O Brasil é um dos países mais ricos em diversidade linguística do planeta. Estima-se que, no período pré-colonial, existissem entre 1.000 e 1.500 línguas indígenas faladas em território brasileiro. No entanto, com o avanço da colonização europeia, a imposição da língua portuguesa e o processo contínuo de marginalização das populações originárias, essa diversidade sofreu um impacto devastador. Atualmente, restam pouco mais de 180 línguas indígenas em uso, muitas delas faladas por menos de cem pessoas e ameaçadas de extinção.
O apagamento das línguas indígenas não é apenas um fenômeno linguístico, mas sobretudo um processo político e cultural. Como aponta a linguista Yonne Leite, cada língua carrega uma visão de mundo específica, um conjunto de saberes, mitos, valores e modos de vida. Assim, o desaparecimento de uma língua representa também a perda de uma forma de existência, de um modo singular de habitar o mundo. O linguicídio — termo utilizado para designar a extinção forçada de línguas — configura-se, portanto, como uma violação dos direitos humanos e um ataque à memória e à identidade dos povos indígenas.
Esse processo de apagamento tem raízes históricas profundas. A política de homogeneização cultural promovida pelo Estado brasileiro ao longo dos séculos — especialmente durante o período da ditadura militar — incentivou o abandono das línguas indígenas em nome de uma “integração nacional”. A escola, muitas vezes o único espaço de contato das comunidades indígenas com a institucionalidade, operava como um instrumento de aculturação, proibindo o uso das línguas nativas e promovendo a ideia de que o português era a única língua legítima.
Nas últimas décadas, no entanto, movimentos indígenas organizados vêm lutando pela revitalização de suas línguas e pela valorização de suas identidades linguísticas. Projetos de educação bilíngue, a formação de professores indígenas e a elaboração de materiais didáticos em línguas nativas têm sido estratégias fundamentais para reverter, ainda que parcialmente, os efeitos do apagamento histórico. Como mostra o antropólogo Stephen Baines, a luta pelo direito à língua é, ao mesmo tempo, uma luta pelo território, pela autonomia e pelo reconhecimento.
É fundamental que a linguística e as ciências humanas em geral assumam um papel ativo na defesa das línguas indígenas, não apenas como objetos de estudo, mas como patrimônios vivos, em constante transformação. Isso implica escutar as comunidades, respeitar seus modos próprios de conceber a linguagem e apoiar iniciativas que partam de seus interesses e necessidades. A revitalização linguística é, nesse sentido, um gesto de resistência e de reexistência.
O reconhecimento da pluralidade linguística brasileira não deve ser visto como ameaça à unidade nacional, mas como uma de suas maiores riquezas. Valorizar as línguas indígenas é reconhecer a história que nos constitui, reparar injustiças históricas e afirmar a diversidade como fundamento de uma sociedade mais justa e democrática.
Referências bibliográficas:
LEITE, Yonne. Línguas indígenas brasileiras: fonologia, gramática e história. São Paulo: Contexto, 2005.
BENTES, Ana Cristina. Linguística e direitos linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O português do Brasil na escola indígena. Brasília: MEC, 1998.
CAVALCANTI, Marilda. Linguística aplicada na contemporaneidade. Campinas: Mercado de Letras, 2011.
BAINES, Stephen. Os direitos linguísticos e a luta pela educação bilíngue no Brasil. Revista Estudos Avançados, v. 33, n. 96, 2019.
UNESCO. Atlas of the World’s Languages in Danger. Paris: UNESCO, 2010.