ASPECTOS RELEVANTES DA MEDIAÇÃO
Por: Marcos S.
08 de Dezembro de 2021

ASPECTOS RELEVANTES DA MEDIAÇÃO

por Marcos Scarcela Portela Scripilliti e José Fernando Caetano

Direito Mediação de Conflitos Mediação Empresarial Aulas particulares Processo Civil

1. INTRODUÇÃO

 

A mediação é uma atividade que começa a ser utilizada no Brasil, como forma eficaz de evitar os altos custos decorrentes de uma disputa judicial. Além disso, sua prática poupa tempo e diminui significativamente o desgaste emocional dos envolvidos numa demanda. A mediação trata o conflito existente entre as partes, para tentar resolver o litígio hoje e evitar que outros brotem amanhã. Com paciência e disponibilidade de tempo, o mediador absorve as emoções dos litigantes, para então identificar os interesses que estão atrás de suas posições.[1] Para compreender melhor o que é mediação, deve-se primeiro distingui-la do que não é, pois com muita freqüência confunde-se mediação com outras formas de solução de conflitos. Há diversas espécies de mediação, o que contribui para tornar sua compreensão uma tarefa ainda mais difícil.

 

Mediação é uma extensão do processo de negociação. As partes envolvidas numa disputa ou num conflito, quando não chegam a um acordo, utilizam uma terceira pessoa, neutra e imparcial, para lhes auxiliar na busca de uma conclusão aceitável por ambas. Diferentemente de um juiz ou de um árbitro, os quais têm como função a aplicação de normas para produção de uma decisão, o mediador apenas ajuda as partes a chegarem a um acordo. Uma das principais características da mediação é a obtenção do resultado pelas próprias partes.

 

Ao contrario de uma decisão judicial, imposta às partes pelo juiz, o resultado da mediação é sempre fruto de uma decisão negociada. A participação do mediador se concentra na exploração das sugestões expressas pelos interessados. O grau de delegação do poder decisório na disputa é praticamente zero na mediação, ao contrário do que ocorre nos processos judiciais, por exemplo, onde a delegação é total.

 

São justamente tais aspectos que diferem a mediação das outras formas de solução de conflitos. Ainda assim, há mal-entendidos sobre o que é – ou o que não é – mediação. Até mesmo o Dicionário Aurélio contribui para o equívoco presente nesta discussão:

 

mediação . [Do lat. tard. mediatione.] S. f. (…)5. Jur. Intervenção com que se busca produzir um acordo: O litígio foi resolvido por mediação do juiz. 6. Jur. Processo pacífico de acerto de conflitos internacionais, no qual (ao contrário do que se dá na arbitragem) a solução é sugerida e não imposta às partes interessadas.”

           

Embora seja uma fonte confiável de significados, o Aurélio apresenta uma definição desatualizada e um exemplo infeliz. Ora, o magistrado responsável pelo julgamento da causa jamais pode dizer que conduziu uma mediação na demanda, pois o mediador não pode ter qualquer poder de decisão sobre o conflito. Isso descaracterizaria o procedimento e a mediação deixa de ser autêntica. Em outras palavras, apenas os juízes que não tiverem qualquer tipo de influência sobre o resultado da disputa podem mediá-la.

 

No mais, apesar dos inúmeros esforços, quando o assunto é mediação, dificilmente há um consenso sobre sua definição. E tarefa menos árdua não seria especificar suas modalidades, de tão variáveis. Há quem utilize somente a natureza do processo de mediação a ser conduzido para alcançar uma definição, mesmo sabendo que isso não resolve o problema, pois dá margem a amplas interpretações. Todavia, é pacífico que as diferentes espécies de mediação têm pontos em comum e que devem estar presentes na construção de uma definição. São princípios básicos da mediação:

 

a) o caráter estritamente voluntário do procedimento. Ainda que ordenado por um juiz, a participação é sempre facultativa. Nenhuma parte pode ser obrigada a participar de uma mediação;

 

b) o sigilo e a confidencialidade. Mediadores não podem ser convocados para depor sobre fatos ocorridos e/ou assuntos discutidos durante a mediação. Todas as anotações feitas durante uma mediação devem destruídas na presença das partes. O mediador está sempre condicionado a manter o sigilo e preservar a confidencialidade. No entanto, há exceções: o mediador tem o dever de comunicar as autoridades competentes qualquer alusão à conduta criminosa futura ou que envolva abuso de menores, não havendo nesse caso limites quanto ao tempo da ação. Essas exceções são informadas às partes no termo que precede a mediação; e

 

c) além de imparciais, os mediadores devem ser neutros. Isto significa que o mediador não pode ter qualquer poder de decisão. Sua participação deve ser discreta e sutil, colaborando para as partes compreenderem melhor as posições e os interesses presentes no conflito.

 

Em suma, a mediação facilita a tentativa de composição através de reuniões conduzidas num local neutro, onde os interessados comparecem e expõem ativamente suas razões. As exposições são realizadas diante da outra parte e também em sessões privadas realizadas com o mediador, que assume contratualmente a responsabilidade de manter sob confidencialidade as informações recebidas. Apesar de recomendado, ainda não é obrigatória a presença de advogados nas sessões. Os acordos produzidos na mediação têm o mesmo valor de um contrato celebrado pelas partes.

 

2. ORIGEM E EVOLUÇÃO

 

O uso da mediação como forma de solução de conflitos não é novidade nos países desenvolvidos. Os primeiros grupos de imigrantes se valiam de métodos de solução de conflitos próprios, por falta de familiaridade ou mesmo confiança no sistema jurídico do novo território ocupado. Assim, para alguns desses grupos, como as comunidades de imigrantes chineses, judeus e quakers, seus mecanismos de solução de conflitos tiveram a função de protegê-los de uma cultura jurídica desconhecida.

                                  

Os procedimentos alternativos de resolução de conflitos tornaram-se populares no início da década de 70, quando os Tribunais estavam sobrecarregados de processos e a demora dos julgamentos era inevitável. Hoje em dia, tamanha é sua importância naquele país que, dependendo da matéria discutida, antes de ingressarem no Poder Judiciário, as partes devem ter à disposição um mediador, como última tentativa de resolverem extrajudicialmente suas controvérsias.

 

A mediação não pára de evoluir e demonstra ser um eficaz método de resolver disputas nos mais variados contextos, desde o âmbito empresarial, comunitário e familiar, até mesmo em conflitos envolvendo relações de consumo e questões ambientais. Nos Estados Unidos, este crescimento acelerado no setor privado foi reconhecido pelo governo e a mediação passou a fazer parte integrante do judiciário. Lá a mediação há um bom tempo deixou de estar limitada aos juizados informais ou de pequenas causas. É comum a existência de mecanismos alternativos nas cortes estaduais e federais. A oportunidade das partes participarem de mediações tem se tornado, cada vez mais, um pré-requisito ao litígio. O próprio Poder Judiciário norte-americano destina verbas anuais para a manutenção de centros de mediação, que podem acolher disputas encaminhadas pelas próprias partes ou ordenadas por um magistrado.

 

Nas últimas décadas o crescimento dos sistemas alternativos de solução de conflitos nos Estados Unidos superou as expectativas até mesmo de seus maiores entusiastas. Além disso, indicadores demonstram que esse crescimento deve continuar e também que os meios alternativos devem se tornar parte integrante e permanente do universo jurídico dos países desenvolvidos. Entre os indicadores dessa expansão estão:

 

a) entrada em vigor da lei que torna obrigatória a presença de alguma forma alternativa de solução de conflitos em todas as cortes federais dos Estados Unidos;

 

b) propostas de revisão da lei uniforme de arbitragem e de criação da lei uniforme de mediação;

 

c) memorando de Bill Clinton, à época Presidente dos Estados Unidos, sugerindo que cada órgão federal obrigatoriamente tomasse providências para promover o uso da arbitragem, mediação e negociação, entre outras alternativas de solução de conflitos;

 

d) inclusão dos cursos de arbitragem, mediação e negociação nos currículos das faculdades de Direito e de Administração;

 

e) implementação de programas de mediação nas escolas públicas e privadas conduzidos pelos próprios alunos;

 

f) aumento do número de obras publicadas especializadas em arbitragem, mediação e negociação;

 

g) crescimento sem precedentes do numero de centros especializados e do número de casos encaminhados aos mesmos; e

 

h) implementação de programas dentro de empresas, universidades e comunidades para prevenir litígios, o que também acaba gerando uma enorme economia.

 

Uma pesquisa recente sobre o uso de sistemas alternativos de solução de conflitos realizada entre diversas empresas norte-americanas de grande porte revelou que:

 

a) 90% consideram mediação um método que lhes poupa dinheiro;

 

b) 88% utilizam mediação desde 1994;

 

c) 79% usam arbitragem desde 1994;

 

d) 81% consideram arbitragem um processo mais satisfatório que o processo judicial; e

 

e) 59% consideravam mediação um método eficaz de preservação das relações comerciais.

 

No Brasil, a “versão consensuada” do anteprojeto de lei sobre mediação apresentada pelo Ministério da Justiça caminha no mesmo sentido, como parte integrante da Reforma do Judiciário.[2] Seu texto está aberto para sugestões e, salvo melhor juízo, ainda merece ser aprimorado, a fim de evitar mal-entendidos num futuro próximo.

 

3. PECULIARIDADES

 

Frise-se que o mediador não profere qualquer decisão sobre a controvérsia. Tal fato, aliado à mencionada confidencialidade, faz com que as partes sintam-se à vontade para revelar não só suas posições, mas também seus interesses, facilitando a construção de soluções conforme as reais possibilidades. Cabe aqui esclarecer a distinção conceitual existente entre posição e interesse, expressões integrantes do jargão dos negociadores e mediadores.

 

Os pedidos efetuados num litígio e nos quais se baseiam os magistrados para proferirem suas decisões podem não revelar os verdadeiros interesses das partes. São apenas posições. Por isso que, não raras vezes, uma parte pode obter o provimento jurisdicional solicitado de acordo com suas posições e, mesmo assim, continuar insatisfeita.

 

A natureza das diferentes mediações permite que estas sejam divididas entre as baseadas em posições e as baseadas em interesses. Na primeira modalidade, o processo decisório se baseia naquilo que cada parte acredita que conseguiria caso levasse o caso para apreciação de um juiz. Aqui o conflito permanece voltado para a disputa imediata ao invés de estar voltado para as questões subjacentes. Entretanto, enfatizar somente o direito significa intransigir quanto à posição adotada no conflito e isso ocasiona a perda da oportunidade de explorar soluções satisfatórias para ambos os lados. Já a mediação baseada em interesses é um procedimento mais complexo e com reflexos terapêuticos. Esta modalidade aproxima-se mais do ideal da mediação, que valoriza os relacionamentos comerciais e pessoais, buscando auxiliar as partes a compreenderem-se e identificarem suas necessidades. O mediador adquire o papel de explorador. Conseqüentemente, este tipo de mediação foca com mais intensidade questões subjacentes que deram origem ao conflito.

 

Um clássico exemplo criado pelo Programa de Negociação de Harvard ilustra com nitidez tal distinção. Imagine que você tem duas filhas adolescentes e ao chegar do trabalho vê que elas estão brigando desesperadamente para ver quem fica com a última laranja da casa. Ambas precisam muito da laranja e não há como providenciar outra naquele momento. Qual atitude você tomaria?

                                  

A maioria das pessoas responde sem hesitar que o melhor é repartir a laranja ao meio, dando metade para cada filha, como medida de justiça, bom senso e eqüidade. Entretanto, após cada qual pegar sua metade, você observa que uma espreme sua metade para fazer um suco e a outra utiliza a casca como ingrediente para fazer um doce. Ou seja, ambas deixaram de ganhar com a repartição da laranja. Logo, a decisão mais satisfatória seria descascar a laranja por inteiro, entregar a casca para uma e o bagaço para outra. Para tanto, os interesses das posições trazidas à baila deveriam ser explorados. Apesar da trivialidade do exemplo, sua dinâmica é muito mais comum do que se pode imaginar.

 

O costume brasileiro da pechincha reforça a ilusão de que para você ganhar, o outro tem que perder. As negociações limitam-se a decidir quem fica com a maior fatia. Poucos ventilam a hipótese de antes unir esforços, aumentar o tamanho do bolo e então reparti-lo. Assim, a mordida de uma empadinha torna-se mais valiosa do que o pedaço de uma pizza. Como se não bastasse, ao invés dos interessados participarem ativamente da resolução do problema, esta função é precocemente delegada a advogados. Para Kazuo Watanabe, os brasileiros carregam consigo a “cultura da sentença”, pois depositam no Poder Judiciário a única forma de solução de suas controvérsias.      

 

Oportuno é observar algumas conseqüências desta cultura paternalista. Como os conflitos são encaminhados os advogados, que por sua vez levam-nos aos juízes, a solução da controvérsia escapa das mãos dos maiores responsáveis pelo problema e passa a ter vida própria nos autos. As partes tornam-se inimigas confessas, uma guerra é declarada e as emoções afloram-se. Na maioria das vezes o resultado é a distorção da realidade. Existem muitas leis, pouca justiça, diversas regras e pouco resultado.[3] Isso sem contar que os magistrados não podem modificar os pedidos de um processo judicial, o que lhes obriga a abrir mão da criatividade e deixar de lado importantes opções que poderiam satisfazer ainda mais a vontade das partes.

 

Talvez por essas razões verifica-se que 80% (oitenta por cento) dos casos submetidos à mediação alcançam algum tipo de acordo, pondo fim em pelo menos parte do conflito. Além disso, a experiência revela que a participação direta dos litigantes nas sessões faz com que os termos acordados dificilmente deixem de ser cumpridos.    Esta é uma importante diferença entre os efeitos da mediação e do processo judicial ou da arbitragem, cuja decisão declara um vencedor e um perdedor. Chegar a este extremo – o que às vezes torna-se inevitável – aniquila o relacionamento entre as partes, desestimula o perdedor a cumprir a ordem que lhe foi imposta e inviabiliza a relação de futuros negócios.

 

Além da redução de custo, tempo e emoção gerada pela mediação, este meio alternativo de resolução de tormentosas e longas disputas judiciais traz consigo importantes benefícios para empresas que costumam provisionar em seus balanços contábeis os valores que se encontram sub judice. Por exemplo, a contratação de um profissional voltado exclusivamente para a condução de acordos – não integrante da equipe litigiosa de advogados da empresa – viabiliza a “limpeza” da carteira de ações com mais facilidade e, eventualmente, a abertura de um canal permanente voltado para a busca de soluções extrajudiciais.

                                  

A proposta é que o mediador não só previna futuros litígios, mas também remedie parte dos conflitos pendentes, verificando atenciosamente as particularidades de cada caso. Logo, fica a seguinte pergunta: já que o custo financeiro, temporal e emocional de um processo judicial pode não compensar, por que deixar de tentar a mediação antes?

 

4. A POLÊMICA DO CONCEITO E DAS ESPÉCIES

 

Ao analisar a implementação de sistemas alternativos de solução de conflitos em qualquer sistema jurídico, há que se levar em conta alguns fatores indispensáveis à sua eficácia. Em primeiro lugar, é preciso que existam recursos para manter centros de mediação, os quais devem servir também como centros de treinamento para os novos mediadores. Indispensável também é a divulgação para o público dos serviços oferecidos, dos tipos de mediação colocados à disposição bem como a descrição do processo.

 

Mas é possível verificar que a polêmica maior do conceito de mediação e de suas modalidades gravita em torno do grau de interferência do mediador sobre os fatos expostos pelas partes nas sessões. Deve o mediador simplesmente servir como canal de comunicação, facilitando o entendimento entre as partes? Deve o mediador considerar o mérito do conflito e efetuar uma análise do que lhe é revelado, sem quebrar a confidencialidade? Esta avaliação seria interna ou externa? Direta ou indireta?

 

Para alguns estudiosos, a mediação somente é eficaz quando existe alguma espécie de interferência do mediador sobre os assuntos colocados à mesa pelas partes. No entender de outros, os mediadores que fornecem conselhos ou orientações devem ser punidos, pois a natureza da mediação não permite intromissões.

 

Além destas questões, outras continuam assombrando os bastidores da mediação. Pode-se utilizar deste meio alternativo quando a matéria discutida guarda relação com direitos indisponíveis, como as questões criminais e de família? E se houver colidência de direitos constitucionais no conflito mediado, deve o procedimento ser interrompido?

 

Mais ainda. Deve haver sessões privadas? Podem as partes comparecer sem advogados? E se uma parte for ostensivamente mais vulnerável do que a outra? É conveniente que o mediador tenha alguma espécie de conhecimento da matéria a ser tratada? Afinal, no que a mediação difere de outros meios alternativos de solução de disputas, como o mini-julgamento e a avaliação neutra?

 

Como se vê, a maior parte das desavenças decorre da natureza da mediação bem como de seus objetivos. Entende-se por mediação o procedimento através do qual alguém imparcial ajuda pessoas a resolverem suas controvérsias e alcançarem um acordo. Mas na prática, os objetivos da mediação e métodos utilizados variam tanto, que a definição permanece nebulosa.

 

No mais, o problema é agravado pelo fato de vários mediadores considerarem sua metodologia como sendo a única correta, fazendo vista grossa das demais espécies existentes. Alguns afirmam com veemência que os demais tipos nem sequer configuram mediação!

 

É indiscutível que o objetivo maior da mediação é facilitar negociações. E duas são as espécies de negociação: adversária e cooperativa. O método adversário limita-se a discutir a divisão de um certo valor ou determinada coisa, por exemplo, e os negociadores partem da premissa de que para uma parte ganhar a outra deve perder. Já a negociação cooperativa prima pela busca dos interesses das partes, ou seja, das razões que motivam seus pedidos.[4]

 

De início, alguns doutrinadores tentaram utilizar a classificação de negociação acima sumariamente exposta para depois definir as espécies de mediação. Contudo, suas tentativas restaram infrutíferas.

 

Então, para tentar solucionar tamanha celeuma, Leonard L. Riskin criou um inteligente sistema de classificação capaz de satisfazer às mais radicais posições. Segundo este doutrinador, é muito tarde para dizer aos profissionais já reconhecidos como mediadores, que na verdade eles não o são. Da mesma forma, é impossível a essa altura do campeonato, uma associação de pizzaiolos da Itália dizer que as massudas pizzas norte-americanas não são pizzas! A proposta desse sistema é permitir a formação de um conceito de mediação através de duas vertentes: delimitação do problema e função do mediador.

 

Como declara o Professor Frank Sander, do Programa de Mediação de Harvard, o sistema de classificação criado pelo Professor Leonard L. Riskin[5] foi um marco para o estudo da mediação. Por isso, torna-se oportuna a utilização dos ensinamentos ali expostos.

 

  • PRIMEIRA VERTENTE: DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA

 

A primeira vertente trata da delimitação dos problemas a serem tratados na mediação. Ou seja, verificam-se quais assuntos as partes pretendem tratar nas sessões. Num extremo desta vertente estão problemas simples, como a quantia que deve ser paga por uma parte a outra. No lado oposto estão problemas complexos, como a repercussão do problema na sociedade e propostas para evitar situações similares. E no meio estão problemas de dificuldade intermediária, como a busca dos interesses e a melhora do relacionamento das partes.

 

Num primeiro momento, verifica-se que as questões a serem acordadas não podem fugir muito daquilo que seria obtido pelos litigantes se houvesse um julgamento, com a vantagem de que a mediação poupa tempo, energia e os altos custos do processo judicial. Para tanto, pressupõe-se que as partes tomem decisões coerentes, com base no ordenamento jurídico vigente aplicável ao caso e na jurisprudência predominante dos Tribunais. As discussões são limitadas e procuram focar os pontos fortes e fracos dos fatos expostos pelas partes em disputa.

 

 Na etapa seguinte, as partes também tratam na mediação de assuntos comerciais que dificilmente seriam levados em consideração num julgamento. A prioridade torna-se satisfazer os interesses comerciais, viabilizar a realização de futuros negócios e preservar a reputação das partes.

 

Numa terceira fase, as atenções são dirigidas aos problemas de relacionamento bem como interesses pessoais das partes. Por mais que se aconselhe separar as partes do problema, às vezes elas são o problema! Em outras palavras, o objetivo maior nesta modalidade é fornecer às partes a oportunidade de aprenderem e mudarem, educando-as e transformando-as de tal forma que as mesmas desenvolvem capacidades próprias para lidarem inclusive com outros problemas do cotidiano.

 

Finalmente, na última etapa, a complexidade é ainda maior, pois as partes também têm a intenção de resolver problemas externos, normalmente da sociedade, que somente se tornam visíveis com os debates da mediação.

 

Em suma, quanto maior for a complexidade do problema, menos ficam as partes preocupadas em resolver os assuntos que envolvem repartição ou distribuição, pois a atenção é redirecionada para o aprimoramento da relação e elas passam a enxergar a mediação como uma excelente oportunidade de efetuar mudanças.

 

  • SEGUNDA VERTENTE: FUNÇÃO DO MEDIADOR

 

A segunda vertente diz respeito à função exercida pelo mediador, que varia de acordo como as estratégias e técnicas utilizadas na mediação. Numa ponta desta vertente o mediador apenas facilita a negociação, providenciando a comunicação entre as partes e permitindo que se entendam. Trata-se de uma função passiva. No outro estremo, o mediador exerce uma função ativa, leva em consideração os problemas expostos pelas partes, para depois avaliá-los explicitamente, a ponto de influenciar no resultado da mediação.

 

O mediador que facilita a comunicação considera que as partes são suficientemente capazes de entenderem a situação em que se encontram, respeitando as diferenças existentes de acordo com as possibilidades reais de cada uma. Nesta postura, presume-se que os envolvidos têm mais condição de resolver seus problemas do que teria o mediador ou até mesmo os advogados. Aqui a responsabilidade de criar soluções é única e exclusivamente das partes.

 

 Por sua vez, o mediador que analisa e avalia considera que os envolvidos querem e precisam de uma orientação profissional para resolver suas controvérsias. Neste caso, é comum que as partes levem em consideração a personalidade, a formação profissional e a experiência do mediador.

 

  • SOLUÇÃO: CRUZAMENTO DE AMBAS VERTENTES

 

Para uma melhor compreensão das espécies de mediação disponíveis, Leonard L. Riskin faz um cruzamento das vertentes acima expostas, através de dois eixos perpendiculares, deixando na horizontal a  primeira vertente (delimitação do problema) e na vertical a segunda (função do mediador).

 

Com isso, o doutrinador cria quatro espécies de mediações: a facilitadora simples, a facilitadora complexa, a avaliadora simples e a avaliadora complexa. Frise-se, por oportuno, que o mediador que facilita exerce uma função passiva e o que avalia uma função ativa. A figura que segue ilustra com clareza o que se pretende dizer através de quadrantes.

 

Com efeito, note-se que somente é possível identificar uma espécie de mediação conforme o método predominante aplicado no caso mediado. No mais, os quadrantes acima sugeridos são dinâmicos, já que um mediador freqüentemente altera sua postura quando se depara com situações específicas, para tornar a mediação mais efetiva.

 

Por exemplo, se o assunto for responsabilidade civil, um mediador com postura facilitadora complexa criará a oportunidade das partes explorarem seus interesses. Todavia, verificando resistência à compreensão dos interesses, o profissional passará a adotar uma postura facilitadora simples, para não obstaculizar a mediação.

 

Sabe-se que juízes aposentados e advogados, ao conduzirem uma mediação, têm a tendência de seguir a modalidade avaliadora simples. Neste caso, antes da primeira sessão, o mediador provavelmente efetuará uma análise dos documentos relevantes para o deslinde da controvérsia, ou mesmo dos argumentos e provas constantes dos autos, se houver um processo judicial. Além disso, serão analisados os pontos fortes e fracos das partes, serão expostos os prováveis resultados de um julgamento, a discussão focará mais as posições do que os interesses e as partes poderão inclusive ser aconselhadas pelo mediador.

 

Já os psicólogos e psicanalistas, por estarem acostumados com terapias de família e não possuírem conhecimento jurídico qualificado, preferem adotar a postura facilitadora complexa. Estas mediações tendem a fazer com que as próprias partes discutam abertamente e compreendam a natureza de seus problemas, para então aprenderem a resolvê-los. Outra intenção é ensinar as próprias partes a identificarem seus interesses. Normalmente o mediador prefere sessões conjuntas a privadas.

 

Por sua vez, os juristas com experiência em psicologia podem optar pela adoção de uma postura avaliadora complexa. Aqui o mediador tem como escopo estudar as circunstâncias do caso, fornecer subsídios às partes, criar opções para a resolução do conflito, contribuir para juntos identificarem os interesses que estão por trás das posições e valer-se de seus conhecimentos para orientar com imparcialidade as partes, tudo visando alcançar o acordo mais abrangente possível. A maior parte do tempo da mediação é despendida em sessões privadas.

 

E, finalmente, aqueles que possuem treinamento em mediação, sem quaisquer das formações antes mencionadas, procuram adotar a postura facilitadora simples. Nesta espécie, o mediador questiona as posições do conflito e os possíveis resultados se não houver acordo. A mediação procura ajudar as partes a deixarem de lado o receio de comunicarem-se e devolve o problema às mesmas, para que elas desenvolvam as soluções. O mediador tentará convencer as partes em sessões privadas a exporem suas razões em sessões conjuntas.

 

Como se vê, diversos são os aspectos que influenciam o perfil de um mediador: personalidade, educação, experiência e treinamento do qual participou são alguns exemplos. Mas os interessados devem participar de alguma espécie de treinamento (conceitual e prático) em mediação, dominar as técnicas de negociação e possuir ao menos familiaridade com a matéria. Caso contrário, dificilmente o mediador poderá viabilizar uma discussão entre as partes e identificar os interesses comuns. O mediador deve ser uma pessoa imparcial, que domina as técnicas avançadas de negociação e possui formação específica. Quando já existe um processo judicial, ser advogado torna-se oportuno.

 

Vale à pena ressaltar que a importância do conhecimento da matéria a ser mediada é diretamente proporcional à necessidade do mediador efetuar uma função ativa ou analisar os fatos expostos pelas partes. Por sua vez, quanto mais oportuna for a adoção de uma postura avaliadora (simples ou complexa), maior deve ser a confiança depositada na imparcialidade do mediador. Mas sempre haverá quem considere os termos avaliação e mediação incompatíveis.

 

O sistema acima facilita o entendimento entre os estudiosos da matéria que passaram a discutir o assunto com mais flexibilidade. Aliás, este predicado é um poderoso instrumento dos mediadores, que ao longo do tempo aceitam a inexistência de uma verdade absoluta, pois os seres humanos possuem tão somente percepções.

 

E para satisfazer os mais críticos, que quando analisam o sistema possuem a tendência de considerar a postura avaliadora complexa mais ousada, muito próxima da avaliação neutra – como o parecer de um jurista – ou a postura facilitadora simples semelhante a uma terapia, Leonard L. Riskin sugere a supressão das arestas externas de cada um dos quadrantes (figura 3) ou a diminuição dos mesmos (figura 4). Outra alternativa é suprimir as quinas e também diminuir a área (figura 5). Observe as ilustrações que seguem.

 

5. COMPARATIVO COM ARBITRAGEM

 

Arbitragem

                                  

 Arbitragem tem sido utilizada nos Estados Unidos como método de adjudicação privada desde o século XVIII, apesar de sua popularidade somente ter começado a crescer significativamente a partir do século XX. O estado de Nova Iorque foi o primeiro a elaborar um estatuto que permitisse à partes lançar mão de processos arbitrais para resolver disputas em andamento, bem como disputas futuras. Este estatuto serviu de modelo para o “Uniform Arbitration Act” (UAA), de 1955, que é a base dos estatutos estaduais de arbitragem na maior parte dos Estados Unidos.

 

Arbitragem ganhou popularidade nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra mundial, quando foi introduzida nas relações trabalhistas e dai passou a desfrutar de ótima reputação como método eficaz de solução de conflitos na área de política nacional entre 1957 e 1960, com quarto casos decididos pela Suprema Corte dos Estados Unidos no período. Três dos quarto casos tiveram origem na Seção 301 do “Labor Management Relations Act”.

Porem, o verdadeiro marco da arbitragem nos Estados Unidos foi uma serie de casos conhecidos como a “Trilogia dos Siderúrgicos” (“Steelworkers’ Trilogy”), que surgiu três anos mais tarde. Nestes casos, a Suprema Corte definiu sua política de reconhecer a legitimidade das sentenças arbitrais.

 

Jurisprudência arbitral cresceu e se desenvolveu, principalmente a partir do uso da arbitragem em transações e disputas comerciais, bem como em acordos trabalhistas, a partir do inicio da década de 1970. Três décadas depois, arbitragem encontra-se amplamente presente em casos que envolvem desde direitos do consumidor, negligencia medica, propriedade intelectual e divorcio, entre outros. A expansão da arbitragem para estes novos contextos suscita questões de reforma judicial e desafia legisladores a promover e efetivar estas mudanças sem comprometer a qualidade da justiça resultante.

 

O campo dos ADR é composto de vários integrantes que competem na oferta de diferentes produtos. Existem atualmente varias empresas privadas de prestação de serviços voltados para a solução de conflitos nos Estados Unidos. Estas empresas podem ser para fins lucrativos ou não, e oferecem uma gama variada de opções para solução de conflitos fora do âmbito judiciário estatal.

 

6. BIBLIOGRAFIA

 AUERBACH, Jerold. Justice Without Law? New York: Oxford Press, 1983.

FISHER, Roger & ERTEL, Danny. Getting ready to negotiate. New York: Penguin Books, 1995.

FISHER, Roger & URY, William L. Getting to yes: negotiation agreement. New York: Penguin Books, 1995.

RISKIN, Leonard L. Understanding Mediators’ Orientations, Strategies, and Techniques: A Grid for the Perplexed. Harvard Negotiation Law Review, vol. 1:7 Spring: 7-51, 1996.

SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: exposta em 38 estratagemas. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

SILVA, Alessandra Gomes do Nascimento. Técnicas de negociação para advogados. São Paulo: Saraiva, 2002.

SINGER, Linda L. Settling disputes: conflict resolution in business, families, and the legal system. 2ª ed., Oxford: Westview Press, 1994.

STONE, Douglas; PATTON, Bruce & HEEN, Sheila. Difficult conversations: how to discuss what matters most. New York: Penguin Books, 1999.

URY, William L. Supere o não: negociando com pessoas difíceis. 10ª ed., São Paulo: Best Seller, 2001.

 

[1] Existe uma importante distinção conceitual entre posição e interesse, como se verá logo adiante.

[2] O conteúdo do anteprojeto está disponível em http://www.mj.gov.br/reforma/mediacao.htm

[3] Linda R. Singer, Settling Disputes, 2ª ed., pp. 4, 5 e 13.

[4] Classificação criada por Roger Fisher, Willian Ury e Bruce Patton, fundadores do Projeto de Negociação, da Harvard Law School. Mais informações em http://www.pon.org

[5] Professor Leonard L. Riskin, Understanding Mediators’ Orientations, Strategies, and Techniques: A Grid for the Perplexed. Cambridge: Harvard Negotiation Law Review, Vol. 1:7 Spring, pp. 7-51, 1996.

[6] As figuras 1/4 são de autoria do Professor Leonard L. Riskin e seus termos foram adaptados para uma melhor compreensão do sistema.

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