Resumo
Este artigo analisa criticamente os argumentos do vídeo "Nove razões para aprender inglês sem traduzir", do canal "Inglês Sem Traduzir", apresentado por Anderson Corrêa. Ao reagir às ideias centrais defendidas pelo autor, discutimos os limites e as possibilidades do uso da tradução como ferramenta de aprendizagem, à luz de teorias contemporâneas sobre aquisição de segunda língua, como o Comprehensible Input, de Stephen Krashen. O artigo aponta que a tradução, longe de ser um obstáculo definitivo, pode funcionar como uma ponte útil e provisória no processo de internalização do inglês, desde que acompanhada de exposição massiva ao idioma e boas práticas de input.
O aprendizado de uma segunda língua costuma suscitar debates acalorados sobre métodos, estratégias e crenças pedagógicas. Uma das questões mais recorrentes é a do papel da tradução: é possível ou desejável aprender inglês sem recorrer a ela? Em vídeo recente, Anderson Corrêa, criador do canal "Inglês Sem Traduzir", defende que a tradução atrapalha o desenvolvimento da fluência e deve ser evitada sempre que possível. Segundo ele, associar palavras diretamente ao seu significado, sem passar pelo português, seria um caminho mais eficiente e natural. Contudo, essa tese merece ser analisada com cuidado.
Corrêa parte da premissa de que a tradução retarda o raciocínio, pois divide o tempo de estudo entre dois idiomas. Argumenta que o aprendiz que associa "hi" a "oi", por exemplo, pode acabar memorizando melhor o termo em português do que em inglês. Ainda que esse fenômeno seja real em estágios iniciais, o argumento ignora que a tradução, nesse caso, funciona apenas como uma ponte provisória. A fluência real emerge quando essa ponte é atravessada tantas vezes que deixa de ser necessária. O problema, portanto, não é a tradução em si, mas a ausência de um volume significativo de input em inglês.
Stephen Krashen, em sua teoria do Comprehensible Input, já afirmava que a aquisição de linguagem acontece quando o estudante é exposto a mensagens ligeiramente acima de seu nível atual, mas ainda compreensíveis (Krashen, 1985). Nesse modelo, a tradução pode ser útil inicialmente para tornar o input mais acessível, especialmente quando o aluno ainda não tem vocabulário suficiente para inferir significados a partir do contexto. Com o tempo, à medida que se acumula experiência com o idioma, a dependência da tradução naturalmente desaparece.
Corrêa também alega que a tradução favorece o aprendizado de sílabas, e não de frases. Mas essa crítica parece confundir método com mau uso do método. O problema não está em traduzir, mas em traduzir palavra por palavra, sem considerar o todo. Se o estudante se acostuma a trabalhar com frases completas, entender blocos de palavras (os chamados chunks), e praticar com textos e áudios contextualizados, a tradução pode ajudar na construção da consciência linguística, sem impedir o progresso. Aliás, o próprio Corrêa reconhece a importância do chunking, o que indica que ele valoriza o aprendizado em blocos, mesmo que inicialmente sejam traduzidos.
De fato, aprender chunks como “I want you to” ou “Would you like to” e usá-los repetidamente em diferentes contextos tem se mostrado uma das estratégias mais eficazes para avançar no inglês falado. Como argumentam Nation e Webb (2011), o domínio de expressões fixas e coligações verbais acelera a fluência e reduz o tempo de processamento cognitivo, mesmo que o estudante tenha começado com uma tradução inicial desses blocos.
Outro ponto de acordo com Corrêa é sua crítica ao uso de traduções automáticas e superficiais em aplicativos como o Duolingo. Quando o aluno se contenta em apenas reconhecer a versão portuguesa de uma frase, sem internalizar a estrutura gramatical e o sentido exato em inglês, cria-se uma falsa sensação de aprendizado. Contudo, essa é uma falha de método, não uma consequência inevitável da tradução. A tradução deve ser ferramenta, não objetivo.
O principal risco de banir completamente a tradução do processo de aprendizado é assumir que o contato com o idioma estrangeiro pode, desde o início, acontecer de forma natural e direta. Essa abordagem ignora as limitações cognitivas e emocionais de quem está começando a aprender. A tradução, nesse cenário, funciona como um apoio temporário — algo que auxilia na construção de sentido enquanto o aluno ainda não é capaz de operar com segurança no novo idioma.
É claro que, com o tempo, a dependência da tradução precisa diminuir. Afinal, como apontam autores como Ellis (2008), a fluência verdadeira acontece quando o estudante consegue pensar na nova língua, compreender nuances e fazer inferências contextuais sem precisar recorrer à língua materna. Mas essa autonomia não surge do nada: ela é o resultado de uma prática constante de escuta, leitura e análise — com ou sem tradução.
Por fim, é válido lembrar que todo processo de construção de sentido envolve algum tipo de tradução conceitual, mesmo que não verbal. Quando associamos uma palavra a uma imagem, a um gesto ou a uma emoção, estamos, de certo modo, traduzindo aquela palavra para algo que já conhecemos. Nesse sentido, a fronteira entre aprender com ou sem traduzir é mais tênue do que parece.
Referências bibliográficas
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Ellis, R. (2008). The Study of Second Language Acquisition. Oxford University Press.
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Krashen, S. D. (1985). The Input Hypothesis: Issues and Implications. Longman.
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Nation, I. S. P., & Webb, S. (2011). Researching and Analyzing Vocabulary. Heinle Cengage Learning.
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Webb, S. (2020). Vocabulary in Language Teaching. Cambridge University Press.