A metáfora ocupa um lugar central na linguagem poética. Mais do que figura de estilo, ela é uma estrutura cognitiva que reorganiza o mundo e cria novas possibilidades de sentido. Na poesia, as metáforas não apenas embelezam o discurso — elas são o próprio modo de ver e dizer. Ao estabelecer relações inesperadas entre elementos distintos, a metáfora rompe com o senso comum e obriga o leitor a experimentar o real por novas lentes.
A tradição clássica já valorizava a metáfora como mecanismo essencial da eloquência, mas foi a partir das teorias modernas da linguagem que seu papel foi profundamente revisto. Autores como Paul Ricoeur e George Lakoff demonstraram que a metáfora não pertence apenas à retórica, mas ao próprio funcionamento do pensamento. Segundo Ricoeur, por exemplo, a metáfora é um choque semântico que revela uma nova verdade; ela não substitui uma palavra por outra, mas transforma a relação entre significados.
Na linguagem poética moderna, a metáfora atua como um eixo estrutural. A fragmentação do verso, a quebra da sintaxe e a ambiguidade das imagens são formas de tensionar o sentido e exigir uma leitura mais ativa e interpretativa. Um exemplo notável disso pode ser visto em autores como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Sophia de Mello Breyner, cujos poemas constroem significados por meio de metáforas que fundem o sensível e o abstrato, o concreto e o imaginário.
A metáfora poética opera sempre em dois níveis: um sensorial e outro conceitual. No primeiro, ela evoca imagens que provocam reações emocionais e estéticas; no segundo, ela articula ideias que não poderiam ser expressas diretamente. Esse jogo duplo é o que confere à metáfora sua potência. Ao dizer “meu coração é um deserto”, por exemplo, o poeta não está apenas ilustrando uma sensação de vazio, mas configurando uma experiência existencial complexa por meio de um deslocamento simbólico.
Além disso, a metáfora possibilita o rompimento com a lógica linear do discurso. A linguagem poética torna-se um campo de experimentação em que o tempo, o espaço e a identidade podem ser manipulados com liberdade. A metáfora, nesse contexto, é um dispositivo de transgressão, de crítica e de invenção — uma linguagem que ultrapassa os limites do nome e do conceito.
A construção do sentido na linguagem poética, portanto, é indissociável da metáfora. Ela não apenas revela significados ocultos, mas os produz. Ao convocar o leitor para essa tarefa interpretativa, a poesia amplia os horizontes da linguagem e convida a uma nova escuta do mundo.
Referências bibliográficas:
RICOEUR, Paul. A metáfora viva. São Paulo: Loyola, 2005.
LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. Campinas: Mercado das Letras, 2002.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral. Campinas: Pontes, 2005.
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.