No contexto contemporâneo, em que o mercado cultural é regido pela lógica do consumo rápido, da superficialidade e da busca incessante por estímulos sensoriais, a literatura tem enfrentado o desafio de manter sua relevância enquanto forma de expressão profunda, crítica e contemplativa. Mario Vargas Llosa, em A civilização do espetáculo, aponta para uma era em que o entretenimento se tornou o valor supremo das manifestações culturais, relegando à margem as expressões artísticas que exigem esforço intelectual, introspecção e diálogo com a tradição.
A literatura, nesse cenário, torna-se uma forma de resistência. Em oposição à velocidade da informação e à distração generalizada promovida pelas redes sociais, pelas plataformas audiovisuais e pela indústria do entretenimento, a leitura literária exige tempo, silêncio, paciência e presença. É, por excelência, uma prática contracultural. Ler um romance de Dostoiévski, um poema de Bruno Tolentino ou uma peça de Shakespeare implica entrar em outro ritmo de experiência, onde a densidade dos afetos, a ambiguidade dos sentidos e a complexidade das relações humanas podem ser pensadas em profundidade.
Autores como Italo Calvino e Milan Kundera insistem, em suas obras, na capacidade da literatura de recuperar a espessura da existência humana frente ao achatamento promovido pela cultura do espetáculo. A literatura é, assim, um espaço de recusa à homogeneização das subjetividades e à estetização vazia da vida cotidiana. Ao valorizar o detalhe, o silêncio, a dúvida, a lentidão, ela propõe um tipo de experiência que contraria a lógica dominante.
A resistência literária pode ser observada também na manutenção de formas narrativas tradicionais, como o romance psicológico ou o poema lírico, que continuam a dialogar com a interioridade do sujeito, com a angústia da existência e com o desejo de transcendência — temas cada vez mais ausentes nos produtos culturais de massa. Mas ela também se dá por meio de inovações formais e estilísticas que denunciam a banalização da linguagem e buscam reconectá-la com sua potência originária.
Nesse sentido, é preciso destacar o papel da literatura como forma de memória coletiva, crítica histórica e elaboração simbólica dos traumas sociais. Em tempos de desinformação e manipulação midiática, a literatura preserva a capacidade de narrar o que foi silenciado, de imaginar o que foi interditado, de representar o que foi deformado. Ela se recusa a reduzir-se a produto, pois permanece, em essência, como gesto ético, como criação singular de sentido.
Não se trata, portanto, de opor arte e entretenimento de maneira simplista, mas de compreender que a literatura oferece algo que a lógica do entretenimento não pode oferecer: densidade. Em um mundo saturado de imagens e vazio de sentido, ler é um ato de resistência. É manter viva a possibilidade de uma experiência estética transformadora, de uma relação verdadeira com a linguagem e, por meio dela, com o outro e consigo mesmo.
Bibliografia
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CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
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KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
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LLOSA, Mario Vargas. A civilização do espetáculo. São Paulo: Objetiva, 2013.
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TOLENTINO, Bruno. O mundo como ideia. Rio de Janeiro: Record, 2000.
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SONTAG, Susan. Contra a interpretação. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
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ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.