Síntese de Capítulo:
em 15 de Janeiro de 2025
Este texto tem como objetivo situar o leitor em relação aos eventos, reflexões e ideologias discutidos, além de oferecer críticas a essas questões apresentadas no artigo “Literatura Engajada” (2023). O artigo é de autoria de Leyla Perrone-Moisés, uma renomada professora emérita de Literatura Francesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Atualmente, ela continua contribuindo para a instituição como professora e coordena o Núcleo de Pesquisa Brasil-França no Instituto de Estudos Avançados.
O debate e a discussão sobre o conceito de literatura engajada têm permeado o meio acadêmico, filosófico e literário. Uma questão que surge frequentemente é se devemos ou não classificar a literatura engajada como um “gênero literário”.
Perrone-Moisés fundamenta seu discurso em vozes respeitadas no campo dos estudos literários e linguísticos, bem como dos próprios escritores literários. Seu discurso, que pode ser caracterizado como uma crítica às militâncias e ao “cancelamento”, é apoiado por figuras proeminentes como Adorno (1986, p.289), Camus (2005, p.54), Eric Hobsbawm (2002, p.453), Lévi-Strauss (1987, p.69-77), além de nossos renomados Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Essas vozes atuam como alicerces para o seu artigo.
O conceito de literatura engajada, que ganha destaque entre minorias e na mídia, pode ser considerado um fenômeno ou produto social, especialmente levando em conta a era relativamente recente das redes sociais. Estas plataformas estão constantemente em busca de polêmicas e “vasculhando” objetos para incentivar o chamado “lugar de fala”. Além disso, há uma tendência de criticar grandes autores do passado, sem levar em conta o contexto social e histórico de suas publicações. Essa prática acaba por promover ideologias e sectarismo entre grupos humanos, muitas vezes de forma involuntária (ou não), revelando uma certa hipocrisia em seus discursos.
A reivindicação do “lugar de fala” é justa, mas pode se tornar problemática quando se torna exclusiva e resulta no silenciamento de outras vozes. Isso ocorre especialmente quando essas vozes não são provenientes de indivíduos que pertencem a uma identidade específica de raça ou gênero.
Se um leitor fizer qualquer crítica ao valor estético de uma obra de um autor(a) negro(a), ele é rotulado como “racista”. Da mesma forma, qualquer pessoa que critique uma obra escrita por uma mulher é prontamente rotulada como “machista”.
Os homens têm permissão para discutir o aborto ou questões feministas? Apenas aqueles que fazem parte do movimento LGBT podem discutir a ideologia de gênero? Os brancos podem falar sobre os negros e vice-versa? Os defensores do conceito de “lugar de fala” sugerem que não.
Perrone aborda em seu texto questões relacionadas a movimentos identitários, que ela descreve como “complexos”, pois dependemos da interação com o outro para nos definirmos como indivíduos.
O engajamento da literatura se aloja atualmente em movimentos identitários. “Identidade” é uma palavra complexa. Para os filósofos (Hegel em particular) a constituição do sujeito é dialética, ela só ocorre após o reconhecimento do outro. Para a psicanálise, o Ego não é uma essência
imutável do sujeito, é uma construção imaginária e sempre renovada. Em termos políticos, a identidade nacional também é uma construção imaginária, e quando desemboca no nacionalismo, ela tende a ser xenófoba e belicosa (Perrone-Moisés, 2023, p.372)
Estamos em uma era onde os valores são frequentemente invertidos em favor daqueles que se identificam como minorias, misturando identidade com identificação e erguendo bandeiras que, às vezes, não buscam esclarecer e equilibrar os valores morais e éticos de uma sociedade, mas sim inverter esses valores. Algumas obras engajadas podem polarizar os leitores, dividindo-os em grupos que concordam ou discordam da mensagem transmitida. Isso pode intensificar as bolhas ideológicas e dificultar o diálogo construtivo entre diferentes pontos de vista.
Quando se trata de identidade, podemos explorar questões muito mais profundas, como a do próprio discurso como instrumento para a formação da subjetividade. Usando a terminologia “benvenistana” (Benveniste, 1988), quando se estabelece um “tu” para quem se destina o conteúdo do que se diz, imediatamente um “eu” se posiciona como autor. Ou seja, tudo o que construímos como sociedade, seja na literatura, no discurso, nas ideologias, etc., é dialético. O que observamos com mais frequência nos discursos atuais é a resistência à dialogia. É importante ressaltar que sem contraste nenhum ponto de vista é criado e, além disso, sem interlocução e intertextualidade não há maneira coerente de discutir qualquer aspecto social e ideológico, pois a discussão só é válida quando se compreende completamente ambos os lados.
Leyla Perrone-Moisés enfatiza o quão prejudicial pode ser restringir o discurso apenas àqueles que se enquadram no contexto dele, atribuindo assim o “lugar de fala”:
Nos dias de hoje, as obras literárias são frequentemente contestadas ideologicamente, por ofenderem a determinados grupos. Do ponto de vista ético, jurídico e político, os protestos contra preconceitos e ofensas são obviamente 374 legítimos. Mas do ponto de vista da literatura, na forma de ficção ou de poesia, esses protestos são restritivos e injustificados quando se transformam em atos de censura (Leyla Perrone-Moisés, 2023, p.373-374).
Imagine o quanto perderíamos em termos de literatura se, por exemplo, fosse negado a Monteiro Lobato o direito de escrever as histórias do Sítio do Pica-pau Amarelo, simplesmente porque algumas críticas afirmam que a história é racista. Toda obra deve ser avaliada pelo seu conteúdo, pelo contexto em que foi escrita e, acima de tudo, pela ideia de que nada na literatura é completamente novo; tudo é resultado de algo que já foi escrito, ou seja, um diálogo entre culturas.
Os “escritos engajados” não deveriam ser classificados como Literatura, um termo que levou tanto tempo para se estabelecer e ser reconhecido como Arte. A designação “literatura engajada” pode impor limitações à liberdade criativa do autor. Ao se concentrar em transmitir uma mensagem específica, os escritores podem se sentir restringidos em explorar diferentes caminhos narrativos ou abordar temas que não se alinham à mensagem pretendida.
As verdadeiras obras literárias transcendem o tempo, muitas vezes porque suas mensagens são universais e atemporais. A literatura engajada, focada em questões específicas de uma época, pode ter dificuldade em manter sua relevância à medida que as circunstâncias mudam e as sociedades evoluem. A Literatura pode e deve ser um retrato contextualizado de uma época ou sociedade, mas nunca um recorte ideológico de uma única versão, exclusivista, enviesada e que não permite contrapontos sob pena de “cancelamento”.
Referências:
BENVENISTE, E. A natureza dos pronomes. In: BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral I. Campinas: Pontes, 1988.
PERRONE-MOISÉS, L. Literatura engajada. Revista Criação & Crítica, nº 35, p.370-383, 2023.