A linguagem, mais do que um instrumento de comunicação, é também um mecanismo de poder. Nas sociedades modernas, o domínio da linguagem “legítima” — isto é, aquela reconhecida como correta ou prestigiosa — confere vantagens sociais, educacionais e simbólicas a determinados grupos em detrimento de outros. Essa assimetria na apropriação e na legitimação da linguagem é um dos pilares do que Pierre Bourdieu denominou violência simbólica.
Para Bourdieu, a linguagem legítima é imposta por instituições como a escola, a mídia e o Estado, que funcionam como espaços de reprodução de desigualdades. O que se convencionou chamar de “bom português”, por exemplo, não é neutro: é o português das elites econômicas e culturais, legitimado como norma por uma gramática normativa que desconsidera as variações populares e regionais. Nesse sentido, falar “errado” é menos uma questão de erro linguístico do que de exclusão social.
Frantz Fanon, por sua vez, em sua obra Pele negra, máscaras brancas, aprofunda esse debate ao analisar a linguagem como um instrumento de alienação colonial. O autor mostra como o negro colonizado, ao aprender a língua do colonizador, é incentivado a rejeitar sua identidade cultural original, assumindo uma postura subserviente e fragmentada. Falar “bem” a língua do opressor torna-se um modo de se aproximar do prestígio social, ainda que isso implique uma cisão no sujeito.
Tanto Bourdieu quanto Fanon denunciam a linguagem como ferramenta de dominação simbólica. No primeiro caso, ela legitima desigualdades sociais; no segundo, ela reforça a opressão racial e colonial. Em ambos os casos, a linguagem atua como um marcador de distinção — seja de classe, seja de cor.
Essa reflexão é especialmente relevante em contextos pós-coloniais e em sociedades marcadas por desigualdades históricas, como o Brasil. O apagamento de línguas indígenas, o preconceito contra as variedades afro-brasileiras e a marginalização de sotaques e formas populares de fala são exemplos concretos dessa dominação simbólica em curso.
Ao reconhecer a linguagem como território de disputa, abre-se espaço para políticas linguísticas mais inclusivas e plurais. Valorizar a diversidade linguística é uma forma de resistência. A educação, nesse sentido, tem um papel crucial: mais do que ensinar normas, ela deve promover a consciência crítica sobre os usos da linguagem e seus efeitos simbólicos.
Lutar por uma linguagem plural é também lutar por justiça social. A língua, afinal, não é apenas o que dizemos, mas como existimos no mundo. E ninguém deveria existir com vergonha de sua voz.
Referências bibliográficas:
BOURDIEU, Pierre. Ce que parler veut dire: l’économie des échanges linguistiques. Paris: Fayard, 1982.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
ILARI, Rodolfo; BASSO, Renata. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006.
MATTOSO CAMARA JR., Joaquim. História e estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1975.