Com o advento da internet e a ascensão das mídias digitais como espaço predominante de circulação discursiva, a linguagem passou a desempenhar um papel ainda mais central na construção de identidades, na formação de opiniões e na disputa de sentidos. Longe de ser um instrumento neutro de comunicação, a linguagem nas mídias digitais revela-se como um campo de batalha simbólico, onde diferentes ideologias se confrontam, se ocultam ou se reforçam.
A análise do discurso, especialmente na tradição de Michel Pêcheux e Eni Orlandi, nos oferece ferramentas para compreender como os sentidos são produzidos de maneira situada, histórica e ideológica. Nas mídias digitais, essa produção é amplificada: o sujeito enunciador se conecta com múltiplos públicos e atua sob a lógica da velocidade, da viralização e da performatividade. Nesse cenário, memes, hashtags, vídeos curtos e comentários se tornam formas condensadas de posicionamento ideológico.
A ideologia se infiltra nos usos mais banais da linguagem: na escolha de palavras, na maneira de nomear acontecimentos, no silenciamento de determinadas vozes e na repetição de certos discursos. Como apontam autores como Pierre Bourdieu e Noam Chomsky, o discurso dominante é naturalizado por meio da linguagem, sendo apresentado como senso comum, mesmo quando está sustentado por estruturas de poder e desigualdade. Nas redes, essa naturalização é constantemente tensionada por discursos contra-hegemônicos, que utilizam os próprios recursos digitais para disputar narrativas.
No entanto, essa disputa nem sempre se dá de forma democrática. Os algoritmos das plataformas digitais operam como filtros ideológicos invisíveis, priorizando conteúdos com maior potencial de engajamento, independentemente de sua veracidade ou relevância ética. Essa lógica cria bolhas de informação e fortalece a polarização, dificultando o diálogo entre posições divergentes. A linguagem, nesse caso, é capturada por dinâmicas de mercado que privilegiam a performance sobre a reflexão.
O sujeito contemporâneo se vê, assim, convocado a se posicionar constantemente, a performar uma identidade, a criar narrativas de si e do mundo que sejam atrativas, compartilháveis e engajáveis. Essa nova configuração reconfigura também as formas de autoridade discursiva: o especialista cede espaço ao influenciador, o argumento cede lugar à provocação, e o texto elaborado é substituído pela frase de efeito.
A linguagem nas mídias digitais, portanto, é atravessada por disputas que não se restringem ao conteúdo, mas que envolvem também a forma, o ritmo, o canal e a recepção. A palavra, nesse ambiente, carrega o peso de definir alianças, de destruir reputações, de mobilizar massas. Por isso, pensar criticamente sobre o uso da linguagem nesse espaço é uma urgência ética, política e educativa.
Referências bibliográficas:
ORLANDI, Eni P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.