A linguagem, ao mesmo tempo em que estrutura o pensamento, regula o comportamento e define os limites do possível. Ela é, portanto, simultaneamente ferramenta de expressão individual e mecanismo de controle social. Essa ambiguidade faz com que a linguagem seja um espaço de conflito constante entre o sujeito falante e a norma linguística que o antecede.
Toda fala é situada: é o sujeito quem escolhe palavras, constrói frases, atribui sentidos. No entanto, essas escolhas não ocorrem no vácuo. Elas são moldadas por normas gramaticais, por convenções sociais e por expectativas comunicativas. A língua impõe uma estrutura, e o sujeito, ao se expressar, precisa se dobrar a ela — ou subvertê-la. O conflito, portanto, é inerente: a singularidade do sujeito colide com a universalidade da norma.
Esse embate é particularmente evidente nas literaturas de resistência, nas quais a linguagem normativa é tensionada ou mesmo sabotada. Poetas como Oswald de Andrade e escritores como Guimarães Rosa são exemplos de sujeitos que operam dentro da língua para desestabilizar suas regras e propor novos caminhos expressivos. Guimarães, por exemplo, recria a linguagem do sertão não como um espelho do “erro gramatical”, mas como um modo legítimo de subjetivar o mundo e torná-lo poético.
O mesmo ocorre nas discussões sociolinguísticas. A ideia de erro linguístico é frequentemente uma construção ideológica que serve para marcar fronteiras sociais. Ao afirmar que alguém “fala errado”, o que se está dizendo, muitas vezes, é que esse sujeito não pertence a um determinado grupo de prestígio. A norma culta, nesse sentido, opera como instrumento de exclusão. Conforme aponta Marcos Bagno, “o preconceito linguístico é um preconceito social disfarçado”.
Além disso, o sujeito contemporâneo, imerso em redes digitais e espaços de múltiplas vozes, vive em um ambiente onde a norma já não possui o mesmo poder coercitivo. A oralidade digitalizada — expressa em memes, abreviações, hashtags e neologismos — subverte constantemente os modelos normativos, abrindo espaço para novas formas de expressar subjetividades.
O conflito entre sujeito e norma, portanto, é um sintoma do próprio funcionamento da linguagem: ela é uma casa que o sujeito habita, mas também uma fronteira que precisa ser constantemente negociada. Na literatura, na fala cotidiana ou nos ambientes virtuais, a linguagem revela-se como um campo de forças, onde o desejo de dizer encontra sempre a resistência do que já está dito.
Referências bibliográficas:
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália. São Paulo: Contexto, 1997.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 2007.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006.
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2005.