O imaginário criado sobre os jesuítas brasileiros
Por: Pedro O.
16 de Agosto de 2018

O imaginário criado sobre os jesuítas brasileiros

História História do Brasil Brasil Colônia
  1.     Introdução

            Na história do Brasil, muitas culturas contribuíram para a criação do que somos hoje. De todas essas culturas, povos, raças, que geraram a cada um de nós, os índios, negros e portugueses tem a maior relevância. Isso não é uma novidade para nenhum de nós, mas se voltarmos séculos atrás, poderemos imaginar o quanto diferente poderíamos ser, caso não houvessem os jesuítas em nossa história.

            Quem nunca ouviu aquela pergunta: o que seria de nós se não fossem os portugueses nossos colonos? Imagina se fossem os holandeses, franceses ou, até mesmo, os espanhóis. Por outro lado, não se houve a pergunta: o que seria de nós se não fossem os jesuítas? Algumas posturas jesuíticas são passíveis a críticas, como tudo o é! Mas a importância dos mesmos independente dos erros, “próprios” da cosmovisão da época, não são abordados com lucidez. Para isso, como diz Hansen, não devemos julgar suas atitudes com critérios morais, antropológicos que utilizamos nos dias de hoje, mas sim, analisar suas posturas ante a cultura da época, suas motivações.[1] Isso não quer dizer que iremos esquecer os erros desses missionários, aqui pretendemos apenas apresentar como a sua vinda e vida no Brasil, nos auxiliaram a ser o que somos.

            O imaginário jesuítico, ou melhor, a imagem que temos desses missionários, criada por eles próprios, terá como base uma infinidade de cartas escritas pelos primeiros Jesuítas que chegaram ao Brasil, focalizando nos quatro primeiros anos de missão, já que, segundo a sabedoria popular, “a primeira impressão é a que fica!”. Esses documentos, são sem dúvida, o mais completo relato de nossa história. Como eram obrigados a escrever, podemos acompanhar a evolução da colônia através de seus relatos.[2] Importante relatar que essas cartas foram escritas para os Superiores da Companhia e para o Rei.

 

  1.     Introdução histórica

Enviados ao Brasil pelo rei Dom João III, em 1549 junto ao primeiro governador do Brasil, Tomé de Souza, os jesuítas Pe. Leonardo Nunes, Pe. João de Azpilcueta Navarro, Ir. Vicente Rodrigues, Pe. Antônio Pires e o Ir. Diogo Jácome, tinham como superior, o notável, Pe. Manoel da Nóbrega. Estado e Igreja começam sua missão juntos. Por mais que houvessem clérigos no Brasil, esse foi o primeiro passo para o estilo de vida que até no meio do século passado ainda veríamos acontecer, uma união fortíssima entre os dois, por mais que a separação tenho acorrido no fim do séc. XIX. Com eles, mais mil homens vieram, desses quatrocentos eram degredados.[3]

            Parece óbvio dizer que a missão da Companhia de Jesus no Brasil começou quando esses chegaram na Bahia. Mas o óbvio nos esconde alguns aspectos históricos para o sucesso da missão jesuítica em nossas terras. Se hoje podemos vir de Portugal para o Brasil em 13 horas, antes, não era assim. O avião para longas viagens sobre o mar, era o navio, e a viagem não durava menos que 8 semanas. O que fazer durante dois meses? Essa pergunta feita para missionários de Cristo, tem apenas uma resposta: evangelizar! Durante toda viagem, os jesuítas começaram a fazer com os portugueses o que viriam a fazer com os mesmos que aqui estavam, incansavelmente iriam ministrar sacramentos e denunciar os pecados. Essa postura, agradou a Tomé de Souza, homem temente e piedoso. Mas foi após ser corrigido por Nóbrega, de uma vã devoção, que veio a ser comprovada com o milagre da cabeça de peixe, que seus laços se estreitaram. Assim, chegaram ao Brasil com grandes admiradores, sendo o principal da embarcação, o primeiro deles.

            Com menos de dois meses de missão, vai para Portugal a primeira carta endereçada ao Mestre Pe. Simão Rodrigues de Azevedo, provincial de Portugal e responsável pela província do Brasil. Relataremos os pontos principais tratados por Nóbrega: o povo da terra está pecado mortal; deu-se início a uma escola onde o Ir. Vicente ensina; alguns jesuítas foram morar nas aldeias para aprender a língua brasílica para depois facilitar a doutrinação, e o Pe. Navarro já está adiantado nessa arte; algumas amizades foram feitas com pessoas importantes no Brasil; os cristãos não se confessam há anos e que esse estado de pecado deve ser comunicado ao rei; a terra é boa e auxilia para uma boa saúde; e que os índios andam nus, menos os batizados que receberam a partilha das roupas dos jesuítas, também tem vários ídolos, comem carne humana mas que querem se tornar cristãos e temem os jesuítas, o que para Nóbrega, é muito bom.[4]

            Relatar os pontos principais dessa carta de Nóbrega é sintetizar a missão dos jesuítas no Brasil, já que as demais cartas, dele ou de seus companheiros, apenas aprofundaram as questões abordadas nessa primeira. Acrescentaríamos aqui, apenas o método de aproximação que eles utilizaram com os índios, a música, e as dificuldades encontradas com os clérigos e o bispo, que não estavam presentes nessa partilha.

            É importante compreender que toda carta tem um destinatário e um objetivo para se cumprir, uma ideia a ser transmitida. Nesse sentido, não podemos lê-la com indiferença ao seu tempo, ao seu destino. Do mesmo modo, a carta tem o remetente, o idealizador, que busca transmitir com clareza aquilo que tem em mente, buscando se fazer compreendido para alcançar seu objetivo. E qual era o objetivo dos jesuítas? Salvar as almas indígenas, ensinando os bons costumes cristãos. Mas para isso, todo o empecilho deveria ser tratado com extrema diligência.

            Como eram os índios na metade do primeiro século do descobrimento? Bárbaros, selvagens! Seus costumes eram contrários aos europeus. Um povo que não tinha um rei, que andavam nus, viviam em mais de cem sem privacidade, cultuavam os ídolos e, entre outras coisas, ainda comiam carne humana, certamente tinham muito o que aprender. Sorte a deles terem sido encontrados a tempo pelos Europeus Cristãos. Mas não qualquer Cristão, mas o católico, pois poderiam ter tido o azar de serem encontrados por Reformistas. Essa visão, própria da época pode nos escandalizar, mas foi um dos pressupostos utilizados para “cuidar da terra”. Porém, desse erro, não podemos culpar os jesuítas. Seu modo de vida incansável e implacável, apresentam que não se importavam com os lucros físicos que se adquiriam no Brasil, mas sim, os lucros espirituais, com cada alma indígena, que para eles, era o verdadeiro tesouro.

 

  1.     Índios e empecilhos

            O Brasil teve seu primeiro governador geral apenas em 1549, antes disso, era dividido em Capitanias Hereditárias, cada qual das treze, com seu governador. E o primeiro bispo, D. Pero Fernandes Sardinha só chega em 1552. Antes disso, muita exploração, guerra, “pecados” aconteceram. Com quase meio século, a missão jesuítica encontrou cristãos acostumados a viver de modo pagão, ou ainda pior, clérigos não como ministros de Cristo, mas do diabo. Muitos eram os empecilhos para evangelização, mas os mais sérios e urgentes a serem resolvidos tinham vindos da Europa.

            Não foram poucos os “elogios” feitos para os cristãos e clérigos que viviam no Brasil, como o do Pe. Navarro, dizendo que os cristãos que aqui viviam tinham piores costumes que os indígenas.[5] Segundo os jesuítas, além das guerras que foram travadas para domínio de territórios e os escravos indígenas que os portugueses conservavam, eles viviam de modo vergonhoso, um contra testemunho para os indígenas, o que prejudicava na conversão deles. Por conta disso, muitas foram as vezes que pediram para o rei enviar para o Brasil um bispo, para com sua autoridade, reensinar os bons modos do cristianismo, pela amor ou pela dor.

            Enquanto o tão sonhado bispo não vinha, o ódio contra os jesuítas crescia. Ainda que esse sentimento não tenha cessado com a chegada do ministro de Cristo. Isso se originou pelo zelo que tinham com os índios, impedindo muitas vezes que viessem a ser escravos. Isso começou a atrapalhar os “negócios” e, desde aquela época, quando se “mexeu no bolso dos colonizadores”, surgiu então a inimizade. Pois com o auxílio de escravos, era mais fácil enriquecer-se nessas terras do que no Reino.[6] Por outro lado, muitos foram os que se aproximaram e apoiaram as posturas jesuíticas. Importante relembrar, que Tomé de Souza tinha extremo respeito aos jesuítas, e isso, os auxiliava a permanecerem audaciosos em seu modo missionário de ser.

            Além da necessidade de um bispo, Nóbrega escrevia para Portugal pedindo que fossem enviadas mulheres errantes e órfãs para nossas terras. Muitos dos que haviam sido enviados para o Brasil, por estarem longe de suas mulheres ou serem solteiros, mantinham relação com as indígenas. Acreditava Nóbrega, que se fossem enviadas para cá, elas encontrariam bons homens para se casar, acabando assim, ao menos com esse pecado que por aqui assolava os colonos.

 

            Os negros, outro modo como eram chamados os índios, como todos os povos, tinham a sua cultura. Vale a pena ressaltar aspectos dessa cultura que foram tido como maiores empecilhos para a doutrinação. Podemos sintetizar em três: o fato de mudarem muito, dificultando a continuidade da evangelização; os feiticeiros; e a antropofagia. Iremos apontar como os jesuítas enfrentaram cada um desses problemas, mas antes, é importante lembrar que nem tudo era empecilho, haviam vantagens que estimulavam os índios a desejarem o cristianismo. Se por um lado, um batizado poderia chegar a ser mal visto na tribo, que ainda não fosse cristã em sua maioria, esse mesmo batizado alcançava vantagens em meio aos colonos, e isso estimulava a cada vez mais índios aspirarem o batismo. Ainda que nem tudo fosse pelas vantagens, como o diz Pe. Leonardo Nunes em sua carta: “...têm grandíssimo desejo de conhecer a Deus e de saber o que hão de fazer para se salvar, porque temem muito a morte e o dia de Juízo e o Inferno, de que têm já alguma notícia.”[7]

Os índios mais velhos eram difíceis de serem ensinados, foi por isso, que os jesuítas concentraram seus esforços com as crianças, para que tendo os doutrinado desde pequenos, conhecendo a verdade, tivessem uma vida distinta dos seus. Também, poderiam ensinar seus pais. A escola no Brasil não surgiu porque era necessário ensinar a leitura, escrita, latim, aritmética, cantos aos brasílicos, mas sim, como um meio para evangelização indígena. Esse meio além de doutrinar os índios, auxiliava para permanência dos mesmos no território, e também concedia a proteção indígena, já que seus filhos estavam aos seus cuidados.

Os feiticeiros eram um capítulo à parte da vida desses jesuítas. Eles eram os mestres para os índios, donos da vida e da morte. Iam de anos em anos nas tribos, dando conselhos de guerra e profetizando prosperidade. Espalhavam entre as tribos que os missionários eram mentirosos, que suas palavras visavam apenas enganá-los para batizá-los, batismo que era a fonte de doenças e morte para os indígenas. Essas calúnias os seguiram durante bom tempo, mas amenizou no encontro que Nóbrega teve com o maior feiticeiro daquele tempo. Esse nada mais era que um deus, filho do Criador dos Céus e da Terra, segundo ele. Mas, depois de repreendido por Nóbrega, assumiu não o ser, para espanto dos índios, e veio a pedir o batismo.[8]

Segundo Léry, “...os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim...”,[9] por isso, tendo convertido esse feiticeiro, muitos destes iriam tentar entender o porquê. Após a conversão desse maior da terra, os números podem parecer espantosos, mas, mais de oitocentos índios se converterem e mais de cem foram batizados, enquanto outros setecentos permaneciam sendo catequizados. Além de bons evangelizadores, os jesuítas eram bom empreendedores. Os cem batizados, eram responsáveis de formar os que estavam no caminho. Desse modo, intensificavam com um grupo menor a doutrinação, para que esse fosse capaz de formar o maior. Porém, os índios não eram isentos de ciúmes e invejas, assim como os missionários não o eram de sabedoria, desse modo, conseguiam amenizar as situações, conflitos que surgiam para atrapalhar os novos cristãos. Tudo isso, pela conversão de apenas um feiticeiro.

 O último empecilho e mais difícil de lidar, foi com a antropofagia. Para ilustrar, um relato merece ser copiado na integra, já que apresenta o gosto do índio pela carne humana, a dificuldade de abandoná-lo e o desafio dos jesuítas:

“Contava um Padre de nossa Companhia, grande lingoa brasílica, que penetrando huma vez o sertão, chegando a certa aldea, achou huma Índia velhissima no ultimo da vida; cathequizou-a naquelle extremo, ensinou-lhe as cousas da Fé, e fez cumpridamente seu officio. Depois de haver-se cansado em cousas de tanta importancia, attendendo a sua fraqueza, e fastio, lhe disse (fallando a modo seu da terra:) ‘Minha avó (assi chamão às que são muito velhas) se eu vos déra agora um pequeno de açucar, ou outro bocado de conforto de lá das nossas partes do mar, não o comerieis?’ Respondeo a velha, cathequizada já: ‘Meu neto, nenhuma cousa da vida desejo, tudo já me aborrece; só huma cousa me podéra abrir agora o fastio: se eu tivéra huma mãosinha de hum rapaz Tapuya de pouca idade tenrinha, e lhe chupára aquelles ossinhos, então me parece tomára algum alento: porém eu (coitada de mini) não tenho quem me vá frechar a hum d'estes.’”[10]

Segundo Simão de Vasconcelos,[11] os índios comiam a carne humana por dois motivos: por ser saborosa, o melhor dos manjares, o manjar divino; e por vingança aos inimigos, que mataram os seus e crendo que ao comê-lo, somariam as virtudes do defunto as suas. No início eles tentaram ir contra o ritual, chegaram até a entrar no meio de um e enquanto alguns repreendiam os índios, sepultaram o corpo. Mas isso gerou perseguição, que precisou da ajuda de Tomé de Souza, e de suas armas de fogo, para que os índios não destruíssem as muralhas da cidade querendo capturar os jesuítas. Vendo o insucesso dessa ideia, que poderia acarretar muitos problemas, não só para eles, mas como para os demais colonos, focalizaram seus esforços em dois: pediam para participar dos rituais antropofágicos; e em pregar contra o fato de comerem carne humana, dizendo que batizados não podiam comer e nem quem aspirava o batismo.

Esses dois aspectos merecem uma atenção maior, pois a antropofagia veio a ser extinta graças aos esforços jesuíticos nesses dois pontos. Não é fácil pensar como os jesuítas conseguiam permanecer de pé em meio aos rituais. Eles que eram totalmente contra esse tipo de prática, perceberam que era o único modo para salvar aquelas almas. Pois, enquanto os índios bebiam, festejam e se preparavam para o que fariam, um dos padres se aproximava, do que logo seria comido, e o confessava, batizava, salvando aquela alma das “mãos do diabo”, e ainda, o animava para morte. [12]

Já o segundo aspecto é o mais importante, pois além de impedir um índio de comer a carne humana, fazia dele guarda dos demais. Como já falamos, aos poucos os índios foram desejando ser batizados. Mas para isso, havia todo um caminho, o que é conhecido na tradição católica como Caminho Catecumenal. Nele, acontecia a catequese, onde se ensinava a fé cristã, era realizado um exorcismo e depois o batismo. Para que o batismo acontecesse, era necessário que o catecúmeno confessasse de todo coração crer em Cristo e que estava disposto a abandonar o modo de vida pagão, vivendo, testemunhando e zelando pela sua nova vida, a de cristão.[13]

Como missionários, todas ações jesuíticas visavam a meta, a conversão das almas. Assim, nas escolas não era diferente. Tudo o que ensinavam era direcionado para fé cristã, para os bons costumes. Desse modo, aos poucos foi sendo fomentado a doutrina cristã no meio indígena. Assim, houve indiretamente um guerra contra os maus costumes gentílicos, tendo como alvo maior, a antropofagia. O índio catecúmeno não comia a carne humana, o batizado tão pouco, mas sempre existiram aqueles que comiam escondidos. Há relatos de algumas vezes que os jesuítas ao chegaram na aldeia, viam os índios escondendo a carne ou, até mesmo, enterrando. Contam em suas cartas, de um grupo índios que tendo comido a carne foram delatados, pelos outros, ao governador.[14] Isso porque tal atitude começou a ser vista como um pecado grave, uma maldição para aldeia.

Outro aspecto importante que facilitou nessa guerra, foram as Reduções. Com o apoio do governo, os índios tinham que abandonar suas aldeias e se ajuntarem em maior número em um aldeia escolhida. Assim, tribos rivais acabavam convivendo em “paz”, para facilitar a doutrinação, evangelização. Desse modo, mais índios eram atingidos, já que o número de jesuítas permaneceu em seis até 1553. A indústria, empresa, como Nóbrega chamava, não se deteve ante o fato de serem poucos jesuítas, pois fizeram muitas coisas, sempre inspirados em João Batista e Francisco Xavier. Mas ainda assim, sempre pedia reforços aos seus superiores, mas que não fossem eruditos, o que era desnecessário para conversão dos gentios, mas virtuosos e zelosos.[15]

Para finalizar os empecilhos, o último foi uma surpresa para os próprios jesuítas. Desejado, sonhado, pedido, orado, o bispo, enfim, foi enviado. Mas a alegria de recebê-lo como um pai durou pouco, por mais que ele foi incansável na reforma dos portugueses cristãos, logo no primeiro encontro, ele apresentou ser contrário ao modo de agir dos jesuítas na evangelização dos ameríndios. Aqui, confirmamos o ditado popular da “primeira impressão é a que fica”, já que até mesmo quando morreu, mereceu ter um parágrafo na carta de Nóbrega à Tomé de Souza em 1559, que nessa época não era mais governador, demonstrando certa alegria pelo finado que havia sido comido pelos índios Caetés.

 

  1.     Missionários de Cristo e da Coroa

            Não existe dúvida de como esses homens agiram apostolicamente em nossas terras. Enviados pelo rei D. João III e escolhidos pelo então provincial, o Mestre Simão, cada um dos jesuítas que aqui vieram, tinham o desejo de morrer pela missão, por Cristo. Caso não houvesse um desejo de martírio, seria apenas loucura a explicação para o que eles faziam e como faziam. Empecilhos, poderiam ser tratados, poeticamente, como trampolins.

            A língua brasílica era um mistério a ser desvendado e aprendido. Diz-se que Nóbrega, primeiro provincial do Brasil, morreu sem conseguir falar a língua. Se comunicar com alguém que não fala sua língua já é difícil, imagina convencê-lo de que aquilo que ele crê, está errado. Mas como dissemos, esse não foi um dos maiores empecilhos para esses missionários. Pois a inteligência e determinação desses primeiros era plausível. O método que eles utilizaram de aproximação, evangelização e perseverança dos indígenas, é digno de respeito, independente se concordamos com eles ou não.

            No filme A Missão de Roland Joffé, ilustra o método de aproximação utilizado pelos jesuítas, a música. Os índios sempre foram apreciadores da música. Nos Tupinambás, por exemplo, um índio de tribo inimiga podia até entrar em seu território, caso soubesse cantar e tocar. Mas muito se fala do método, mas pouco sobre o fato que a música era impedida para os membros da Companhia de Jesus pelo seu fundador, Inácio de Loyola. Utilizar a música era ir contra as regras da ordem.[16] Mas ir contra a regra e deixar de utilizar o melhor meio para salvar almas, tinha um peso distinto no coração de Nóbrega e de seus companheiros. Os meninos órfãos de Lisboa, foram enviados, em 1550, para auxiliar nessa aproximação através dos cantos, até o corte de cabelo era similar ao dos indígenas, tudo para facilitar. O Pe. Navarro, que havia sido o primeiro a aprender a língua brasílica, também foi o primeiro a traduzir orações cristãs para o Tupi e ainda mais, a ensiná-los cantar.

            Antônio Vieira, outro notável jesuíta, mas póstumo a Nóbrega, chega a dizer: “Viu-se bem com quanta razão dizia Nóbrega, primeiro missionário do Brasil, que com música e harmonia de vozes se atrevia a trazer a si todos os gentios da América.”[17] Mas estando próximos aos índios, o trabalho de evangelização era incansável. Não bastava apenas atraí-los, tinham que convencê-los das verdades evangélicas. Para isso, faziam uso de línguas, nome pelo qual eram chamados os tradutores. Pregando em suas línguas, utilizando dos seus métodos de convencimento, intercalando fala e momento de silêncio, com a batida dos pés. Começaram a acolher noviços para ordem, sabedores da língua e da terra.[18] Além de passarem meses entre eles, partilhando em tudo, exceto das mulheres, da realidade indígena. O que fez com que os índios acreditassem ainda mais na mensagem que eles traziam.

            Após serem batizados, o desafio era que eles permanecessem na fé, já que o número de batizados que voltavam aos costumes pagãos eram grandes. Sendo assim, começaram a fazer com que os índios participassem ainda mais dos momentos cristãos, para se sentirem em “casa”. Procissões foram realizadas, os instrumentos indígenas utilizados, músicas sacras cantadas em Tupi, confissões eram feitas com línguas, que juravam sacramentalmente o sigilo,[19] e participavam das festas deles. Esses e outros meios foram criados para poderem deixar os índios mais próximos da cultura cristã europeia e dos cristãos. Por outro lado, tudo isso foi motivo de discussão entre os jesuítas e D. Sardinha, mas não o bastante para fazê-los parar. Já que permaneciam com estrita relação com seus superiores, e tudo o que era questionado aqui pelo bispo, era enviado como dúvida a Lisboa, para que o Colégio de Coimbra se posicionasse.[20]

            Não é necessário questionar o valor da missão para esses homens. Se em outro ponto dissemos que tudo o que fizeram, ou era por amor a Cristo ou loucura, sem questionar a possibilidade de quererem lucrar com tudo isso, se dá pelo simples fato que viviam como mendigos, pediam de porta em porta, passavam fome, o que recebiam do rei, do governo, dividiam com os necessitados ou gastavam com os colégios para alcançar cada vez mais meninos. Andavam com roupas surradas, gastas pelo tempo, pelas viagens, já que o dinheiro para comprar, eram sempre investidos. Ficavam meses sem notícias, seja dos irmãos da Companhia em Lisboa e aqui mesmo no Brasil. Em meio as doenças, não fugiam das responsabilidades, assim também não o faziam mesmo com risco de vida.

            Se por um lado, os jesuítas faziam “tudo para glória de Deus”, chavão Inaciano, por outro lado, e para Coroa? O rei D. João III, chega a pedir à Nóbrega, que esse seja seus olhos aqui na Colônia, comunicando tudo o que aqui acontecesse. Ele não era apenas o responsável da missão jesuítica, da missão de Cristo, ele era um homem de confiança do rei. Enquanto os jesuítas para missão brasílica foram escolhidos pelo Mestre Pe. Simão, Nóbrega foi escolhido pelo próprio rei. Ele não saiu de Lisboa com o governador Tomé de Souza, estava em missão longe quando foi chamado, e nenhum outro missionário foi aceito pela majestade em seu lugar. Por isso, um barco o esperou para poder levá-lo ao encontro da embarcação do governador geral, para poder vir a frente dessa missão. Reis, governadores, todos foram próximos dos jesuítas, mas, em particular, mais do seu superior.

            Em suas cartas, os jesuítas pediram incansavelmente um bispo, mais jesuítas, órfãs e mulheres errantes para se casarem, pediram homens para povoar a terra, além de pedirem auxílio para os colégios. Também pediram que o governador que viesse após Tomé de Souza fosse casado e viesse com sua família.[21] A importância das cartas, desses escritores é tamanha, que todos os pedidos feitos por eles, foram alcançados. Mulheres errantes e órfãs, foram enviadas por D. Catharina em 1551, junto aos homens para povoar a terra.[22] O reforço jesuítico veio com o segundo governador geral do Brasil, Duarte da Costa veio com sua família para o Brasil em 1553. Além de conseguirem dinheiro para os colégios, chegaram a ganhar 10 léguas da costa para as missões.

            Com o incansável trabalho nas missões, seja com os portugueses, seja com os índios, acabaram se tornando uma ponte de paz entre eles e entre os as tribos indígenas. E segundo Santos, acabaram se tornando o melhor meio de europeização das terras brasileiras.[23] A admiração, o respeito e o medo, foram seus grandes auxiliares. Fato é que não utilizavam de seus títulos para alcançar o que ansiavam, mas se colocavam a serviço, como servos.

           

5. Conclusão

            Grandes homens que caíram nos esquecimento. Passíveis de críticas, mas não mais que de admiração. Com coragem enfrentaram os desafios, empecilhos que surgiram no caminho. A meta desse caminho era a evangelização dessa terra, principalmente os indígenas. Mas não se limitaram a esse grupo, fazendo como São Paulo ensina em suas cartas, cuidando primeiramente dos seus, os portugueses, e depois indo ao encontro dos gentios.[24]

            Ter como base os relatos, cartas jesuíticas para análise da imagem que eles criaram sobre si no mundo, pode parecer loucura. O papel aceita tudo, assim como esse que escrevemos, mas não podemos desconsiderar a história que se criou a partir da chegada e trabalho deles em nossas terras. Porém, esse era o propósito desse artigo, analisar a imagem criada sobre eles, a partir deles mesmos. Se hoje o Brasil tem cerca de 114 milhões de católicos,[25] os maiores responsáveis, certamente, são os jesuítas. Isso não esconde de modo algum, uma série de problemas que surgiram pela intervenção jesuítica na cultura brasílica, no Brasil Colônia. Como a “guerra justa”, o abafamento da cultura indígena, alguns métodos exagerados e o apoio destes no uso de escravos caso fossem doutrinados.

Cabe a nós, no fim desse artigo nos perguntar: e se eles não tivessem vindo? Os portugueses, “colonizadores bondosos” que eram até o meio do primeiro século de colonização, dariam sequência na sua empreitada no Brasil. Não tem como mensurar o que seriamos, certo é, que bom ou não, já que cada pensador tende para um lado, somos o que somos graças a nossa história e nela, os jesuítas tem uma importância singular.

Um jovem cristão, católico ou não, se tivesse contato com as cartas jesuíticas, certamente, pelo ardor próprio da época, ansiaria desbravar esse mundo em nome de Deus. Tal desbravamento, concedeu o título de Apóstolo do Brasil, pela igreja católica, para o Pe. José de Anchieta, que também foi homem notável. Mas os verdadeiros apóstolos, desbravadores desse “novo mundo”, fiéis as suas crenças, os Abarés Bebés, padres que voam como eram conhecidos na língua Tupi, foram empreendedores, visionários, inteligentes, observadores, práticos, líderes, que agiram como reais soldados de Cristo e da Coroa, deixando as “portas abertas”, pela boa imagem que deixaram entre índios e colonos, para os outros missionários que viriam e para Igreja Católica, são Navarro, Pires, Rodrigues, Jácome, Nunes e Nóbrega.

 

 

6. Bibliografia

            6.1. Livros

ANCHIETA, José de. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J.: (1554-1594). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1933.

BORIS, Fausto. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995.

CARDIM, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro: Editores – J. Leite & Cia., 1925.

Cartas Avulsas: 1550-1568. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931.

HANSEN, João Adolfo. Manuel da Nóbrega. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2010.

NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil: 1549-1560. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931.

POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil Colonial. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

VASCONCELOS, Simão de. Chronica da Companhia de Jesu do Estado do Brasil. v. 1. Lisboa: Em casa do editor A. J. Fernandes Lopes, 1865.

 

6.2. Internet

GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado de Terra do Brasil. Disponível em: <http://www.psb40.org.br/bib/b146.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

STADEN, Hans. Viagens ao Brasil. Disponível em: <https://tendimag.files.wordpress.com/2012/12/hans-staden-viagem-ao-brasil-1930.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

 

LÉRY, Jean. Viagem à terra do Brasil. Série Documentos Históricos. Caderno nº 10. Disponível em: <http://www.rbma.org.br/rbma/pdf/Caderno_10.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

População católica no Brasil cai de 64% para 57%, diz Datafolha. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornada-mundial-da-juventude/2013/noticia/2013/07/populacao-catolica-cai-de-64-para-57-diz-datafolha.html>. Acesso em 07 de Julho de 2015.

SANTOS, Bruno Machado dos. Os Primeiros Jesuítas e o Trabalho Missionário No Brasil. Disponível em: <http://www.ufjf.br/lahes/files/2010/03/c1-a7.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

WITTMANN, Luísa Tombini. A música nos primeiros anos de presença jesuítica no Brasil. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/ihb/luisawittmann.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

 

 

[1] Cf. HANSEN, João Adolfo. Manuel da Nóbrega. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2010. p. 135.

[2] Cf.POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil Colonial. Bauru, SP: EDUSC, 2003. p. 57.

[3] Cf. BORIS, Fausto. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995. p. 46.

[4] Cf. NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil: 1549-1560. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 71-76.

[5]Cartas Avulsas: 1550-1568. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 49.

[6]Cf. GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado de Terra do Brasil. Disponível em: <http://www.psb40.org.br/bib/b146.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015. p. 9.

[7] Cartas Avulsas: 1550-1568. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 66

[8] Cf. NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil: 1549-1560. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 95.

[9] LÉRY, Jean. Viagem à terra do Brasil. Série Documentos Históricos. p. 38. Disponível em: <http://www.rbma.org.br/rbma/pdf/Caderno_10.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

[10] VASCONCELOS, Simão de. Chronica da Companhia de Jesu do Estado do Brasil. v. 1. Lisboa: Em casa do editor A. J. Fernandes Lopes, 1865. p. 33.

[11] Ibidem, p. 32-33.

[12] Atitude similar fez Hans Staden, com um prisioneiro, quando pode participar do ritual antropofágico. In: STADEN, Hans. Viagens ao Brasil. p. 90-91. Disponível em: <https://tendimag.files.wordpress.com/2012/12/hans-staden-viagem-ao-brasil-1930.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

[13] Cf. Cartas Avulsas: 1550-1568. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 76.

[14] Cf. NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil: 1549-1560. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 189.

[15] Cf. HANSEN, João Adolfo. Manuel da Nóbrega. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2010. p. 76.

[16] Cf. WITTMANN, Luísa Tombini. A música nos primeiros anos de presença jesuítica no Brasil. p. 6. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/ihb/luisawittmann.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

[17] Cf. Ibidem, p. 1.

[18] Muitos foram os seguidores do jesuítas, de pessoas simples a importantes. Destaque para o Ir. Pero Corrêa, o primeiro deles, que de salteador rico, tornou-se cativador pobre, dando todos os seus bens para Companhia em São Vicente. In: ANCHIETA, José de. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões do Padre Joseph de Anchieta, S. J.: (1554-1594). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1933. p. 58.

[19] Cf. CARDIM, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro: Editores – J. Leite & Cia., 1925. p. 394.

[20] Cf. NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil: 1549-1560. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 41-42.

[21] Cf. NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil: 1549-1560. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 133.135.

[22] VASCONCELOS, Simão de. Chronica da Companhia de Jesu do Estado do Brasil. v. 1. Lisboa: Em casa do editor A. J. Fernandes Lopes, 1865. p. 57.

[23] Cf. SANTOS, Bruno Machado dos. Os Primeiros Jesuítas e o Trabalho Missionário No Brasil. p. 5. Disponível em: <http://www.ufjf.br/lahes/files/2010/03/c1-a7.pdf>. Acesso em 07 de Agosto de 2015.

[24] Cf. Cartas Avulsas: 1550-1568. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1931. p. 98.

[25] Cf. População católica no Brasil cai de 64% para 57%, diz Datafolha. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornada-mundial-da-juventude/2013/noticia/2013/07/populacao-catolica-cai-de-64-para-57-diz-datafolha.html>. Acesso em 07 de Julho de 2015.

 

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