Improvise melhor resolvendo poucos problemas
Por: Renato V.
12 de Outubro de 2019

Improvise melhor resolvendo poucos problemas

Não há sentido nenhum em tocar escalas para todos os lados

Teoria Musical improvisação Guitarra Piano Historia do Jazz jazz

Eu não sei se você já viu, mas caso não tenha visto existe um documentário (que na verdade é uma conversa) de Bill Evans e o seu irmão Harry Evans, ambos músicos, na qual eles discutem jazz e o processo de aprendizagem do estilo (inclusive se jazz é de fato um estilo ou um processo de composição por ele mesmo).

Bill foi o pianista que participou do Kind of Blue, um dos mais influentes álbuns de jazz da história, junto com Miles Davis (seu idealizador), John Coltrane, Cannonball Adderley, Jimmy Cob e Paul Chambers. O piano de uma única música não é tocado por Evans mas por Wynton Kelly, em Freddie Freeloader.

A atmosfera de Kind of Blue é como uma pintura impressionista onde as cores são vistas distintas mas não há uma divisão clara entre os contornos. O som do piano de Evans contribui essencialmente para realização dessa atmosfera. Tome por exemplo a música Blue in Green e seus acordes que parecem borrar a gravação com verdes azulados pinçelada a pinçelada.  

Uma das discussões que Bill Evans propõe em 66, quando o documentário foi publicado, é sobre estar consciente a cerca de tudo que você está fazendo durante a improvisação. A ideia segue esse raciocínio: é muito fácil você imitar alguém, imitar o virtuosismo, tocar muitas notas mas não ter ideia do que aquelas notas representam dentro do contexto da música.

Segundo o pianista, são necessárias ideias musicais bem fundamentadas para ter um improviso que faça mais sentido do que um conjunto de escalas tocadas sem qualquer relação uma com a outra. Para saber mais sobre isso eu mesmo escrevi um artigo aqui para o blog na semana passada em que o assunto principal é a coerência no discurso musical e a fundamentação básica de ideias musicais. 

Bill Evans conta como se tornou um pianista de jazz e o grande improvisador que é tendo sido um artista versado na música erudita antes de tudo. Ele dizia saber tocar qualquer coisa desde que uma partitura tivesse em sua frente. Uma vez sem a partitura nada mais seria possível. Qual foi o processo que o transformou de um bom leitor de partitura para um criador de música em tempo real ao piano?

Quando o problema é muito grande você deve dividi-lo em partes menores

Com a mentalidade acima Evans se tornou o pianista que é. Ao invés de tentar resolver todos os seus problemas em relação ao jazz de uma vez, ele compartimentou e resolveu-os um a um.

O mundo da improvisação é simplesmente absurdo. Há toneladas e toneladas de informações e caminhos a serem tomados. No entanto, você como improvisador não pode tomar todos os caminhos ao mesmo tempo e nem usar todos os conceitos de improvisação num mesmo improviso. É simplesmente coisa demais.

O caminho para o sucesso é atacar o problema em pequenas porções. Siga o meu exemplo de como você pode fazer isso:

Tomando como base que você é um improvisador iniciante e que tem um 2-5-1 de C maior em sua frente de acordo com os voicings abaixo:

jazzbillevans2

É muito tentador encarar uma progressão simples até mesmo para você, improvisador amador, como uma oportunidade de usar todos os seus conhecimentos de D dórico, certo? Certo. Mas, qual é o problema disso? Essa não é uma música modal, ela não pode ser encarada modalmente. Essa é uma progressão que envolve uma série de movimentos entre os próprios voicings, quiçá entre as possibilidades harmônicas.

Se você é um leitor atento, você entendeu que é o Ré está construído no voicing D F C E (Dm9) em seguida o clássico G F B E para G7(13), finalizando no C G B E (C7M). Uma nota permanece no topo de todos os acordes: Mí. Por que não usar essa nota como a guia de uma linha de improvisação? Veja no exemplo de linha de improviso que eu criei:

jazzbillevans1

A primeira coisa a se pensar é na importância do Mí para cada acorde. O que é o Mí para;

Ré, é uma nona;
Sol, é uma décima terceira;
Dó, é uma terça maior; 

Portanto, o mí é uma extensão para Ré e Sol e em Dó é um dos chord-tones. Ou seja, a gente vai enfatizar as extensões adicionando mais cor à harmonia ao usar o Mí como uma nota central tanto em Ré quando em Sol. Tendo isso em mente;

  1. No primeiro compasso eu usei as notas E, D, A e F. Todas descendentes e todas fazem parte do acorde de Dm9 que está sendo tocado pelo instrumento de harmonia. Ou seja, eu delineei exatamente o que a harmonia está fazendo. 
  2. No segundo compasso escolhi começar em G e saltar para E. Salto de sextas são um dos mais bonitos ao meu ouvido. Essa é uma opção excelente porque há um movimento entre a última nota do primeiro compasso e a primeira desse, saindo de F até G. O "E" em seguida, no contratempo, evita o ressaltar por dois compassos consecutivos uma nota de extensão. Sigo para G, A e E sendo que o A é uma nona e não está no voicing que está sendo tocado pela harmonia. Em outras palavras, é uma nota que adiciona tensão ao acorde. Por sorte ela é rápida e será repetida no compasso seguinte. 
  3. No terceiro compasso a nota E que termina o anterior avança pra dentro desse causando um efeito de deslocamento do tempo depois são todas as notas em sequências de colcheias: E, A, C, G, E e B. As duas são praticamente um reflexo invertido das últimas notas do compasso anterior. "E" para C é uma nota do acorde, mas A não. "A" é uma sexta e é um tesão adicionada. As próximas três notas que estão no tempo forte são notas do acorde (tônica e terça), sendo que as quatro últimas são um arpejo completo da tétrade. 
  4. O quarto compasso é diferente dos outros três pois há uma opção por um novo tipo de figura rítmica (mais rápida): a semicolcheia. Eu encarei esse compasso como uma espécie de turnaround por isso essa diferenciação de ritmo entre ele e os outros. Sobre as notas escolhidas, são apenas notas do acorde de C7M, porém arpejadas e invertidas a cada beat. O último beat, no entanto, possui a sequência C E G E voltando a E que é a nota guia desse solo. 

Quais foram meus fundamentos ao criar esse "improviso": 

  1. Uma nota guia comum a todos os acordes;
  2. Consistência rítmica e variação pontual; 
  3. Delineamento de notas dos acordes;
  4. Preferência por saltos de sexta e sua sonoridade;

Somando-as são quatro ideias poderiam ser exploradas uma a uma por quatro chorus inteiros de um standard de jazz. Se isso fosse levado a cabo, o improviso teria uma daquelas qualidades de "espelho" em suas partes, onde um pedaço reflete o que há no todo. 

Outra coisa que esse tipo de raciocínio cria é a capacidade de resolver os problemas um a um, compasso por compasso, interação por interação. 

É claro que isso foi uma análise extremamente detalhada e que na hora de se improvisar temos pouco ou nenhum tempo para pensar em muitas variáveis. É por isso que se deve estudar algumas de cada vez, lento, no metrônomo, analisando os caminhos. Depois de muito tempo realizando esses exercícios compartimentados o seu improviso deixará de ser um mero tocar de escalas para todos os lados. 

Renato Verissimo é músico multi-instrumentista e professor. 

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