipos que são considerados de alto risco oncogênico. Destes podemos citar os HPV-16 e o HPV-18, que juntos correspondem a mais de 70% dos casos¹, e os HPV-31 e HPV-33 que também são de alto risco. Apesar da infecção ser um fator necessário, não é suficiente para malignidade. Esta também depende de fatores intrínsecos ao HPV, tais como tipo, carga viral e infecção única/ múltipla e de fatores intrínseco aos organismo, tais como imunocompetência, genética e comportamento sexual. Postula-se que os principais fatores de risco são: idade (>30 anos),  tabagismo, atividade sexual precoce, múltiplas parcerias, multiparidade, histórico de neoplasia intracervical em vagina ou vulva, imunodeficiências e utilização prolongada de anticoncepcionais hormonais de via oral (ACVO)². 

Em termos de assistência ginecológica, o CA cervical é mais frequente que CA de corpo de útero e de ovário, ficando atrás apenas do CA de mama.  Segundo o último estudo de estimativas de CA cervical, realizado pelo INCA, em 2020, há uma projeção de incidência de 16.590 novas casos no Brasil considerando o triênio 2020-2022. Se considerarmos apenas o estado de São Paulo, haverá quase 10 casos em cada 100 mil habitantes. No mundo a estimativa também acompanha a tendência de novos casos. Segundo a WHO (World Health Organization), em 2018 foram diagnosticadas 570.000 novos casos de CA cervical, sendo que 311.000 evoluíram para óbito. Apesar disso, é um dos CA que mais respondem ao tratamento quando diagnosticado. Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor será o prognóstico¹. Por esse motivo, a detecção precoce é um dos pontos chave para o combate. 

Podemos dividir os CA cervicais de acordo com os tipos histológicos. Os mais comuns são: carcinoma de células escamosas, que é responsável por aproximadamente 70% dos casos e o adenocarcinoma que é menos frequente, com 25%. 

Patogênese e Aspectos moleculares

Como dito, o HPV está presente em 99,7% dos casos de CA cervical. Esse DNA-vírus possui aproximadamente 7900 pares de bases que diferem bastante de acordo com o tipo de HPV. O genoma circular do HPV contém, pelo menos, 8 regiões responsáveis por codificar polipeptídeos que são divididos em dois grupos: os de expressão precoce (E, early) e os de expressão tardia (L, late) (figura 1). A região E possui genes responsáveis pela replicação viral (E1), transcrição e replicação (E2), maturação viral (E4) e transformação celular (E5, E6 e E7). A região L possui genes responsáveis pela formação do capsídeo (L1 e L2).

A porta de entrada para o HPV seria uma proteína da classe das integrinas chamada de α6ꞵ4 que está presente na junção derme-epiderme. Essa proteína funcionaria como o receptor para o HPV nas células epiteliais germinativas. Após a entrada do HPV nas células, o genoma viral se estabiliza, dando início ao processo de replicação celular. Se, por acaso, ocorrer a clivagem do DNA circular do HPV, entre os genes E1 e E2, haverá integração do DNA viral no humano. Esse processo, basicamente, é encontrado apenas em HPV de alto risco oncogênico. Contudo, do ponto de vista do desenvolvimento de malignidade, os genes E6 e E7 são os mais importantes, pois seus produtos interagem diretamente com os outras proteínas intracelulares p53 e retinoblastoma (Rb), respectivamente³. O produto do gene E6 é uma proteína que inibe o efeito supressor da p53, que é considerada a um fator de transcrição crítico do ciclo celular, funcionando como “sentinela do genoma”, pois é ativado quando há sinais de dano celular, impedindo que a célula progrida para a fase S ou até mesmo induzindo a apoptose. Após a sua ativação, a p53 interage com demais proteínas que também estão envolvidas no processo de divisão celular. Desse modo, o efeito dessa interação recai sobre o ciclo celular, impedindo que se façam reparos no DNA potencialmente danificado nas fases de “check point”. Consequentemente, abre-se margem para formação de um clone maligno. De modo semelhante, o produto de E7, uma proteína,  também interagem com proteínas envolvidas no controle do ciclo celular, desregulando-o. A proteína E7 se liga a outras da família pRb (proteína do retinoblastoma). Sabe-se que as pRb só atuam quando são fosforiladas, liberando um fator de transcrição que estimula a progressão do ciclo. Esses dois mecanismos estão interligados, de modo que se houver disfunção de p53, também haverá de pRb. Portanto, acredita-se que esses genes dão início e mantêm o processo de malignidade que está presente no CA cervical. 

Diagnóstico

No Brasil, existe um sólido protocolo de rastreamento de CA cervical. Entidades como Ministério da Saúde (MS) e Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) preconizam que o rastreamento se inicie aos 25 anos de idade em mulheres que tenham iniciado atividade sexual e independente do status de vacinação. O protocolo consiste em basicamente realizar coletas periódicas (bianualmente) de colpocitologia oncótica. Esse exame pesquisa alterações celulares na ectocérvice e na endocérvice. 

As alterações são classificadas em: benignas, indeterminadas, lesão escamosa de baixo grau, lesão escamosa de alto grau, adenocarcinoma in situ e carcinoma invasor.  

Em caso de suspeita de lesões intraepiteliais cervicais (NIC) de alto grau, realiza-se colposcopia com testes que ajudam a revelar lesões subclínicas (ácido acético e iodo). Ademais, realiza-se coleta de amostra que será encaminhado para o histopatológico, que é é padrão ouro para diagnóstico de CA cervical. Obtém-se a amostra  por meio de uma biópsia direta da lesão ou, em casos de lesão endocervical, por meio da conização de colo uterino ou curetagem do canal endocervical. Segundo a International Federation of Gynecology, existem cinco informações imprescindíveis no laudo do anatomopatológico para o correto estadiamento do caso: 

Tipo histológico e grau de diferenciação se lesão invasora.

Invasão dos espaços linfovasculares (sim ou não).

Profundidade de invasão estromal (mm).

Extensão da área tumoral invasora (mm).

Status das margens cirúrgicas (livres, comprometidas para lesão intraepitelial, comprometidas para lesão invasora).

 

Existe um consenso de que NIC 1 é considerada lesão de baixo grau e NIC 2 e 3 são de alto grau, sendo que NIC já é considerado carcinoma in situ. Nesse último estágio, o tecido já se encontra repleto de células indiferenciadas malignas, intensa atividade mitótica e com presença de coilócitos (patognomônico) entre outros achados.

É importante ressaltar que a pesquisa do DNA viral faz parte do protocolo apenas quando a paciente possui lesão compatível com atipia indeterminada ou para acompanhamento de mulheres já diagnosticadas com lesões de alto grau. Os testes de HPV são coletados no canal cervical. Existem vários testes disponíveis, sendo a maioria baseada em detecção do DNA-HPV. O mais utilizado é a técnica de PCR. 

Uma vez realizado diagnóstico clínico e patológico, o planejamento terapêutico pode requerer auxílio de exames de imagem. A ressonância magnética (RM) é a melhor modalidade de imagem para investigação de partes moles e envolvimento de tecidos adjacentes em pacientes com tumores avançados e pode determinar o tamanho do tumor, grau de penetração do estroma, extensão para canal vaginal e para corpo uterino. Mais recentemente, tem se adotado exames de modalidade mista, como o PET-TC, pois detecta tanto aspectos anatômicos, quanto funcionais. 




Tratamento

O tratamento deve levar diversos aspectos em consideração. Para além do estadiamento, há que se preocupar com o futuro reprodutivo da paciente, principalmente se esta não possuir prole definida.  O tratamento da NIC 3 é conservador, independentemente da idade da mulher. Pode ser eventualmente realizado por métodos destrutivos, como cauterização elétrica, a frio ou a laser. Por outro lado, o adenocarcinoma in situ, por ser originado do canal endocervical,o tratamento é a histerectomia total, podendo ser preservados os ovários em mulheres no menacme. A justificativa é que procedimentos mais conservadores têm se mostrado presente em 50% dos casos 4. Entretanto, mulheres em idade reprodutiva que desejam preservar a fertilidade, a conização cervical, realizada com bisturi a frio, pode utilizada como tratamento. 

A histerectomia total pode ser realizada como opção terapêutica em mulheres com carcinoma escamoso microinvasor com prole definida. Nesses casos sem invasão angiolinfática, não há indicação de linfadenectomia ou parametrectomia quando as margens do cone estão livres de neoplasia. A ooforectomia é opcional, não devendo ser realizada em mulheres jovens. Em casos de adenocarcinoma microinvasor (vasos sanguíneo e linfáticos) são de difícil diagnóstico e, por esse motivo, tem-se adotado também tratamentos mais radicais, como histerectomia e linfadenectomia. Contudo, a conização é aceitável no caso de mulheres com desejo de manter a fertilidade. 

Os tumores mais volumosos , mesmo que restritos ao colo do útero apresentam piores prognósticos. O tratamento cirúrgico é uma possibilidade. No entanto, em apenas 16% dos casos a cirurgia foi efetiva isoladamente. Geralmente, opta-se por associar com radioterapia ou apenas radioterapia.   A radioterapia associada com a quimioterapia também é indicada quando a paciente possui de média a alto risco de recidiva após tratamento cirúrgico e análise do histopatológico. 

Não há consenso se o adenocarcinoma do colo uterino tem um prognóstico pior que o escamoso ou adenoescamoso. Já os carcinomas de pequenas células e indiferenciados possuem um  prognóstico mais reservado. Alguns fatores prognósticos estão sendo levantados mais recentemente: entre eles, a coinfecção com vírus da imunodeficiência humana (HIV); o número de células em fase S; a presença de HPV 18 e a expressão de alguns marcadores como c-myc ou polimorfismos da enzima gama-glutamil hidrolase.







Referências:

 

1- WORLD HEALTH ORGANIZATION ; ICO Information Centre on Human Papilloma Virus (HPV) and Cervical Cancer. Human papillomavirus and related cancers in Brazil. Disponível em: < www.who.int/hpvcentre>. Acesso em: 20 jul. 2010. (Summary Report 2010).

 

2- Frumovitz. M. Invasive cervical cancer: Epidemiology, risk factors, clinical manifestations, and diagnosis. 2020 - Uptodate.

 

3- Palefsky. J. M. Virology of human papillomavirus infections and the link to cancer. 2020 - Uptodate

 

4- Rastreio, diagnóstico e tratamento do câncer de colo de útero. -- São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2017.

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