A linguagem, como elemento constitutivo da realidade simbólica e da subjetividade humana, desempenha um papel decisivo nas formas de resistência cultural. Em tempos de crescente padronização discursiva, impulsionada pela lógica do mercado e pelos algoritmos das redes sociais, preservar modos de dizer singulares tornou-se, mais do que um gesto poético, um ato político. A resistência, neste contexto, não se dá necessariamente em manifestações explícitas ou combativas, mas na capacidade de sustentar discursos que escapam à lógica do consumo, da eficiência e da instantaneidade.
É nesse cenário que a linguagem literária ganha um novo valor: por se opor ao automatismo das formas de comunicação contemporâneas, ela resiste à fluidez do entretenimento vazio e das falas pré-fabricadas. A literatura — sobretudo a que se vale de recursos como a ambiguidade, a fragmentação e o silêncio — afirma a complexidade do pensamento e a densidade da experiência humana. Assim, falar poeticamente, quando o mundo exige clareza e velocidade, é também um modo de confrontar os imperativos do tempo.
Autores como Roland Barthes, ao refletirem sobre o discurso como campo de disputa simbólica, mostram que toda linguagem carrega uma ideologia. Por isso, escolher determinados vocabulários, construir imagens que desafiem a interpretação imediata, usar pausas e ritmos não usuais, tudo isso se torna, no plano estético, uma forma de desafiar o discurso dominante. Essa perspectiva se intensifica em sociedades marcadas pela desigualdade, em que a imposição da norma linguística muitas vezes se converte em instrumento de exclusão social e epistemológica.
Nas periferias urbanas, por exemplo, o uso de gírias, variações sintáticas e criações lexicais não apenas expressa identidades locais como também questiona o monopólio cultural da língua padrão. A oralidade viva dessas comunidades, marcada por invenções contínuas, torna-se resistência ao silenciamento histórico a que foram submetidas. A linguagem, nesse caso, não apenas representa a realidade, mas a reconstrói por meio da criatividade coletiva.
Portanto, a linguagem como resistência simbólica não se restringe à denúncia ou ao protesto verbal, mas à preservação de formas alternativas de ver, dizer e sentir o mundo. Cada palavra que escapa à repetição do discurso dominante — seja no campo da literatura, da música, da oralidade popular ou da fala cotidiana — carrega o potencial de abrir brechas na superfície aparentemente homogênea da cultura contemporânea. Nessas fissuras, a arte da linguagem encontra seu lugar: não como uma forma de fuga, mas como uma contraforma de permanência.
Referências bibliográficas:
BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. São Paulo: Cultrix, 2004.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva, 2009.
LLINÁS, Rodolfo. O eu e o cérebro. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.