O esvaziamento do sagrado na poesia moderna
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Por: Gabriel S.
17 de Julho de 2025

O esvaziamento do sagrado na poesia moderna

Da transcendência à ironia

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A poesia ocidental nasceu profundamente atrelada ao sagrado. Nas civilizações antigas, os poetas eram, muitas vezes, sacerdotes ou videntes, e seus versos cumpriam funções rituais, invocatórias, místicas. O discurso poético era uma tentativa de acessar o transcendente, de nomear o inominável, de estabelecer uma ponte entre o humano e o divino. A linguagem poética era, portanto, um instrumento de elevação espiritual, e o poeta, um mediador entre mundos.

Com o advento da modernidade, essa visão começa a se desfazer. A secularização da sociedade, a ascensão do racionalismo e o avanço da ciência deslocam o eixo do sagrado para o terreno da interioridade humana, e a poesia — espelho sensível das transformações do mundo — também se reinventa. Ao longo dos séculos XIX e XX, observa-se um progressivo esvaziamento do sagrado na poesia, que passa da busca de transcendência para a valorização da imanência, e em muitos casos, para a crítica, o ceticismo ou mesmo a ironia.

Na poesia simbolista, como a de Cruz e Sousa e Stéphane Mallarmé, ainda encontramos resquícios do desejo de transcendência, mas esta já se dá por meio de uma linguagem hermética, nebulosa, fragmentada — sinais de uma crise do sagrado. A palavra já não nomeia com clareza, mas sugere, insinua, cria atmosferas que apontam para um mistério indecifrável. O sagrado aqui é já uma ausência, um eco, um desejo impossível.

Com o modernismo, especialmente nas vertentes mais iconoclastas, como a de Mário de Andrade e Oswald de Andrade no Brasil, o sagrado sofre uma inflexão decisiva. Torna-se alvo de questionamento, de sátira, de reapropriação. Em “Ode ao burguês”, Mário de Andrade utiliza imagens e estruturas de hinos religiosos para escarnecer dos valores da elite paulistana, revelando uma dessacralização consciente da linguagem poética. O poeta moderno já não busca o divino, mas a crítica da sociedade, a demolição de mitos.

No campo anglófono, autores como T.S. Eliot ilustram essa transição com especial complexidade. Em The Waste Land, encontramos uma poesia repleta de referências religiosas e mitológicas — cristãs, hindus, gregas —, mas reunidas de forma fragmentária, caótica, como se o poeta já não acreditasse na possibilidade de um sistema coeso de sentido. A modernidade é apresentada como um deserto espiritual, uma terra devastada pela perda do sagrado, onde só resta o eco dos antigos rituais.

Na poesia contemporânea, essa ruptura se intensifica. Autores como João Cabral de Melo Neto constroem sua poesia como recusa explícita do transcendentalismo lírico. Em A educação pela pedra, a linguagem é seca, objetiva, artesanal. O poeta não se propõe a elevar, mas a descrever, construir, lapidar. A poesia não busca mais “revelações”, mas uma apreensão precisa e concreta do mundo.

Por outro lado, a ironia se torna, em muitos casos, uma nova forma de lidar com o vazio deixado pela perda do sagrado. Como mostra Octavio Paz em O arco e a lira, o riso e a paródia passam a ocupar o lugar do rito, e o poeta moderno — ao invés de sacerdote — torna-se bufão, cético, trapezista das palavras. A ironia revela, assim, não apenas uma recusa da transcendência, mas também uma tentativa de lidar com o abismo que ela deixou.

Portanto, o que se observa é que a modernidade poética não elimina o sagrado, mas o reconfigura. Ele continua presente, mesmo que como ausência, ruína ou simulacro. A poesia moderna não é ateia, mas melancólica: não celebra deuses, mas chora a sua partida. E ao fazer isso, paradoxalmente, continua cumprindo uma função essencialmente espiritual: a de confrontar o mistério da existência com a força da linguagem.


Bibliografia

  • ANDRADE, Mário de. Pauliceia Desvairada. São Paulo: Ed. Martins, 1922.

  • CABRAL DE MELO NETO, João. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.

  • ELIOT, T. S. The Waste Land. London: Faber & Faber, 1922.

  • MALLARMÉ, Stéphane. Poésies. Paris: Gallimard, 1945.

  • PAZ, Octavio. O arco e a lira. São Paulo: Perspectiva, 1982.

  • SOUSA, Cruz e. Broquéis. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2000.

  • TOLENTINO, Bruno. Imitação do amanhecer. Rio de Janeiro: Record, 1993.

  • ZWEIG, Stefan. O mundo de ontem. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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