Ao contrário do que se pensa comumente, o silêncio não é ausência de linguagem, mas uma forma ativa de significação. Em contextos de relações de poder, o silêncio adquire uma função estratégica, ora como forma de resistência, ora como tática de dominação. Este artigo propõe uma reflexão sobre a dimensão discursiva do silêncio, considerando suas implicações simbólicas, políticas e afetivas.
Michel Foucault (1979) já indicava que o silêncio está profundamente imbricado nas tramas do poder. Para ele, o poder não se exerce apenas por meio do que se diz, mas também pelo que se cala. A exclusão de certos discursos, a recusa de escuta e a marginalização de vozes não são meras omissões: são práticas discursivas sustentadas por dispositivos de controle e normalização.
Na análise do discurso, o silêncio é compreendido como parte do enunciado. Como aponta Eni Orlandi (1996), todo dizer carrega consigo um não-dizer, uma zona de exclusão que também comunica. O que não é dito, o que é evitado, o que se cala — tudo isso constitui um horizonte de sentido que afeta diretamente a interpretação do discurso. O silêncio, nesse sentido, não é vazio, mas prenhe de significações.
A atuação estratégica do silêncio nas relações de poder pode ser observada em diferentes esferas. No campo político, por exemplo, silenciar uma questão (como o racismo estrutural ou a violência policial) pode significar não apenas ignorá-la, mas interditar sua visibilidade. Ao mesmo tempo, movimentos sociais também se valem do silêncio como gesto político — como nos protestos silenciosos ou nas greves de fala — para demonstrar luto, resistência ou indignação.
No âmbito das relações interpessoais, o silêncio também é polissêmico. Pode significar consentimento, recusa, reflexão, desprezo ou medo. Em situações de violência simbólica, como as apontadas por Pierre Bourdieu (1998), o silêncio pode ser um efeito do assujeitamento: o sujeito silenciado internaliza as hierarquias que o oprimem, tornando-se cúmplice de sua própria marginalização. Mas, ao mesmo tempo, pode ser uma forma de reconfigurar o jogo discursivo e deslocar o lugar da fala.
Na esfera educacional, é comum interpretar o silêncio dos alunos como desinteresse ou ignorância. No entanto, ao se considerar o silêncio como uma prática discursiva, ele pode revelar formas de resistência ao discurso pedagógico hegemônico. Alunos silenciosos, por exemplo, podem estar se protegendo de uma violência simbólica, questionando a autoridade do saber transmitido ou tentando elaborar, de forma interna, o conteúdo apresentado.
Em síntese, o silêncio deve ser reconhecido como elemento constitutivo do discurso. Ele participa da produção de sentido, modela os jogos de linguagem e revela dinâmicas complexas de poder. Pensar o silêncio não como ausência, mas como presença discursiva, é abrir espaço para escutar o que muitas vezes permanece abafado, mas que pulsa nas entrelinhas.
Referências bibliográficas:
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1996.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2015.
BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.