Resumo
Este artigo investiga a ideia de que muitos estudantes brasileiros de inglês acreditam compreender o idioma, mas na verdade ainda não atingiram um nível profundo de assimilação estrutural. Argumenta-se que a familiaridade com o contexto e o significado geral das frases pode gerar uma falsa sensação de competência, ocultando lacunas importantes no domínio de estruturas gramaticais fundamentais. Com base na teoria do input compreensível de Stephen Krashen e nas abordagens cognitivas de aprendizagem linguística, defende-se que o verdadeiro entendimento exige atenção consciente aos detalhes estruturais da língua.
Milhões de brasileiros estudam inglês hoje em dia, mas grande parte desses estudantes compartilha uma mesma frustração: dizem que compreendem o idioma, mas não conseguem falar. Embora esse sentimento seja legítimo, ele costuma estar ligado a um problema mais profundo — a falsa ideia de que compreender o inglês é o mesmo que captar o sentido geral de uma frase ou entender o que está sendo dito apenas com base em palavras soltas e contexto visual.
A tese que proponho é simples, mas crucial: muitas pessoas acreditam que entendem inglês, mas não entendem de verdade. Essa falsa compreensão ocorre porque, na prática, essas pessoas não internalizaram aspectos estruturais essenciais da língua. Um exemplo claro disso pode ser visto quando pedimos a um estudante que traduza a frase “Você tem tempo com sua família?” para o inglês. Em vez de responder “Do you have time with your family?”, muitos dizem apenas “You have time…?”, omitindo o “do”, que é indispensável na formação de perguntas em inglês.
Esse tipo de erro revela mais do que uma falha pontual: revela que, ao ouvir expressões como “Do you have...?” em séries ou podcasts, o aluno deixa passar o “do”. O som está ali, mas não é processado com significado. O aluno entende “have” e “car”, por exemplo, mas ignora o artigo “a”, não porque não tenha ouvido, mas porque não deu atenção a ele. O mesmo vale para pronomes possessivos como “his” e “her”, cuja posição e uso diferem bastante do português e exigem um esforço mental deliberado para serem assimilados corretamente.
Essa ausência de esforço consciente no processamento das estruturas impede que o aluno progrida. A compreensão da estrutura da língua não é algo que acontece automaticamente — ela exige esforço cognitivo, reflexão e repetição. Krashen (1985), em sua teoria do Comprehensible Input, argumenta que o aprendizado de uma segunda língua ocorre quando o aluno entende mensagens de forma significativa, mas esse entendimento precisa ir além do sentido geral e alcançar as formas específicas da língua. Sem esse nível de atenção, não há aquisição real, apenas uma ilusão de compreensão.
A solução para esse problema está em duas estratégias principais. A primeira é o uso sistemático de textos com áudio, que permitem ao aluno observar como a forma escrita da frase se conecta aos sons e significados. A segunda é o uso do Anki, um aplicativo de flashcards que permite revisar vocabulário e estruturas de forma espaçada, reforçando a memorização e a ligação entre som, forma e sentido. Mas mesmo com essas ferramentas, o que faz a diferença é o tipo de atenção que o estudante decide empregar durante o estudo.
O aprendizado da língua inglesa exige um realinhamento da forma como se entende o processo de compreender. A verdadeira compreensão é ativa, detalhada e exige que cada palavra, cada estrutura, cada som carregue significado. Somente quando isso acontece é que o aluno desenvolve a base necessária para falar com fluência. Enquanto isso não ocorre, o inglês permanece como um campo de familiaridade superficial — e não como uma linguagem internalizada, pronta para ser usada.
Referências bibliográficas
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Krashen, S. D. (1985). The Input Hypothesis: Issues and Implications. Longman.
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VanPatten, B. (2002). Processing Instruction: An Update. Language Learning, 52(4), 755–803.
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Ellis, R. (2008). The Study of Second Language Acquisition. Oxford University Press.
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Nation, I. S. P. (2001). Learning Vocabulary in Another Language. Cambridge University Press.