
Do sublime ao espetáculo

em 17 de Julho de 2025
A melancolia ocupa lugar de destaque na sensibilidade moderna, sendo uma das marcas mais intensas das manifestações artísticas dos séculos XIX e XX. Nas artes plásticas, na música e na literatura, especialmente nos movimentos simbolista e impressionista, a melancolia não apenas aparece como tema, mas também como atmosfera, ritmo e forma. Ela se configura como uma resposta subjetiva às transformações sociais profundas causadas pela Revolução Industrial, pelo crescimento das cidades e pela crise de sentido que acometeu o sujeito moderno diante da fragmentação do mundo.
No simbolismo literário, a melancolia é frequentemente associada ao sentimento de exílio interior, à busca por transcendência e à contemplação de um absoluto inalcançável. Poetas como Cruz e Sousa e Charles Baudelaire erguem uma poética marcada pela introspecção e pelo sofrimento, utilizando a musicalidade das palavras e as imagens sinestésicas como recursos para expressar o indizível. O simbolista não nomeia diretamente a dor; ele a insinua, a envolve em véus, sugerindo mais do que afirmando, como forma de respeitar o caráter inefável da experiência melancólica.
Na pintura impressionista, a melancolia assume uma forma mais visual e atmosférica. Pintores como Claude Monet, Édouard Manet e Edgar Degas exploram luzes difusas, cenas solitárias, figuras em repouso ou absortas em si mesmas. A escolha por representar instantes fugidios, jogos de luz e sombra e paisagens contemplativas revela uma sensibilidade voltada ao efêmero, ao vago e ao etéreo — dimensões próprias da melancolia. Trata-se de uma poética da suspensão, em que o tempo parece hesitar e a subjetividade se dilui no mundo exterior.
Na música, a melancolia encontra sua expressão plena nas composições de Claude Debussy. Peças como Clair de Lune ou Prélude à l'après-midi d'un faune exploram escalas modais, harmonias ambíguas e ritmos flutuantes para construir um espaço sonoro em que predomina o vago, o brumoso, o não resolvido. A ausência de tensões harmônicas tradicionais e o uso deliberado do silêncio criam um campo sonoro em que a melancolia não é um tema, mas uma experiência sensorial. Debussy não traduz o sentimento: ele o faz acontecer.
O que une os simbolistas e os impressionistas, portanto, não é apenas o tempo histórico em que produziram, mas uma mesma atitude estética: a recusa da objetividade, a valorização da subjetividade e o mergulho nas zonas imprecisas da consciência. A melancolia, nesse sentido, torna-se uma via de acesso à interioridade, uma forma de resistir à mecanização do mundo e de afirmar a singularidade do sujeito.
Mais do que um sentimento passivo ou negativo, a melancolia é aqui compreendida como modo de percepção do mundo. Ela não paralisa o artista; ao contrário, o impele a criar formas que possam dar conta do inexprimível. É por isso que a arte simbolista e impressionista permanece viva: porque continua oferecendo, aos que vivem em tempos de pressa e ruído, um espaço para a lentidão, para o silêncio e para a escuta do que há de mais íntimo na alma humana.
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. São Paulo: Autêntica Editora, 2010.
CRUZ E SOUSA. Broquéis. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
TOLENTINO, Bruno. Imitação do amanhecer. Rio de Janeiro: Record, 1996.
GOMBRICH, Ernst. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2000.
MAUAD, Ana Maria. A melancolia nas artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 2012.
DEBUSSY, Claude. Clair de Lune e outras composições. Paris: Durand, 1905.
ZWEIG, Stefan. O mundo que eu vi. São Paulo: Zahar, 2006.