Epicuro e o hedonismo
Por: Pedro O.
16 de Agosto de 2018

Epicuro e o hedonismo

Filosofia Escola Helenística

Introdução
Epicuro? Quem é este? De onde veio? O que fez? Por um acaso ele influenciou algo importante para nossos dias de hoje para que mereça ser levado a sério?
Para muitos daqueles desprovidos de um conhecimento histórico e filosófico, se faz necessário responder essas perguntas. Perguntas que somente quem está mesmo fora de seu contexto histórico social poderia fazer. Epicuro, um filósofo grego, é classificado em nosso tempo como um autor clássico, título que não foi dado a tantos outros filósofos de seu tempo.
Hoje, mais do que nunca, nós jovens filósofos, cremos ser desnecessário mergulhar em alguns pensadores antigos, pois o assunto por eles discutido, os problemas que profetiaram foi por rios de tinta resolvidos por outros filsofos mais prximos de  nosso tempo. Tal visão imatura, própria dos jovens, não nos permite compreender que nossos filsofos de cabeceira apenas chegaram a ser o ue são porue outros antigos  deram pressupostos para seus pensamentos, que foram em sua maioria, apenas esclarecidos e nem tanto descobertos.
Importante ressaltarmos que somos frutos do tempo, nossa cultura é imersa naquilo que se foi e o hoje, influenciará e determinará até certo ponto, o futuro dos tempos que virão. Não conhecer a história, é necessariamente, não entender o porquê somos assim.Epicuro não é apenas necessário para história!
O hedonismo é um ponto central da vida dos dias de hoje. E o que é hedonismo? Quem o fundou? Quem influenciou? O que Epicuro tem haver com isso?
Este trabalho esta estruturado em duas partes:
No primeiro capítulo iremos apresentar a vida deste filósofo de Samos, o contexto de seu tempo, seus influenciadores, assim como um pouco de seu pensamento, em especial, o aspecto sobre a ética.
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No segundo capítulo iremos apresentar o que é o hedonismo (seja em seu início na antiguidade como ele na modernidade), seu fundador,os principais seguidores e de modo geral, seus opositores.
Por fim, avaliaremos a relação entre a ética de Epicuro e o hedonismo, tal qual o faremos sobre a mesma relação do autor com os outros filósofos hedonistas que aqui serão expostos.
Para darmos uma pitada dauilo ue nosso autor não apenas exps por palavras  mas com a vida, poderemos dizer que este se fez como um médico para o seu tempo, em especial para o seu grupo de amigos. Por que? Ciente da realidade de seu tempo, e daquilo ue ainda hoe vivemos ele criou uatro remdios tetrapharmakon), que se tomados certamente conduziriam o dependente ao objetivo de sua vida, a felicidade (eudaimonia).
O tetrapharmakon está disponível para os dias de hoje? A felicidade alcançada com este medicamento é a mesma para quem não os toma ou sua visão de felicidade é diferente? Independente do modo de felicidade pensado ou buscado, ele nos propõem um modo para alcançá-la. Mas afinal, como uma receita de que nem é médico e sim de filósofo poderia contribuir para cura dessa doença contemporânea? Tudo isso verificaremos em base de seus escritos e alguns comentadores.
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EPICURO
Contexto e influências
Epicuro (341-270 a.C.) nasceu em Samos, filho de Néocles que exercia o mister de mestre-escola e de Queréstrada que era advinha do futuro1. Ele recebeu formação como efebo em Atenas, tinha 6 anos quando Platão morreu e 19 anos quando morreu Aristóteles.Isso nos mostra a relevância de Epicuro, já que o seu pensamento está situado no contexto desses grandes pensadores. Epicuro dizia que não tinha mestres, só ele era o seu mestre, mas se iniciara na filosofia pelas mãos do filósofo Nausífanes, seguidor de Demcrito e ue exerceu sobre ele influência considerada decisiva pelos estudiosos2 e Pânfilo (platônico), veio a ser mestre de letras e gramática junto a seu pai, e com 36 anos abriu a sua escola de Filosofia.
Após a morte de Aristóteles, em 322 a.C., nenhum metafísico original lhe sucedeu.Os discípulos de Aristóteles assim como os de Platão começaram a deturpar a Filosofia de seus mestres e, enquanto a preocupação estava na metafísica, já não havia mais interesse sobre a vida prática.Daí veio o surgimento de duas visões filosóficas diferentes ebem conhecidas: o estoicismo (de Zenão) e o epicurismo (de Epicuro). Por mais que sejam contrários um ao outro, o epicurismo que surgiu depois, não veio para ir contra a rigorosidade dos estóicos, mas foi antes um movimento que surgiu a partir de outra forma de se ver o mundo filosoficamente.3
Assim como todo filósofo, seu pensamento não está fora de sua realidade, seu tempo, seu contexto social, mesmo que não tenha entrado em questões políticas.4 Atenas, cidade em que morava era considerada por ele leviana e injusta socialmente, local onde a classe alta vivia na avareza e, para eles, eram as leis.Na vivência cotidiana a adivinhação e 1 Cf. TITO LUCRECIO CARO, 1973, p. 11. 2 VAZ, 1999, p. 133. 3 Cf. TITO LUCRECIO CARO, 1973, p. 14-16. 4 Cf. HUISMAN, 2001, p. 341.
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superstição norteavam a vida dos cidadãos e da política, já no âmbito religioso, havia o temor das possíveis vinganças e castigos dos deuses. É interessante considerarmos seu olhar negativo sobre a influência da adivinhação na vida das pessoas. Por sua mãe ser uma advinha e ele desde pequeno se relacionar com este tipo de pessoas,Epicuro percebia como isso não era positivo para vida dos cidadãos.
Diógenes de Sínope, que foi discípulo de Sócrates, teve grande importância para o surgimento da filosofia de Epicuro  Este  ue  era  chamado  por  Platão  de  Scrates  demente foi catalogado como um cínico pelo povo Sua descrença na boa vontade dos  homens de conhecerem a si mesmos e com o desejo que isso acontecesse, saia pelas ruas de Atenas procurando um homem que se conhecesse, levando ao pé da letra a máxima conhece-te a ti mesmo5. Nosso filósofo contrapõe esta postura, crendo que há homens de boa vontade e que basta abandonar os conceitos daquilo que se é, ou imagina-se ser e conheceremos aquilo que somos em nossa natureza.6
Em 307/306 a.C., quando se dá a fundação em Atenas da escola de Epicuro, no Jardim (Kepos),7 surge algo mais que um grupo de filósofos: nasce um grupo de amigos, onde todos são aceitosTodosaui não  uma generaliação banal e sim um fato, sendo que até mesmo pobres, crianças, escravos e mulheres (novidade para a época)8 poderiam participar. Não era um mestre cercado de discípulos, mas um homem cercado de amigos, já que muitos iam até ele nem tanto por sua filosofia, sua doutrina, mas pela amizade. Durante um período de fome em que se encontrou o país, dividiu o que tinha com estes. O Jardim, que se situava próximo a um subúrbio, era sua habitação, sua casa, sua única fonte de renda.9
A escola de Epicuro é considerada uma das quatro grandes escolas da Filosofia antiga, responsável da formação da mentalidade ocidental, junto com as escolas fundadas por Platão (a Academia), Aristóteles (o Liceu) e Zenão (a Stoa), todas concentradas em
5Isso com uma lanterna na mão a lu do dia o ue nos auda a entender o apelido dado a ele por Platão 6 Cf. SPINELLI, 2010, p. 122. 7 Cf. HUISMAN, 2001, p. 340. 8 Cf. SPINELLI, 2009, p. 140. 9 Cf. TITO LUCRECIO CARO, 1973, p. 12.
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Atenas.10 Além dessas escolas, dois movimentos que podem ser considerados como tradições espirituais também se fizeram conhecidas: o ceticismo e o cinismo.11
Mas, por que permitir que todos pudessem ter acesso à Filosofia? Qual a finalidade de Epicuro? Ao que parece, serenidade da alma, ou melhor,eudaimonia se apresenta como a resposta.12A chave de tudo se encontra na busca da felicidade. Esta felicidade é para todos. Se é para todos, todos deveriam ter acesso ao caminho que conduz a ela. Neste ponto, convém considerar o significado do próprio nome de Epicuro, que em grego é Epikourios, que significa auxiliador.13 Segundo a tradição judaica, o nome designa uma missão.14 Seria estranho pensar isso, ainda mais porque o pensadorde quem estamos falando é um grego, que ao olhar judaico é um pagão, mas se considerarmos a vida deste, veremos que o que ele mais fez foi auxiliar as pessoas a viverem bem, a serem felizes.
Afinal,em última análise, qual era a intenção de Epicuro em sua escola? Certamente não foi desenvolver a área das ciências (como seus sucessores) e nem mesmo aFilosofia, mas simplesmente a ética na arte do viver bem. Para isso, se faz importante olharmos então para pessoa de Epicuro, pois, como mestre, não indicaria um caminho que ele próprio não estivesse percorrendo. Há quem assemelhe, Epicuro a Sócrates seja nos conceitos, quanto na vivência, chegando a dizer:
Na verdade, não fazia mais do que retomar a opinião de Sócrates; ensinava este que os homens fazem mal em perder tempo com buscas só determinadas pela curiosidade sobre assuntos que lhes importam pouco ou mesmo nada, quando deveriam concentrar todos os seus cuidados sobre as coisas que dizem respeito a sua felicidade.15
A Filosofia para o nosso filósofo nada mais era que um pressuposto para a felicidade, uma atividade que através de raciocínios e discussões levasse seus interlocutores à vida feliz.16 Para melhor entendermos, vamos nos aprofundar em conceitos importantes
10 Cf. HADOT, 1999, p. 149. 11 Cf. HADOT, 2012, p.18. 12 Cf. Ibid, p.25. 13 Cf. TITO LUCRECIO CARO, 1973, p. 14. 14 Cf. Dicionário Ilustrado da Bíblia, Nome (verbete), 2004, p. 1030. 15TITO LUCRECIO CARO, 1973, p. 18. 16Ibid, p. 19.
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de nosso autor. Assim podemos compreender como se dá a sua ética necessariamente no viver bem, conceitos como: a ação dos deuses, o tetrapharmakon e o prazer.
Deuses
A civilização clássica grega continha uma forte dimensão religiosa, a polis era em si a unidade de Religião e Estado, quando a polisfoi suprimida pelo Império, o mesmo aconteceu com a Religião. Assim, a cultura que antes era totalmente imersa no fato religioso dos deuses, se vê afrouxada quanto consciência do cidadão, do homem grego. Epicuro faz parte deste tempo, no qual alguns pensadores questionavam onde estavam os deuses perante o tempo que estavam vivendo, daí a frase de Epicuro:
Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que não os impede?17
Cria-seentão que os deuses merecem respeito como paradigmas da felicidade, mas que não se preocupam conosco. É importante fazer uma distinção entre os deuses gregos e o Deus das religiões monoteístas (mesmo que sendo um único Deus em cada uma delas, é um Deus que também se distingue, sendo diferente em concepção).O importante é a diferença entre a visão politeísta dos gregos, onde haviam deuses para tudo e qualquer coisa, enquanto para as religiões monoteístas, há um único Deus. Ainda considerando que a visão de deuses estáticos é própria de Epicuro, enquanto para os gregos eles participavam da realidade deles. Sua explicação para isso se dá pelo fato de os deuses serem imortais e
17Ibid, p. 28.
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bem-aventurados, e viverem em estado de inabalável ataraxia, entregues perpetuamente ao prazer de existir.18
Tetrapharmakon
O termo pode ser traduzido como uadrifármaco ou tambm uatro remdios  Trata-se de um conjunto de remédios para alma. Antes de sabermos a importância desse remédio, precisamos de um quadro clínico, ou seja, saber o porquênecessitaríamosde usálo. Segundo Quartim de Moraes, as doenças que atingiriam a alma do homem grego eram: o temor ante a cólera dos deuses, o pavor diante da morte, a escolha mádos objetos do desejo e a angústia ante o sofrimento.19 Seriam estes os motivos pelos quais seria necessário o uso deste remédio é idealizado por Epicuro, mas não visando apenas tratá-los, já que a visão dele vai além, visa a eudaimonia (felicidade)e este é o telos(finalidade) do pensamento epicurista, pois toda sua forma de tratar uma situação visava conduzir a pessoa à felicidade.
Para entendermos melhor como estes remédios funcionam, remédios que são o carro chefe da tica epicurista vamos explicá-lo melhor. Eis os uatro remdios: 
I - Não temer os deuses, pois estes não são temíveis. Por serem eles felizes e eternos, não têm preocupações e, por isso, ninguém tem motivos para se preocupar com eles. Além disso, estão isentos da cólera e da benevolência, próprio de quem tem fraquezas.
II Não temer a morte, pois esta não nos traz riscos. Uma vez que ela esteja presente, estaremos ausentes e, se estamos presentes, é porque ela nos está ausente. Sendo assim, somente se sente a morte por aquele que se perde e não por si próprio.
III Não é difícil atingir o bem. Pois o bem para ele é a ausência das dores, tendo como a intensidade suprema dos prazeres a máxima redução de todas as dores.
18 Cf. MORAES, 1998, p.63. 19 Cf. Ibid, 1998, p. 66.
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IV Não é difícil suportar o mal com coragem. Já que a dor não dura continuamente e, na verdade, quanto mais extrema, menos ela dura.20
Se considerarmos cada um destes remédios, percebemos que são divididos em dois grupos, os que se dirigem ao intelecto, que são o primeiro e o segundo, que se compreendidos, produzem efeito terapêutico imediato; e os que dirigem à ética, onde não carece apenas de compreensão, mas de exercícios de autodomínio, compreendendo que se o imediatismo fosse o segredo para o prazer, não haveriam tantas pessoas infelizes. Daqui surge o conceito de prhonesis (prudência, inteligência) em Epicuro. Prudência necessária para se saber viver prazerosamente a vida visando à felicidade, pois nela radicam todas as virtudes e com ela se pode buscar o verdadeiro prazer e evitar a dor.21 Dessa forma, começamos a apontar para a ética de Epicuro!
Prazer
A carne considera ilimitados os limites do prazer e seria necessário um tempo também infinito para satisfazê-la22
O prazer é a palavra central (em sentido amplo) do pensamento de Epicuro. A palavra grega hedonê é de fundamental importância. Convém compreendê-la no pensamento epicurista, já que sua visão de felicidade está intrinsecamente ligada ao prazer. Antes de tudo, nos é necessário entender melhor esta tradução do grego, já que hedonê (prazer) tem mais significados do que aquilo que entendemos em português. Elencamos quatro significados possíveis:
1) prazer físico = ausência de dor (aponía) [por serenidade, Epicuro usa o termo hesychía];
2) prazer do espírito [tranquilidade da alma] = ataraxia;
20 Cf. Ibid, p. 65. 21 Cf. ULLMANN, 1989, p.76. 22 EPICURO, 2013, p. 36.
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3) prazer cinético = atividade espiritual;
4) prazer catastemático = tranquilidade (estabilidade emocional)23.
Epicuro trata principalmente do prazer do espírito (ataraxia), da qual ele chega a dizer que deve ser ela o alvo do homem e da aponía. O maior prazer possível é qualificado como catastemático. Quanto maior o prazer, menor a dor, já que entre eles, não há intermediário.Ou é prazer ou é dor (segundo Epicuro). Ele chega a dizer que prazer e dor, são critérios de verdade, donde se percebe pela experiência o que deve ser buscado e o que deve ser evitado.
Alguns críticos afirmam que o problema neste pensamento de Epicuro se dá na super valorização do comportamento das crianças, mas infelizmente porque não entenderam que esta valorização aponta para o abandono das crenças e influências racionais que privam o homem adulto do prazer, mesmo que Epicuro creia que existem prazeres que só podem ser alcançados através da razão como a discussão filosófica, própria dos adultos.
Nosso autor chega a dier ue o praer  por natureza, o melhor estado que os seres humanos podem conhecer, cada um deles deveria buscá-lo a fim de viver da melhor maneira possível24 Ele considera o homem realizado aquele que está no mais elevado prazer. Interessante é compreender que sua posição se dá no fato de que o ser humano ao buscar o prazer, procura consequentemente a felicidade. Felicidade que é por uma via natural, pois já está no homem (um telos natural e particular). Epicuro afirma que o prazer é a concretização do que é bom para nós e a dor do que é mau, por isso, não haveria caminho mais seguro para eudaimonia. Com isto se reforça a importância da criança como modelo, que não se priva na busca do prazer e que abandona tudo aquilo que a conduz à dor (aponía).
Se considerarmos o que até então aqui foi descrito, podemos correr o risco de como muitos outros escritores não entender bem o pensamento de Epicuro, colocando-o no rol dos pensadores hedonistas, por isso se faz necessário uma melhor compreensão do que é o hedonismo, quando surgiu e quais filósofos participam verdadeiramente dele. Uma
23 ULLMANN, 1989, p. 76. 24 GIGANDET; MOREL (orgs.), 2011, p. 146.
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passagem de Epicuro nos ilumina quanto a cisão de seu pensamento com uma certa compreensão do hedonismo: Alguns dos deseos são naturais e necessários outros são  naturais e não necessários; outros nem naturais nem necessários, mas nascidos apenas de uma vã opinião25

HEDONISMO
Hedonismo Antigo
A palavra hedonismo provém do termo grego hedonê, que significa prazer. O hedonismo é um sistema filosófico com origem na Grécia, na época pós-socrática. Este sistema filosófico hedonista afirma ser o prazer o supremo bem para vida humana e que todo fim último da ação é a busca pelo prazer (enquanto a dor seria o supremo mal).
No hedonismo se compreende que todo prazer individual e imediato deve ser o motor para cada ato humano pois  neste ato ue cada indivíduo encontraria o seu nico  e sumo bem, sua felicidade, tendo então o prazer como o princípio e fim da vida moral. Logo a dor seria o mal a ser evitado. O sábio seria aquele homem que sabe evitar os prazeres que mais tarde poderiam lhe gerar dor.26
O hedonismo em geral pode ser dividido em duas modalidades: a primeira se origina da observação, quando comprova que os seres humanos fazem do prazer o critério de suas ações e a segunda é apriorista, pois considera o prazer como único valor supremo. A primeira toma ciência de um fato e não afirma dele ser um bem supremo exclusivo,
25 EPICURO, 2013, p. 47. 26 Cf. Enciclopédia Delta Universal, Hedonismo (verbete), v. 7, 1985, p. 3923.
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enquanto que a segunda o caracteriza axiologicamente como Summum Bonum Bem  Supremo27
Em síntese, a idéia que está por trás do hedonismo é que uma ação pode ser medida em relação ao prazer e a dor que esta produz. Cada ato é considerado moral se este gerar prazer e será imoral tudo que faça sofrer ou gerar dor. Até mesmo as categorias da moral no hedonismo são formas de prazer, como: virtude, dever, satisfação e remorso.28
Gostaríamos de apenas apresentar uma máxima importante que era conhecida na época de Epicuro e tão importante que nos dias de hoje ainda se faz também tão conhecida. O homem  a medida de todas as coisas frase de Protágoras, que coloca o homem como o centro de tudo (ou ainda melhor, cada homem). Esta frase foi muito refutada na história da filosofia, a começar por Sócrates. Este tinha uma visão ética do todo e não apenas particular a cada um. Mas isso não foi o bastante para impedir que outros filósofos usassem dela para seus pensamentos, tais qual o mestre da Escola Cirenaica.
Muitas foram as interpretações sobre o hedonismo. A partir da visão de prazer, muitas linhas filosóficas surgiram dos pensadores hedonistas ainda em seu surgimento. Neste sentido iremos ao apresentar neste capítulo estas novas visões filosóficas do hedonismo, concluir com a notável diferença entre eles e Epicuro. O hedonismo se estendeu ao longo da história da filosofia. Alguns expoentes desta linha hedonista serão citados aqui: neo-epicuristas (Gassendi, etc), materialistas franceses (Helvetius, Holbach, La Mettrie, etc), utilitaristas (Bentham, S. Mill e J. Mill)29,além de Spinoza e filósofos empiristas britânicos (Hobbes, Locke e Hume ainda que de forma matizada)30.
Para o tema proposto neste estudo, não carecemos aprofundar nenhuma destas outras visões que foram criadas a partir da visão antiga do hedonismo, mas para um melhor conhecimento daquilo que é fruto da ética de nosso tempo, ressaltaremos ao menos a visão moderna do hedonismo, o utilitarismo. Logo após, apresentaremos o precursor do hedonismo segundo os historiadores e alguns discípulos de sua escola.
27 Cf. Enciclopédia Barsa, Hedonismo (verbete), v. 7, 1971, p. 260-261. 28Cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Hedonismo (verbete), v. 12, 1942, p. 1015. 29 Cf. FERRÁTER MORA, Hedonismo (verbete), 2000, p.1287. 30 Cf. Disponível em: <http://conteudodafilosofia.blogspot.com.br/2011/09/hedonismo.html>. Acesso em 29 de Julho de 2014.
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Hedonismo Moderno
É importante desde já, ressaltarmos que o hedonismo que procura ter uma visão mais ampla do prazer, não como único e individual, mas de uma forma mais estendida, a um grupo maior de pessoas é o hedonismo moderno.31 Nesta visão hedonista, encontramos com um dos seus maiores responsáveis filosóficos Jeremy Bentham (1748-1832), cujo lema utilitarista maior praer e menor esforço á nos insinua seu pensamento tico untamente  com John Stuart Mill e James Mill,Bentham difundiu o utilitarismo.32
O que seria necessariamente o utilitarismo? O utilitarismo é a teoria ética que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade. Este termo utilitarismo foi empregado por Stuart Mill em 1823, quando criou a Sociedade Utilitarista, que veio a ser um grande centro do pensamento liberal.33
Aristipo de Cirene
O mais primitivo e o mais extremo tipo de Hedonismo foi o da Escola Cirenaica, na Grécia, cujo chefe era Aristipo que ensinava ser o prazer sensível imediato a única norma de conduta para o homem. 34
Mais conhecido apenas como Aristipo (435-356 a.C.), veio de Cirene para Atenas atraído pela fama de Sócrates, de quem se tornou discípulo. Veio a tornar-se filósofo,
31 Cf. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hedonismo>. Acesso em 29 de Julho de 2014. 32Cf. FERRÁTER MORA, Hedonismo (verbete), 2000, p.1287 33 Cf. Enciclopédia Delta Universal, Utilitarismo (verbete), v. 14, 1985, p. 7837. 34Enciclopédia Barsa, Aristipo (verbete), v. 7, 1971, p. 261.
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fundador da Escola Cirenaica e do hedonismo filosófico. Dedicado ao ensino assalariado foi uma novidade entre os discípulos de Sócrates, já que ninguém havia antes feito isto.35
Pouco se sabe de sua vida, já que tudo o que escreveu nada restou. Sabemos de sua visão hedonista por terceiros, como Diógenes Laércio. Assim como seu mestre Scrates  teve interesse apenas pela área da ética, mas com uma visão bem diferente, já que a vida ética deveria ser praticada para um fim específico, o gozo de todo prazer imediato.
Para ele a alma humana se distinguia em dois estados: o prazer e a dor. O prazer (movimento suave do amor) independentemente de sua origem, visa sempre à felicidade, enquanto a dor (movimento áspero do amor) deve ser evitada para alcançar então a felicidade almejada.
Aristipo chega afirmar que o próprio sentido da vida é o prazercorpóreo. Utilizando o exemplo da criança que, ainda sem o uso da razão, já visa àquilo que lhe traz prazer e não o que lhe possa gerar dor. Em sua escola, ensinava que o prazer é sempre um bem em si e melhor será por quanto mais tempo e intenso for. Sua ética é então relativista, pois os valores são subjetivos, determinados pelos homens, independentemente das coisas.
Podemos entender onde entra a cisão da visão de Epicuro, já que neste filósofo, o prazer para ser um bem carece de moderação, a phronesis,36como acima analisamos. Mais do que a satisfação do corpo, como pensava Aristipo, o prazer estava na libertação do sofrimento, da dor e da agitação.
Em sua escola, Aristipo formou discípulos que deram continuidade a visão hedonista da ética. Entre os quais: Teodoro de Cirene, Heguesias de Cirene e Anicéris tiveram maior destaque.
35 Cf. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,Aristipo (verbete),v. 3, 1942, p. 217. 36 Cf. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hedonismo>. Acesso em 29 de Julho de 2014.
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Teodoro de Cirene
Nascido em Cirene hoe Shahhat Líbia no sc V aC conhecido como o ateu37, por causa de seu livro Sobre os Deuses, Teodoro foi um dos principais filósofos da escola moral de Cirene, sendo discípulo de Arete, filha de Aristipo. Filósofo e matemático grego, foi aluno de Protágoras. Viveu a maior parte de sua vida em Atenas e teve permanentes contatos com Sócrates e Platão.38 Seus conhecimentos chegaram a nossos dias nos escritos de Platão e Teeteto, dos quais foi professor.39
Alterou algumas colocações de Aristipo sobre o prazer e sua ética, amenizando alguns pensamentos e radicalizando outros:
Não mais situou o bem nos prazeres sensíveis singulares dependentes de circunstâncias exteriores, mas nas disposições psíquicas internas, como a alegria em que a inteligência tem uma participação importante. De outra parte acentuou o subjetivismo, excluindo qualquer princípio intrínseco do mal, que não existiria, por exemplo, no roubo.40
Prudência e justiça são verdadeiros bens, enquanto os males são as disposições contrárias. Prazer e dor são estados intermediários entre o bem e o mal. Acreditava que nenhum dos prazeres ou dores eram bons nem maus em si e que a alegria e o juízo eram suficientes para a felicidade. Considerava os princípios da ação o prazer e a dor. Que do primeiro flui da sabedoria e o segunda da ignorância.
37 Cf. Enciclopedia Universal Ilustrada: Europeo-Americana, Teodoro (verbete), v. 60, 1921/64, p. 1024. 38 Cf. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teodoro_de_Cirene>. Acesso em 29 de Julho de 2014. 39 Cf. PLATÃO, v.9, 1973, 144a-d. 40Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/Megahist-filos/Socrates/8310y190.html>. Acesso em 29 de Julho de 2014.
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Heguesias de Cirene
Nascido em Cirene, no séc. IV a.C., foi discípulo de Parebates, que por sua vez foi discípulo de Epitímides, o qual foi de Antípatro de Cirene, neto de Aristipo de Cirene, o fundador da Escola Cirenaica.41
Foi contra a visão do fundador de sua escola, levando-a ao pessimismo, pois se o propósito da vida é a satisfação pessoal do prazer, e os prazeres da vida são poucos comparados às dores sentidas, o melhor prazer que caberia ao homem experimentar, seria a morte, pois alcançaria então o prazer em sua maior força.
Foi por isso, chamado de Peisithanatos persuasor da morte por seus discípulos  já que este recomendava o suicídio. Já que o prazer, como o principal valor da vida, não sendo atingível pela maioria das pessoas, não restava nada melhor que, desejar a morte.42
La felicidad es cosa absolutamente imposible, puesel cuerpo está aquejado de innumerables dolores, y el alma que participa e nestos sufrimientos del cuerpo está también aquejada por los suyos propios porque la fortuna impidela realización de buen número de nuestras esperanzas y deseos; por estola felicidad no pose e existencia real.43
Si le plaisir est lebut unique de la vie, alors la vie se vaut pas la peine dêtrevcue Car le plaisir nest pás si fruent même obtenu il fin it bien vite par lasser et dégoûter. La conclusion cest uil vaut mieux renoncer à la vie par le suicide.44
Foi por isso exilado de Alexandria (onde tinha ido ensinar), pelo rei Ptolomeu II, governante do Egito, proibindo seus livros e fechando a escola onde lecionava. Tudo porque muitos suicídios começaram a acontecer graças ao Peisithanatos.
41Cf. Ibid. 42 Cf. Ibid. 43 Disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Heguesias>. Acesso em 29 de Julho de 2014. 44JANSSENS, 1927, p. 3.
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Com este pessimismo acontece uma aproximação do hedonismo cirenaico com o desinteresse dos bens praticado pelo cinismo. Apenas o sábio fugia deste seu pensamento, já que para este, o bem não está fora de si, mas em si mesmo. O sábio se mira, pois é superior a todos os outros homens e coisas, sendo então indiferente aquilo que faz o homem sofrer.
Seus ensinamentos foram pelo filósofo francês Jean-Marie Guyau, considerados semelhantes aos do budismo, claro, exceto a parte sobre o suicídio.45
Anicéris de Cirene
Nascido em Cirene no séc. IV a.C., foi também discípulo de Parebates e amigo de Heguesias.46 Os dados sobre sua vida são muito confusos. Poderia ter sido amigo de Platão, resgatado da escravidão imposta por Dionísio I.47 Mas pouco se sabe disso.
Sabe-se que criou uma escola para si e que afirmava os ensinamentos do fundador da escola da qual participou, mas aprofundando seus pensamentos. Em sua ética, Anicéris vai além do pensamento hedonista de Aristipo, destacando o prazer de índole espiritual, diferente da ética cirenaica que se privava ao prazer sensível e singular. 48
Sua ética também é mais otimista que a de seu amigo Heguesias, pois valorizava amizade e não a utilidade, tendo o amor e benevolência como pontos importantes de sua visão ética. Diógenes Laércio diz sobre ele:
Os anicérios admitem a maior parte destes princípios, porém cultivam as amizades, o favor, a honra aos pais, bem como algum serviço à pátria. Ainda que isto moleste, viverá todavia feliz, mesmo que consiga pouco prazer. Mas a
45 Ibid. 46 Cf. Disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Anniceris>. Acesso em 29 de Julho de 2014. 47 Cf. Encyclopédie Philosophie Occidentale: Les Oeuvres Philosophiques, Annicéris de Cyrène (verbete), v.3, 1992, p. 28. 48 Cf. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/Megahist-filos/Socrates/8310y190.html>. Acesso em 29 de Julho de 2014.
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felicidade do amigo considera em si mesma é indiferente para nós, já que não podemos senti-la. Não se deve ter excessiva confiança na própria razão, nem se deve desdenhar das opiniões recebidas. Não se há de receber ao amigo apenas pela sua utilidade; nem se deve abandoná-lo se esta faltar; por causa dela se hão de aceitar até trabalhos por amor e benevolência.49
Anti-hedonismo
Antes de apresentarmos um grupo de filósofos que foram contra o hedonismo, isso desde seu surgimento, gostaríamos de apresentar o que é o contrário ao hedonismo, que não é necessariamente a visão destes filósofos. O contrário do hedonismo é a anedonia, que contém o prefixo negativo ane a palavra hedonê, ou seja, sem praer Não  natural a  alguém este estado, mas antes, uma enfermidade, própria de estados graves de depressão.
Muitos são os anti-hedonistas, de forma especial Platão e seus discipulos Espeusipo (seu sobrinho), Xenócrates, Heraclides do Ponto, Aristóteles, etc.50 Também Kant e vários filósofos cristãos (principalmente os de tendência mais ascética).51O prazer é visto sempre como um bem individual e por isso, o hedonismo se opõe ao cuidado desinteressado pelos outros, geralmente considerado como um elemento essencial da moral. Mesmo que se tente conciliar a busca do prazer egoísta com uma preocupação com o outro.52
Os filósofos cristãos, principalmente aqueles do século IV, que antes eram filósofos e depois se converteram ao cristianismo (chamados como membros da patrística), foram os responsáveis por absorver aspectos seja do epicurismo quanto do estoicismo, e por defender a doutrina cristã. Graças aos filósofos não convertidos, a doutrina da Igreja teve, através destes filósofos convertidos, que se estruturar e fundamentar melhor. Daí o surgimento da
49 Ibid. 50 Cf. MONDOLFO, 1941, p, 113. 51Cf. FERRÁTER MORA, Hedonismo (verbete), 2000, p.1287. 52 Cf. BLACKBURN, 1997, p. 178.
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filosofia como base para teologia, pois os textos bíblicos, pouco conseguiriam responder aos questionamentos apresentados.53
Para Platão, a alma por ser composta em três partes: concupiscível (ligado às coisas materiais), irascível (ligado ao desejo de honra), e a racional (o conhecimento); não poderia o homem ficar preso apenas ao aspecto do prazer, mas deveria ter uma vida mista de prazer e inteligência (para atividades espirituais, além das percepções), guiado sempre pela razão. Ele não nega o prazer, apenas diz que este deve ser guiado pela razão.54 Platão escreve no Filebo para mostrar sua visão sobre o prazer para um melhor conhecimento de seus discípulos, diferenciando os tipos de prazer e até mesmo os que são falsos.55 Veo como  um par dor e praer vindo a ser simultaneamente por naturea no gênero comum56
ANTES DE CONCLUIRMOS
Ao apresentarmos um pouco da história de Epicuro, seu contexto e influências, um aspecto não pode nos passar despercebido, seu mestre Nausífenes. Quem foi ele não nos interessa, mas sim, de quem ele foi discípulo, o grande Demócrito. Mas por que este filósofo teria importância necessária a nos deter em meio a conclusão, e voltarmos nosso olhar para ele? Um de seus escritos nos auxiliará a entender melhor:
La medida con los goces y la moderación general con la vida, procuran la tranquilidad del alma...Y si tú come fecto, te a tuvieres a este modo de considerar al cosas, vivirás con el alma verdaderamente al evolên y rechazarás de ti mismo
53 Cf. SPINELLI, 2009, p. 350-351. 54 Cf. Disponível em: <http://samuelbarros.wordpress.com/2010/06/28/anotacoes-de-etica-4-etica-platonica/>. Acesso em 29 de Julho de 2014. 55AGUIERRE SALA, 1994, p. 105. 56 PLATÃO, 2012, 31c.
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durante la vida, no al ev inspiradoras funestas como la envidia, la ambición y la malevolencia.57
Demócrito (460-370 a.C.) não foi considerado o fundador do hedonismo, mas alguns historiadores dizem que seu pensamento, foi de fundamental importância para influenciar aquilo que viria a ser uma das correntes mais fortes do pensamento ético da filosofia antiga.58
Para concluirmos, iremos conhecer apenas alguns aspectos de divergência entre os filósofos cirenaicos e nosso pensador; como este responderia a questão do anti-hedonismo; onde está a relação do pensamento de Epicuro com o hedonismo e então concluiremos.
Aristipo e Epicuro
Aristipo não levou em conta o pensamento de Demócrito sobre buscar aquilo que não passa, o imperecível, assim como não o fez com o verdadeiro sentido da palavra hedonê. Hedonê é muito mais que o simples prazer corpóreo como vimos, é também prazer do espírito (da alma), cinético e catastemático. Se prender apenas a parte de um todo, fez com que toda construção de seu pensamento viesse a ser pelos seus próprios discípulos refutado.
O fundador da escola cirenaica ao afirmar que todo homem deve buscar o prazer imediato, independente das consequências, ou dos outros que nos rodeiam, nos leva a pensar: seu pensamento seria mesmo ético? Segundo dicionários filosóficos, esta palavra se destina a hábitos ou costumes59, assim como um modo de vida que por um fim em comum tem os meios pelos quais para se alcançar o homem deve agir.60 Por isso, por mais que nos soe estranho pensar que alguém pode viver apenas pensando em si, no seu prazer, isso não deixa de ser ético, se isso faz parte de um contexto mais amplo que a própria pessoa.
57 MONDOLFO, 1941, p. 117. 58 Cf. Ibid, p. 116. 59 Cf. Dicionário de Filosofia, Ética (verbete), 2011, p. 276. 60 Cf. ABBAGNANO, 1998, p. 380.
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Mas ainda que seja ético, está ética não parece um pouco irracional? Uma ética mais instintiva, até mesmo animal. Aristipo usa o exemplo da criança que busca o prazer e foge da dor, mesmo sem fazer o uso da razão. Assim justifica e fundamenta seu pensamento ético, desvalorizando a incapacidade da criança que ao buscar o prazer pode chegar a cometer loucuras que podem lhe custar a vida, ou até mesmo, fazendo aquilo que lhe dá prazer, gerar mais tarde um mal, uma dor. Poderíamos pensar em uma criança comendo chocolate, que depois de tanto comer fica com dor de barriga.
Epicuro também faz uso do exemplo da criança que busca o prazer, mas ao expor tal exemplo apresenta como faz parte do homem naturalmente buscar o prazer. Para ele, todo prazer tem que ter limite e isso é fundamental em sua ética.61 Havíamos já no capítulo anterior, citado a cisão da visão de Epicuro com Aristipo pela falta de moderação (phronesis) em seu pensamento, o que impossibilitaria uma vida prazerosa.62
Outro ponto fundamental esta na visão do prazer, que para Aristipo está simplesmente no corpóreo, mas para Epicuro é mais do que isso, ele considerou as quatro definições de prazer em sua ética, não se limitando como o mestre da escola cirenaica o fez.
Teodoro e Epicuro
Logo de início nos dá a sensação ao consideramos a visão de Teodoro sobre prazer, mostrando que aquilo que é exterior não é o mais importante, indo contra o pensamento do fundador de sua escola, que ele se aproxima de Epicuro. Na verdade, essa aproximação se dá de uma forma muito vaga, pois Teodoro valoriza o subjetivismo, deixando de lado o peso das escolhas, as consequências das ações, já que cada um pode fazer a sua, de modo independente.
61 Cf. EPICURO, 2.ed., 2013, p. 37. 62 Cf. EPICURO, 2014, p. 17.
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Para Epicuro não pode ser assim, o prazer interior é sim mais importante que o exterior, mas o homem não pode ficar preso em seu subjetivismo. A ética epicurista visa o comum, o todo e não a individualidade, o egoísmo.63
Antes dissemos que Sócrates dedicou sua vida para ética. No livro de Platão, Teeteto, Teodoro esta conversando com Scrates e este desea discutir com Teodoro um  tema, o qual diz que já está velho para essas coisas, que melhor seria se o fizesse com um de seus discípulos, o jovem Teeteto. Mas para nossa curiosidade, como seria se Sócrates ao invés de tratar do tema conhecimento, tratasse do prazer (como o faz no Filebo), só que ao invés de ser com o jovem Teeteto, fosse com o já mestre Teodoro. Talvez teríamos certamente um dos melhores escritos sobre o que é o prazer.
Heguesias e Epicuro
Aparentemente Heguesias vai contra todo o pensamento da escola cirenaica, desde seu fundador aos discípulos que o antecederam. Com seu pessimismo, dizia que nada seria melhor do que a morte perante os sofrimentos da vida. Mas por que a morte seria o melhor caminho? Porque se o sofrimento impede o prazer, a morte seria a total ausência de dor, ou seja, o maior prazer possível. O Persuasor ajudou muitos a se suicidarem através de seu conselho, o interessante é que o Peisithanatos não se suicidou, aconselhou mas não o fez. Será que desacreditava de suas próprias palavras?
Epicuro valorizava sim a morte, mas não dizia que a mesma seria o modo de poder viver sem sofrimento, mas que uma vida austera, de renúncias e disciplina.64 Mas com palavras? Escritos? Não apenas, o mestre do Jardim acreditava como Sócrates que aquilo que se ensina se deve viver e mesmo no leito de morte, não abandonou aquilo que ensinou em toda vida.
63 Cf. MONDOLFO, 1941, p. 119. 64 Cf. HADOT, 1999, p. 182.
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Anicéris e Epicuro
Por mais que seja amigo de Heguesias, a filosofia de Anicéris está muito longe do pessimismo de seu amigo. Na verdade sua filosofia se aproxima em certa medida da filosofia de Teodoro, mas pela valorização do prazer espiritual sobre o prazer corpóreo do que pelo subjetivismo. Interessante perceber que ele é o que mais se aproxima de Epicuro entre os discípulos da escola cirenaica, mas isso não faz com que Anicéris tenha um pensamento próximo ao mestre do Jardim, apenas é o filosofo que desde Aristipo mais se aproximou.
O segredo para fuga do subjetivismo está para Epicuro na amizade, Mondolfo escreve: a doutrina da amizade defendida por Epicuro, consagra o desinteresse do egoísmo mas sim do sacrifício e da abnegação65. Melhor nos é, ler uma de suas máximas, onde este diz que: de tudo auilo ue a sabedoria proporciona para a felicidade de toda nossa vida de longe o mais importante  a posse da amiade66 Para Anicéris, como vimos no capítulo anterior, à amizade não tem valor, ainda que custe não poder se deliciar com tantos prazeres como se poderia se não há tivesse, mas nisso encontrará a felicidade. O cirenaico fala o mesmo sobre a importância dos pais e do serviço à pátria, que são outros pontos importantes de sua filosofia contra o individualismo.
Mas onde Epicuro se distingue de Anicéris? A distinção se dá assim como com os outros cirenaicos. Uma primeira distinção está na visão do prazer, que não se limita a um aspecto da vida. Outro ponto está que mais do que a busca do prazer, Epicuro busca a ausência da dor, do sofrimento (aponía), seja ela corpórea ou espiritual (da alma) e nisso crê haver o maior prazer.
Os cirenaicos ainda criam que a pior dor que pode existir é a do corpo, mas para nosso filósofo, a pior dor está na alma, pois além do sofrimento que o homem pode viver no momento presente (ainda que talvez menor que a corpórea), ele pode voltar o sofrer pelo que passou (passado) e sofrer com o que virá (futuro). Neste sentido, a mesma refutação se 65 MONDOLFO, 1941, p. 122. 66 EPICURO, 2013, p.44.
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dá sobre o prazer, que em Epicuro o valor maior está no dá alma e não no corpo como para os cirenaicos.67 Por isso, sua filosofia está além da de qualquer discípulo da escola cirenaica, assim como dá do mestre Aristipo.
Anti-hedonismo, hedonismo e Epicuro

Desde o surgimento do pensamento ético hedonista, este foi muito criticado pelos filósofos contemporâneos destes autores como vimos. Mas depois da apresentação deste trabalho, talvez seja importante nos perguntar: Epicuro foi hedonista?
Nosso filósofo foi contra os anti-hedonistas, pois sua vida e seus escritos apresentavam algo mais do que a simples visão hedonista dos membros da escola cirenaica.68Dedicou-se para apresentar a importância do prazer na vida do homem, para uma vida feliz, mas não da mesma forma que outros filósofos de seu tempo fizeram, chegando até mesmo ser chamada sua proposta não de uma visão do hedonismo, mas de eudemonismo (eudaimonia), da felicidade. Essa diferença se dá desde o princípio de sua inserção no mundo filosófico por Nausífenes (discípulo de Demócrito), donde provém um caráter hedonista diferente da que havia eu seu tempo por conta da escola cirenaica. Chegando a fazer da sua ética, a primeira entre os hedonistas com uma moral austera.69
Epicuro é sim um filósofo hedonista. Mas se considerarmos os argumentos usados pelos filósofos contra o hedonismo, perceberemos que na verdade nosso filósofo não se encaixa nas críticas. Pois para o mestre do Jardim, mais do que a satisfação pessoal, deve-se buscar o cuidado com aqueles que estão ao seu redor. Também para descobrir aquilo que deve ser evitado, qual o melhor o caminho para se fugir da dor e o que posso alcançar, pois assim evitaria ficar idealizando coisas e se frustrando.70Para isso o homem tem que fazer uso de sua razão (que Platão criticava ser abandonada pelos hedonistas), não se prendendo
67 Cf. DIOGENES LAÊRTIOS, 1988, p. 314. 68 Cf. MONDOLFO, 1941, p. 113. 69 Cf. Ibid, p. 118. 70 Cf. HADOT, 1999, p. 182.
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apenas as sensações, mas sendo sim, guiado pela razão. Tal que ao abordar o tema da morte di: pensa que cada dia que nasce será para ti o último; é então com gratidão que tu receberás cada hora inesperada.71
CONCLUSÃO
Qual a relação entre a ética de Epicuro e o hedonismo? Quando pensamos em Epicuro, logo o relacionamos com o hedonismo sem saber quem na verdade ele foi, o que fez, ensinou e escreveu. Foi sim um grande expoente do hedonismo, mas, mais contribuiu para a ética hedonista do que recebeu contribuições daquela que já existia. Diferente daquilo que se crê, para o nosso filósofo existem coisas com mais valor que o prazer, que é próprio do hedonismo. Ele deu mais valor à amizade, à partilha, para o conhecimento, para o uso da razão, à justiça, para o sábio, etc. Talvez mais do que toda importância que teve seus ensinamentos filosóficos,pensamentos e propostas, em meio ao contexto de sua época, a força de sua filosofia se deu no fato de que ele, Epicuro, viveu o que falou, tal como Sócrates o fez. De lá para cá, temos um grande número de filósofos, mas poucos com coragem o bastante para não ser como Heguesias, apenas um persuasor.
71 HADOT, 2012, p. 39.
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