Pensando Cardoso Pires:
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Por: ANDREY A.
15 de Janeiro de 2025

Pensando Cardoso Pires:

na perspectiva de Marlise vaz Bridi e Carlos Rogério Duarte Barreiros

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O presente trabalho, traz como referência o trabalho de orientação de uma professora do campo das Letras, especificamente na Literatura Portuguesa: Profª Dra. Marlise Vaz Bridi[1]. A referida acadêmica é graduada (1973) e doutora (1982) pela Universidade de São Paulo. Sua trajetória profissional inclui uma posição como professora titular na Universidade Presbiteriana Mackenzie até fevereiro de 2019. Atualmente, ocupa o cargo de professora doutora na Universidade de São Paulo.

Além de suas responsabilidades docentes, ela desempenha funções importantes como membro do conselho editorial da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística. Ademais, atua como parecerista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Sua experiência e contribuições para o campo das Letras são vastas, com um enfoque particular na literatura portuguesa, literatura de autoria feminina, ficção contemporânea e discurso literário. Desde 2012, ela lidera o Grupo de Estudos de Literatura de Autoria Feminina (GELAF).

Marlise de Vaz Bridi tece suas críticas em relação à obra “A Balada da Praia dos Cães”, de José Cardoso Pires em diversas obras que produziu, uma delas (a qual dará luz a esta escrita) trata-se de uma tese de doutorado, defendida pelo doutorando, Carlos Rogerio Duarte Barreiros[2], em que Bridi foi orientadora. Desta forma, mesmo compreendendo que é uma ação de coautoria, não resta dúvida de que estamos nos apoiando em uma obra bastante relevante para a construção deste trabalho.

Para iniciar a discussão, a luz da leitura da análise crítica do autor supracitado e da obra em foco, partimos do pressuposto de que o livro “Balada da Praia dos Cães” faz uma análise geral da crise política em Portugal durante o final dos anos 1950 e início dos anos 1960, um período marcado pelo regime de Salazar.

Bem como afirma o autor da tese:

Partamos do pressuposto de que a Balada da Praia dos Cães contém, de forma geral, uma avaliação da crise do salazarismo nos últimos anos da década de 1950 e nos primeiros da de 1960, devido ao caráter dissertativo a que se faz alusão no subtítulo da obra. (BARREIROS, 2013).

 

Sabemos que o romance foi inspirado por um evento real que aconteceu. No entanto, o objetivo do livro não é simplesmente contar a história desse evento como ele aconteceu, tendo em vista que o romance é ambientado nos anos 80. Em vez disso, Cardoso Pires usa esse evento como ponto de partida para explorar temas mais amplos e fazer uma análise mais profunda.

Por exemplo, ele pode usar o evento para explorar as tensões políticas e sociais da época, ou para examinar as vidas e motivações dos personagens. Ele pode também usar o evento como uma metáfora para algo maior, ou como uma maneira de fazer perguntas sobre a natureza da verdade e da realidade.

Portanto, quando lemos o livro, não devemos nos concentrar apenas no evento em si, mas também nas ideias e questões que o autor está explorando através dele. Devemos estar abertos para interpretar e questionar o que estamos lendo, e para pensar sobre o que o livro está tentando nos dizer.

Para ser fiel à obra que estamos prestes a investigar, Barreiros aponta que é importante esclarecer desde o início que vamos usar a palavra “verdade” da mesma maneira que ela é usada no romance (Barreiros, 2013). Nesse contexto, um fato, cuja autenticidade é confirmada por documentos, tem uma natureza dupla, que é o oposto da ficção, cuja plausibilidade é medida em relação ao fato. Por enquanto, vamos nos concentrar no último parágrafo da Balada:

 De modo que entre o fato e a ficção há distanciamentos e

aproximações a cada passo, e tudo se pretende num paralelismo

autônomo e numa confluência conflituosa, numa verdade e numa

dúvida que não são pura coincidência. (BPC, p.364)

 

Partindo da ótica do autor em sua tese, a narrativa de “Balada da Praia dos Cães”, é caracterizada por uma instabilidade notável no ponto de vista a partir do qual a história é contada. Esta instabilidade não é apenas um elemento estilístico, mas emerge como o efeito mais dominante e consequente do romance. Ela permeia a trama, adicionando camadas de complexidade e profundidade à história. Esta característica será evidenciada e discutida em detalhes nos fragmentos do texto que serão analisados a seguir:

[Elias] fica alapardado na secretária. A digerir, a jiboiar. Com a

sua memória de cassette, suas sirenes e seus malignos rodeia-se das sombras e das frases que a galinheira deixou no gabinete. Depenou-a em poucas bicadas, foi fácil, trigo limpo, e agora, todo sozinho, soma as penas que ficaram a flutuar depois dela, é assim que a abrange melhor. A experiência diz-lhe que o investigar é como nos filmes, só depois do écran, só depois do contado e olhado, é que, repetindo e ligando, as fitas se veem no todo e por dentro. (BPC1, p.242)

 

O investigador Elias, oculto e absorvido em seu trabalho, é comparado ao seu lagarto de estimação, Lizardo. Esta metonímia sugere que o leitor deve ir além da investigação do assassinato do Major Dantas Castro e desvendar outros mistérios menos óbvios. A semelhança entre Elias e Lizardo e a metáfora resultante da sequência de metonímias são cruciais para a compreensão da obra. Para analisar a Balada, é necessário examinar cuidadosamente cada personagem e entender o processo contínuo de referências mútuas. Este processo é sugerido na própria narrativa e é essencial para apreender a dimensão histórica do romance (Barreiros, 2013). Se Elias investiga como nos filmes, então investigar o romance é como no real. Este método é sugerido no fragmento que segue:

POLÍCIA INTERNACIONAL E DE DEFESA DO ESTADO

SERVIÇO DE INVESTIGAÇÃO

 

2.a via-Relatório: Inspeção da viatura CN-14-01

Identificação: ligeira, de passageiros, marca Ford Taunus, cor cinzenta

metalizada. Devidamente documentada e registada; cobertura de

seguro envolvendo pessoas e bens; os números do quadro e do motor

estão conformes.

Prop. = ex-major de art.a Luís Dantas Castro

Obs. = O veículo em referência foi apreendido e posto à guarda desta

Polícia por interessar às investigações em curso relacionadas com a

tentativa de rebelião militar em que participou este ex-oficial. (BPC,

  1. 242-243)

 

Ainda corroborando com a análise de Duarte Barreiros, se abordarmos a prosa de Cardoso Pires como uma simples intersecção entre ficção e realidade, ou como um mero jogo de fatos apresentados como fictícios, estaremos subestimando a complexidade e a profundidade de sua obra. Estaremos ignorando um elemento crucial: o processo. Este processo é a maneira como a narrativa se desenrola, como os eventos são conectados e como os personagens se desenvolvem. É a dinâmica subjacente que dá vida à história e a torna mais do que uma simples coleção de eventos. Portanto, para avançar em nossas conclusões nesta apresentação, é essencial que não apenas leiamos, mas também analisemos e compreendamos o próximo parágrafo em seu contexto, levando em consideração o processo que está em jogo. Isso nos permitirá apreciar plenamente a habilidade de Cardoso Pires como escritor e a riqueza de sua obra:

Agora é aqui que Elias tem pousadas as mãos, neste papel. Não o lê mais vezes, não precisa, ele mostra-lhe à transparência coisas que se sobrepõem perfeitamente nas memórias da galinheira e está tudo ligado como nos filmes. (BPC, p.243)

 

Ainda em consonância com as ideias centrais de Barreiros, há três questões apresentam um discurso indireto que segue de perto a consciência de Elias: os trechos destacados são vistos como “alertas”, a data de 15 de maio é a que está registrada no livro e a premonição é descrita como “infernal”. Aqui, estamos navegando pela própria construção mental de um mistério sem importância, ou apenas uma curiosidade. Em seguida, o narrador se afasta: “Elias passa pelo romance perseguindo essa questão. Ele continua sua jornada conduzido por um certo capitão Lobo Larsen” (BPC, p.92) - exatamente a experiência de prazer vivenciada pelo leitor distraído dos romances de mercado, que o levam a “lugares distantes” ou a “aventuras que ele nunca poderá viver”, envolto em clichês sobre o prazer desse tipo de subliteratura. No entanto, a seguir, surge uma declaração que mancha a linearidade do estilo que estava surgindo:

[...] que é lobo até no nome e que por ser lobo põe em alvoroço o lado cão que existe nas focas. Isso não está no livro, bem entendido, esse ódio de sangues cruzados. Mas há muitas coisas que não estão ali por escrito mas que correm como profecias à tona da prosa. Muitas coisas que estão muito além para além do capitão Larsen e dos dias que se fecharam sobre ele.

Os sublinhados, por exemplo. (BPC, p.92)

 

O texto reescrito seria: O “aspecto canino presente nas focas”, agitado pelo lado lobo do Capitão Wolf Larsen, faz referência ao “mito da cadela marinha”, a foca para o cão que nunca se aventurou (BPC, p.91). Para Elias, as focas são criaturas “meio cão, meio peixe”, o que o levou à associação mencionada acima. Acreditamos que a importância do fragmento não reside (como acontece com a Balada da Praia dos Cães como um todo) na decifração da sequência complexa de imagens e associações livres de Elias, mas na declaração de que “existem muitas coisas que não estão escritas, mas que fluem como profecias na superfície da prosa” - ou seja, é necessário decodificar as sugestões metafóricas que pontilham a Balada da Praia dos Cães para avançar além da superfície da prosa. A solução do mistério relacionado aos sublinhados em O Lobo do Mar será apenas uma curiosidade pessoal que cobre a Balada, mas sob a qual repousa o próprio propósito do romance, ou seja, a dissertação sobre o crime da Praia do Mastro, questionando radicalmente o passado à luz do presente e, acima de tudo, este momento à luz daquele - sem o qual a dinâmica intervalar entre tempos e espaços seria apenas restabelecida na obra. Há muitos momentos em que as ações de Elias revelam exatamente o que mais lhe interessa: a resolução de uma curiosidade, não as relações profundas entre o crime da Praia do Mastro e o ambiente em que ocorreu:

Elias Chefe: Lembra-se por acaso dos livros que leu enquanto

esteve na vivenda? Primeira pergunta. E, segunda pergunta, em que

altura é que o cabo começa a afastar-se do major e por quê. (BPC,

p.108)

Elias Chefe: O Lobo do Mar. Nunca leu?

Mena: É verdade. O Lobo do Mar.

Elias Chefe: E o major?

Mena: Como?

Elias Chefe: Pergunto se o major também leu O Lobo do Mar.

Mena responde: Ele não lia romances. E nesse caso, o chefe de

brigada passa ao arquiteto: Também leu O Lobo do Mar? E quando?

Antes ou depois dela?

Mena não sabe, mas é possível. O cabo sim, leu. Aliás o livro

tinha-lhe sido emprestado pelo cabo. (BPC, p.109)

Diga-me uma coisa, pergunta Elias, quando a senhora leu O

Lobo do Mar encontrou algumas páginas sublinhadas? / Mena faz uma

pausa: Páginas sublinhadas? (BPC, p.115)

 

Barreiros também discute que “O Lobo do Mar” é apresentado como um romance que segue a estrutura típica de um romance policial, onde a resolução de um enigma é o ponto central da trama.

Em contraste, “A Balada da Praia dos Cães” é descrito como tendo um foco diferente. Embora o mistério dos sublinhados em “O Lobo do Mar” seja um elemento proeminente, o autor sugere que isso ofusca o verdadeiro objetivo do romance. Este objetivo é explorar as condições econômicas, sociais e históricas que cercam o crime na Praia do Mastro, a interação dessas condições com os personagens do romance, e a forma literária específica necessária para realizar essa investigação.

Bem como afirma:

No plano da superfície ou da identidade do romance, portanto, O Lobo do Mar serve à constituição do enredo típico do romance policial – em cujo centro figura a solução de um enigma. Na Balada da Praia dos Cães, o mistério dos sublinhados de O Lobo do Mar ocupa o primeiro plano, ofuscando o que interessa verdadeiramente dissertar – as condições econômicas, sociais e históricas em que se deu o crime da Praia do Mastro; a confluência entre essas condições e a constituição dos sujeitos que nelas circulam; e, finalmente, a forma literária específica necessária para essa investigação. (Barreiros, 2013)

Para concluir, diversas análises comtemplam A Balada como foco, mas certamente, Barreiros e Bridi são leituras fundamentais para explorar a fundo o que há de mais curioso na obra em questão, e em Cardoso Pires.

 

Referências:

 

BARREIROS, Carlos Rogério Duarte. Forma do Romance e Processo Social na Balada da Praia dos Cães, de José Cardoso Pires. 2013. 265 p. Tese (Doutorado) -Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

 

PIRES, José Cardoso. Balada da Praia dos Cães. 16.ª ed. Sta. Maria da Feira: Relógio d’Água, 2015.

 

BRIDI, Marlise Vaz. A Sugestão Metafórica em José Cardoso Pires. Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2012.

 

[1] Professora graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (1973) e doutorada em Letras (Literatura Portuguesa) pela mesma universidade (1982).

[2] Graduado em Letras-Português pela Universidade de São Paulo (2000). Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Marlise Vaz Bridi.

ANDREY A.
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