
A solidão do sujeito moderno

em 17 de Julho de 2025
Ao longo da história da arte, o sublime foi concebido como uma experiência que ultrapassa os limites da razão, conduzindo o sujeito a um estado de elevação estética e espiritual. O conceito, presente desde a Antiguidade, foi retomado com vigor pelos pensadores do romantismo europeu, como Edmund Burke e Immanuel Kant, que viam no sublime a manifestação do inefável — algo que escapa à apreensão racional e provoca simultaneamente fascínio e terror. A arte, nesse contexto, era considerada um meio de revelação do absoluto, de contato com o transcendente. No entanto, com o advento da modernidade e, sobretudo, da sociedade do espetáculo, essa função da arte passou a ser progressivamente esvaziada. O sublime cede lugar ao impacto superficial, e a contemplação silenciosa é substituída pela estimulação constante dos sentidos.
A virada modernista já indicava um abalo na experiência do sublime. Ao romper com as formas clássicas e promover uma arte autorreferente, fragmentária e ambígua, os artistas modernos questionavam a possibilidade de transcendência plena. Contudo, mesmo na fragmentação, subsistia o desejo de aprofundamento, de mergulho interior. Poetas como T. S. Eliot e Rilke, pintores como Rothko e músicos como Mahler ainda buscavam no caos uma centelha de sentido — uma elevação possível no escombro da tradição.
Na contemporaneidade, entretanto, a arte é absorvida pela lógica do espetáculo, conforme diagnosticado por Guy Debord. Nesse novo regime estético, o valor da obra não está mais em sua capacidade de provocar reflexão ou comoção, mas em seu potencial de atrair atenção e circular na engrenagem do consumo. A arte se torna um produto que precisa ser “instagramável”, experienciado rapidamente, muitas vezes com filtros e dispositivos tecnológicos que anestesiam o olhar e a escuta.
Esse deslocamento afeta diretamente a relação do sujeito com o sagrado e com o mistério. Em vez de provocar silêncio interior, a arte-espetáculo convoca o ruído. Em vez de provocar desconforto existencial, oferece distração. A verticalidade da experiência estética cede lugar à horizontalidade da performance, e o sublime, que exigia recolhimento, passa a ser substituído por sensações efêmeras e prazeres momentâneos.
Nesse processo, a arte perde sua função de mediação simbólica com o invisível. As catedrais góticas, os cantos gregorianos e os poemas místicos cederam espaço às instalações interativas, aos vídeos virais e às experiências sensoriais que não convidam à reflexão, mas à reação. O sublime, que pressupunha uma certa distância entre sujeito e obra, é dissolvido pela lógica da proximidade absoluta — tudo deve ser acessível, compreensível, imediato.
Ainda assim, resistências surgem. Alguns artistas contemporâneos se recusam a entrar nesse circuito acelerado. Pintores como Anselm Kiefer, compositores como Arvo Pärt, poetas como Adélia Prado buscam resgatar a densidade da experiência estética, ainda que conscientes do novo horizonte em que operam. A tensão entre o sublime e o espetáculo permanece, e talvez resida aí o desafio da arte atual: criar obras que resistam à lógica do descarte, que exijam do espectador não apenas atenção, mas presença.
BURKE, Edmund. A philosophical enquiry into the origin of our ideas of the sublime and beautiful. Oxford: Oxford University Press, 1990.
KANT, Immanuel. Crítica do juízo. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
HAN, Byung-Chul. A salvação do belo. Petrópolis: Vozes, 2019.
LLINÁS, Carolina. O sublime e o espetáculo na arte contemporânea. Revista ArteFil, v. 13, 2016.
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Alfaguara, 2019.
PÄRT, Arvo. Silencio e música. Berlin: Universal Edition, 2011.
ROTHKO, Mark. Writings on Art. New Haven: Yale University Press, 2006.