A linguagem é, por excelência, o instrumento por meio do qual o ser humano se comunica, se constitui e compartilha o mundo. No entanto, sua capacidade de dar conta da complexidade da experiência subjetiva é frequentemente colocada em questão. O que sentimos, pensamos ou intuímos nem sempre encontra forma verbalizável, o que evidencia os limites da linguagem diante da interioridade humana.
Wittgenstein, em sua obra Tractatus Logico-Philosophicus, já alertava para os contornos do indizível: “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.” Essa afirmação sintetiza o dilema da linguagem diante da subjetividade: ela é ao mesmo tempo meio e obstáculo. A experiência íntima — afetos, traumas, estados de alma — muitas vezes escapa à normatividade da linguagem cotidiana, exigindo estratégias estéticas que ultrapassem os limites da denotação.
Na literatura moderna, essa inquietação é recorrente. Autores como Clarice Lispector, Virginia Woolf e Marcel Proust enfrentam o desafio de traduzir em palavras aquilo que parece inapreensível: a duração do tempo subjetivo, as nuances de um pensamento inacabado, as emoções fugidias. O uso da linguagem poética, da fragmentação narrativa, da ambiguidade e da introspecção são tentativas de contornar esses limites. A linguagem, nesses casos, deixa de ser veículo da certeza para se tornar reflexo da hesitação, da dúvida e da incerteza do sujeito moderno.
A filosofia da linguagem também se debruça sobre essa questão. Paul Ricoeur, ao discutir a metáfora e a hermenêutica, propõe que o sentido emerge não apenas da referência direta ao real, mas da tensão entre o dito e o não-dito. A linguagem poética, portanto, não é um enfeite, mas uma possibilidade de dizer o indizível.
Na psicanálise, Freud e Lacan também reconhecem os limites do verbal. O inconsciente, estruturado como uma linguagem, manifesta-se muitas vezes de forma oblíqua — por atos falhos, sonhos, sintomas —, revelando que há sempre um resto que escapa à fala consciente. A linguagem, nesse sentido, é atravessada por falhas que apontam para o que ela não consegue representar completamente.
Em um mundo saturado por discursos, reconhecer os limites da linguagem pode ser um gesto ético e estético. O silêncio, o intervalo, o não-dito podem ter um valor expressivo tão ou mais potente do que a palavra. A arte contemporânea, inclusive, explora essas zonas de indeterminação como forma de provocar o espectador e gerar novos modos de experiência.
A tensão entre linguagem e subjetividade revela, portanto, não a insuficiência da primeira, mas a complexidade da segunda. O desafio está em encontrar formas de expressão que não violentem a experiência íntima ao reduzi-la, mas que acolham sua ambiguidade, seu inacabamento, sua natureza essencialmente fluida.
Referências bibliográficas:
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Nova Cultural, 1994.
RICOEUR, Paul. A metáfora viva. São Paulo: Loyola, 2005.
LACAN, Jacques. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. São Paulo: Globo, 2003.
WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. São Paulo: Penguin Companhia, 2014.