Aprender uma nova língua não é apenas um processo de assimilação de estruturas gramaticais, vocabulários e regras de uso. É também um processo de confronto, de estranhamento e de deslocamento subjetivo. A pedagogia do estranhamento reconhece justamente esse aspecto transformador da experiência linguística, fazendo do desconforto um elemento essencial da aprendizagem.
Inspirada por perspectivas críticas e pós-estruturalistas da pedagogia, como as de Paulo Freire e bell hooks, essa abordagem propõe que o contato com o diferente — seja ele sonoro, morfológico, sintático ou cultural — seja vivido como uma oportunidade de reflexão e expansão da consciência, e não como um obstáculo a ser superado o mais rápido possível. O estranho, nesse contexto, não deve ser domesticado, mas acolhido.
O ensino tradicional de línguas frequentemente tenta eliminar o estranhamento. Ele oferece traduções prontas, aproxima estruturas, normatiza expressões e simplifica realidades culturais. A pedagogia do estranhamento, ao contrário, desafia essa tendência. Ela convida o estudante a permanecer no desconforto, a suportar o “não saber”, a observar os descompassos entre o idioma-alvo e a língua materna, e a refletir sobre o que isso revela sobre si e sobre o outro.
Essa pedagogia se aproxima de uma perspectiva estética e filosófica da linguagem. Como afirmava Mikhail Bakhtin, todo enunciado está inserido num campo de tensões e vozes diversas — e o ensino de línguas não é exceção. Quando se aprende um idioma, o sujeito se expõe a formas de pensar, sentir e organizar o mundo que muitas vezes contrariam suas referências habituais. Esse atrito pode gerar crises, mas também amadurecimento.
Ao propor o estranhamento como método, a pedagogia da língua se torna também uma pedagogia da escuta e da alteridade. Ela rompe com a lógica da aquisição instrumental da língua e convida o estudante a um percurso existencial e crítico. O estranho não é apenas aquilo que ainda não compreendemos, mas aquilo que nos obriga a rever o que pensávamos já entender.
Na prática, essa pedagogia pode se expressar de diferentes formas: através da escolha de materiais autênticos e culturalmente densos; da recusa em traduzir certas expressões para manter seu mistério; da análise de textos que desafiam estruturas convencionais; da exposição a diferentes registros linguísticos, inclusive aqueles considerados marginais ou desviantes. Tudo isso reforça a ideia de que aprender uma língua é abrir-se a novos modos de ser.
Num mundo cada vez mais globalizado e multicultural, o ensino de línguas que evita o estranhamento perde a chance de formar sujeitos sensíveis à diversidade. Ao contrário, uma pedagogia que valoriza o desconforto e o não familiar prepara o aprendiz não apenas para comunicar-se em outro idioma, mas para conviver com o diferente — o que é, em última instância, um dos maiores desafios éticos do nosso tempo.
Referências bibliográficas:
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
PENNYCOOK, Alastair. Critical applied linguistics: A critical introduction. Mahwah: Lawrence Erlbaum, 2001.
KUMARAVADIVELU, B. Understanding language teaching: From method to postmethod. Mahwah: Lawrence Erlbaum, 2006.