Ensaio sobre a vida de D. Fernando,o Infante Santo
Por: Pedro O.
16 de Agosto de 2018

Ensaio sobre a vida de D. Fernando,o Infante Santo

De Infante à Infante Santo

História História Geral História de Portugal

Dom Fernando é uma figura singular na historiografia da Coroa Lusa. Sua importância não se dá pelo fato de ter sido filho de um rei, mas sim, como esse filho do rei se diferenciou dos demais príncipes até então! Sua vida, sinal da glória e esplendor da dinastia de Avis, é um exemplo para todos aqueles que desejam ser fiéis ao Deus Verdadeiro.

            Se o parágrafo acima tende a parecer com poesia, a vida do Infante Dom Fernando, não está muito longe disso. Iremos nesse trabalho apresentar um pouco de sua história, nos detendo propositalmente ao aspecto imagético criado pela biografia do infante e o objetivo da mesma. Abordaremos essas questões com o auxílio de Maria Helena da Cruz Coelho (“Morrer pela fé e pela pátria” – um modelo hagiográfico) e de Paulo Drumond Braga (O mito do Infante Santo).

           

            Em 1402, nasce o oitavo filho do rei Dom João I com sua esposa Dona Filipa de Lencastre. Sendo o caçula de uma grande família, ainda que rica, pouco faria proveito da mesma. Chega a desejar uma vida mais religiosa, à qual sempre teve inclinações, porém, motivado pelos seus irmãos, viu nas “cruzadas” contra o norte da África a possibilidade de defender a fé, expandir o reino Luso e conseguir riquezas para si. Sem mais, foi para o campo de batalha, onde com o insucesso da mesma, é deixado como penhor da devolução de Ceuta para os mouros. Após ser abandonado como penhor, foi abandonado para morrer no cativeiro.

            Esse breve resumo da história de Dom Fernando, está muito distante das biografias criadas pelo frei João Alváres, companheiro dele no cárcere (O Tratado da vida e feitos do muito virtuoso Senhor o Infante Dom Fernando) e por um capelão (Martirim et gesta Infantis Ferdinandi Portugaliae Regis Fillj). A primeira foi criada a pedido de Afonso V e Dom Henrique. Já a segunda, tem como base a primeira e foi escrita a pedido de Pero Vasques.

            Em ambas o infante é tratado como um santo, mas necessariamente a diferença é que enquanto João Alváres foca na santidade do infante no cárcere, a segunda apresenta a predestinação de Dom Fernando desde seu nascimento à santidade. Não nos deteremos em apresentar a diferença de uma para outra, mas apresentaremos fatos dessas biografias do infante que irão nos auxiliar a compreender a importância da imagem de um mártir na Coroa Lusa no século XV.

 

Um pouco da (hi)(e)stória

Acompanharemos alguns “fatos” da vida do infante. Apenas colocaremos alguns pontuais, cientes que poderíamos elencar vários, a escolha desses são pelo fato que auxiliaram para compreensão e conclusão desse trabalho. Buscaremos colocar a mesma intensidade que os seus biógrafos, para que possamos depois perceber como isso ajudou para criação da imagem do santo e como isso auxiliou a Coroa.

            Nascido em 1402, no dia de 29 de Agosto, dia de São Miguel Arcanjo, viu-se postumamente isso como sinal de que ele deveria ser um guerreiro em defesa da fé. Sua fraca saúde, cheia de doenças e dores, não fez dele um homem fraco. Pois assim como Cristo assumiu sua cruz, Dom Fernando como piedoso cristão, não poderia fazer outra coisa senão imitá-lo e foi o que fez desde a juventude.

Se a Europa ainda respirava o espírito das Cruzadas, ir ao norte da África em guerra, significava necessariamente, estar fazendo uma “guerra justa”, uma “guerra santa”, já que não estava apenas indo contra uma nação contrária, mas contra uma nação pagã. Batalhar contra esse povo, vencê-los era a condição de possibilidade de fazer com que mais pessoas conhecessem a fé, sendo batizados e pudessem então, alcançar os céus.

            Guerras eram feitas em muitos lugares, muitos eram mortos, mas a batalha de Tânger teve sua importância histórica valorizada, por ser acompanhada pela morte de um dos filhos do rei. Naturalmente pessoas morrem nas guerras, mas a do infante teve seu destaque necessariamente por não ser em guerra ou melhor, por dar um tempo à mesma. Já dissemos que ele foi dado como penhor para devolução de Ceuta, mas essa não sendo devolvida, seus dias acabaram em uma cela. Não foi morto, mas morreu!

            Seus biógrafos nos conduzem a crer em seu pedido de que fosse ele dado a penhor, ainda que verdadeiramente tenha sido entregue para isso, já que como filho do rei, tinha valor para negociações. Se Dom Henrique queria ficar e não pode por seu o chefe do exército, este não se esforçou o bastante para tirar seu irmão caçula das mãos dos mouros.

            Se Dom Fernando passou por Tânger, Arzila e Fez como prisioneiro, durante quase seis anos, não é para nós tão importante ante ao modo que ele agiu nos cárceres. Foi entregue como penhor, e com ele mais doze ficaram. Esses, percebendo que a liberdade estava distante de suas vidas, começaram a desanimar. Mas assim como Jesus fez com seus doze discípulos, o infante fez com seus doze seguidores, animou-os. A exemplo da humildade Cristo, ele pediu perdão aos seus companheiros e prometeu que receberiam glórias após a liberdade.

            Assim como ele nos tempos de liberdade presava a vida austera, de muita penitência, o fato de ser prisioneiro não o impediu de permanecer irrepreensível. Mas além de penitências, continuamente estava em oração. Tinha consigo um breviário e passava horas de joelho, até o ponto de dormir ajoelhado em oração. Muitas lágrimas saiam de seus olhos enquanto orava. Algumas vezes, elas saiam como lágrimas de fogo, queimando seu rosto, o que era para ele, um sinal de purificação. E ciente da necessidade de se purificar cada vez mais, semanalmente se confessava.

Permanecia confiante que seus irmãos iriam tomá-lo de volta junto com seus companheiros. Com isso, começou a fazer planos, os quais confidenciou aos seus seguidores. Além de dar glórias aos que estavam com ele naquele cárcere imundo, como falamos, outros planos eram o de voltar para guerrear contra os mouros e conquistar mais e mais terras para a Cristandade. Com isso, libertaria todos os escravos que estavam em posse dos mouros.

Após um longo tempo de cárcere, adoece e morre. Mas antes de morrer, como todo santo, teve algo miraculoso. Este recebeu a visitação da Virgem Maria, de São Miguel e São João, como ele próprio relatou ao frei João Alváres, que estava com ele no momento e via o mesmo sorrindo e uma luz saindo dele, mas não viu nada além disso. Nessa visão, viu o grande guerreiro celestial, que junto com o discípulo amado, suplicava a Virgem que o sofrimento daquele servo acabasse e que fosse logo ter as glórias divinas. O qual ela respondeu que isso aconteceria naquele mesmo dia.

Caso não bastasse essa visão tida pelo futuro santo da Igreja, ao menos para os Lusos, ele se confessa e se prepara em oração para a passagem que estava chegando, mas ainda animando e instruindo seus seguidores. Ao pôr-do-sol, sol que é uma representação de Cristo para Igreja, sua vida se pôs. Com face angelical se foi o infante.

Seu corpo é então exposto, tal qual os costumes dos mouros da época, mas sem as vísceras que foram colocadas em um vaso de barro depois de salgadas. Enquanto o cadáver estava pendurado, apedrejado e cuspido nos muros de Fez, muitos milagres aconteceram, como o dos pássaros que não pousavam nele e as luzes que saiam de seu corpo, além dos mouros que receberam graças só de pronunciar seu nome e começaram a proclamá-lo santo. O cristianismo acabou vencendo não pelas armas, mas pelo testemunho e milagres do infante.

 

Conclusão

            Quem foi Dom Fernando senão o melhor markiting da Dinastia de Avis e quiçá de um reinado português? Nenhum outro filho da Coroa Lusa teve funerais e honras como o dele. Se nos parece uma “burrice” o abandono do santo nas mãos dos mouros, que acabou levando a sua morte, não podemos deixar de considerar a inteligência dos mesmos ao aproveitar esse fato.

            O corpo do infante estando em posse dos mouros, era pressuposto para guerra, seja para capturá-lo, seja para vingá-lo. Isso dá parte dos portugueses como da própria Igreja contra os mulçumanos. Porém, esse não foi o pressuposto mais importante, mas sim, a possibilidade de legitimação da dinastia de Avis. Dom João I, era o primeiro rei dessa dinastia, o reinado Luso não estava ainda seguro para os seus, mas tendo um Santo, filho de sua casa em meio a uma nação profundamente religiosa, era a garantia do poder como herança.

            A criação de poesias, músicas, quadros, esculturas, capela, missa em honra ao infante, mais do que uma real veneração aquilo que ele foi, foi um meio de propaganda ideológica para que essa dinastia tivesse mais poder. É difícil delimitar os fatos da vida de Dom Fernando, já que ainda no século XX houveram pessoas buscando a canonização do infante, mas se não podemos averiguar a veracidade dos fatos, certo é que podemos dizer que sua família soube utilizá-los muito bem.

Graças ao mártir santo que morreu pela pátria terrestre e celestial! Guerras foram feitas em seu nome! Guerras que não tinham seu nome como foco, tinham seu exemplo de soldado da fé para os demais! Seu nome caiu na devoção popular! O papa concedeu indulgências nas missas em honra ao infante! E com isso, os Avis, legitimados, permaneceram por quase duzentos anos no poder, até que um Dom Sebastião morreu sem deixar herdeiros.

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Pedro O.
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