DOR EPIGÁSTRICA NO PRONTO ATENDIMENTO
Por: Leonardo F.
11 de Novembro de 2021

DOR EPIGÁSTRICA NO PRONTO ATENDIMENTO

DOR EPIGÁSTRICA - DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Medicina Cardiologia Síndrome coronariana aguda Gastroenterologia Clínica Médica Medicina de Emergência

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO | ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA - CLÍNICA MÉDICA |  CURSO MÉDICO | 2021 | TEMA: DOR EPIGÁSTRICA | 

Autor: Leonardo de Sena Fessori 

A dor abdominal é uma entidade clínica que exige elevada capacidade de discernimento, tendo em vista que abrange uma diversidade de diagnósticos diferenciais, os quais podem ou não oferecer risco iminente à vida do paciente. Quando o diagnóstico sindrômico é de dor epigástrica, devemos considerar que os diagnósticos anatômico e etiológico podem estar relacionados tanto com órgãos intra-abdominais, quanto a órgãos extra-abdominais (dor referida ou de causas metabólicas). O médico deve ser capaz de distinguir as causas que necessitam de rápida intervenção, clínica ou cirúrgica, daquelas que não precisam ser conduzidas como um caso de urgência ou emergência. A anamnese e o exame físico pormenorizados, na medida em que o contexto permitir, são imprescindíveis para a construção do raciocínio clínico. Na maioria dos casos de dor epigástrica aguda, o diagnóstico pode ser prontamente definido com base nos sinais e sintomas clínicos sob a luz de dados epidemiológicos (Ex.: idade, gênero, ocupação laboral) das principais hipóteses diagnósticas. A caracterização minuciosa da dor é um dos aspectos mais reveladores da história do paciente, pois, como veremos mais adiante, existem diferentes mecanismos fisiopatológicos de dor. Nesse sentido, as eventuais hipóteses diagnósticas podem apresentar diferentes intensidades de dor, com diferentes padrões de irradiação ou diferentes fatores de melhora/ piora (todos os caractéres propedêuticos da dor estão reunidos na tabela abaixo). No exame físico, os achados à ectoscopia podem falar a favor ou contra um dado diagnóstico. Como por exemplo, posição no leito, atividade respiratória, estado geral, etc. Os sinais vitais também são fundamentais para avaliar o comprometimento sistêmico/ hemodinâmico do paciente. Por exemplo, hipotensão associada a taquicardia e/ou taquipneia sugere possível choque hipovolêmico, o qual pode ter sido precipitado por úlcera gástrica em franca hemorragia ou ruptura de um aneurisma. 

Em alguns casos, a propedêutica complementar pode ser bastante útil. A eletrocardiografia, por exemplo, é fundamental para o diagnóstico de IAM, dado que tal exame pode detectar anormalidades que refletem sofrimento cardíaco por isquemia. Os exames de imagem, como USG ou TC, por sua vez, podem confirmar a afecção de alguma víscera abdominal ou até mesmo a presença de aneurismas de aorta ou derrames cavitários. A endoscopia digestiva alta fornece dados que são utilizados como critério diagnóstico da gastrite e DUP. Por fim, a bioquímica laboratorial pode indicar danos teciduais ou falência orgânica, como é o caso do uso da concentração sérica da amilase pancreática no manejo de pancreatites agudas.  

 

Caracteres propedêuticos da dor: duração, intensidade, localização, irradiação, padrão (contínua ou intermitente), fatores de melhora ou piora (relação com alimentos), fatores desencadeantes e fatores concomitantes (febre, perda ponderal, astenia, anorexia, sudorese, palidez cutânea, náusea, vômitos, artralgias, etc) e ordem cronológica dos eventos

 

As características da dor variam de acordo com o tipo de estrutura acometida, assim como as vias nociceptivas relacionadas. Postula-se que a dor pode ter origem (1) visceral, (2) parietal, (3) tipo referida, (4) neurogênica ou (5) psicogênica

 

(1): ocorre por distensão/ obstrução da víscera oca, estiramento da cápsula de órgão sólido, isquemia ou inflamação → geralmente não é tão bem localizada quanto a dor visceral. Geralmente, a dor por obstrução é intermitente, ao passo que a dor por distensão ou por isquemia tendem a ser contínuas. A intensidade é variável. 

(2): inflamação do peritônio parietal → dor constante, bem localizada, intensidade varia de acordo com a natureza, volume e o tempo de exposição à substância → suco gástrico, suco pancreático, bile, sangue, fezes e urina → dor sempre agravada por compressão ou por pesquisa de hipersensibilidade rebote (palpação, tosse ou espirro). Paciente evita movimentar-se. 

(3): o sítio do estímulo doloroso compartilha a mesma via aferente nociceptiva com a região onde a dor é relatada → geralmente apresenta maior retardo respiratório, respiração mais curta e não há aumento de dor à palpação. 

(4): lesão neurológica direta.

(5): experiência dolorosa sem estímulo nociceptivo associado. 

 

Os principais diagnósticos diferenciais são: DRGE, gastrite, doença ulcerosa péptica, pancreatite aguda, distensão aguda do ducto colédoco e de ductos pancreáticos, esofagite, IAM, pericardite e aneurisma roto da aorta

 

DRGE | Definição: condição clínica que se desenvolve quando o refluxo do conteúdo procedente do estômago provoca sintomas desagradáveis e/ou complicações. O conteúdo gástrico é nocivo ao esôfago, sendo capaz de lesá-lo e/ ou gerar sintomas. A esofagite provocada pela exposição ao refluxato provoca sintomas que são proporcionais ao tempo de exposição ao refluxo ácido e ao pH (<10% apresenta refluxo fracamente ácido ou alcalino). 

Epidemiologia: prevalência (Brasil): 12 a 20%.

Fisiopatologia: relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior (RTEEI) → mediado pelo n. vago e influenciado pela distensão gástrica proximal (sólido ou gasoso) →  maioria dos episódios de refluxo. | Fatores de proteção à DRGE: saliva, peristalse e junção esofagogástrica (JEG), que tem como componente anatômico o EEI. | Fatores agressores: RTEEI, hipotensão do EEI, bolsa ácida , aumento da distensibilidade da JEG, clearence esofágico prolongado, velocidade de esvaziamento gástrico reduzida e hérnia de hiato (HH). A HH > 3 cm aumenta ainda mais os riscos.Fatores que influenciam a sensibilidade visceral (percepção dos sintomas): pH do refluxato, volume proximal do refluxato, presença de gás no refluxato, presença de refluxo duodenogastroesofágico, contração da musculatura longitudinal, integridade da mucosa e a sensibilidade periférica e central. Barreiras antirrefluxo: EEI, cruca diafragmática, EEI intra abdominal e ângulo de Hiss. EEI: músculo liso, mede de 2 a 4 cm. Pressão de repouso entre 10 a 30 mmHg, mantém pressão por estimulação excitatória de neurônios colinérgicos.Crura: compressão extrínseca de 5 a 10 mmHg. 

Ângulo de Hiss: A entrada oblíqua no estômago cria um efeito de válvula. Mecanismos que favorecem o refluxo:

HH: migração do EEI proximal em relação à cruca →  maior exposição e conteúdo gástrico fica represado no saco herniário (entre EEI e a crura). Aumento da distensibilidade da JEG (aumento do volume quando submetido a uma dada força) →  permite maior volume de conteúdo gástrico e permite um número maior de RTEEI. Clearence esofágico reduzido: mecânico (peristalse) e químico (HCO3). Esvaziamento gástrico lento: maior tempo de distensão gástrica.

Características do refluxato: acidez: pH < 4 ácido; entre 4 e 7 é levemente ácido e pH > 7 alcalino. Refluxos não ácidos estão mais associados a episódios sintomáticos. Em usuários de IBP →  83% dos episódios sintomáticos apresentavam pH levemente ácido ou alcalino. Refluxo gasoso: distensão do lúmen esofágico estimula os mecanorreceptores. 

- Refluxo duodenogastroesofágico: além do ácido, apresenta pepsina, tripsina e ácidos biliares --> são mais nocivos, mas tanto o refluxo biliar, quanto o misto não correspondem a menos de 12% (cada)  dos refluxos sintomáticos.

Contração do músculo longitudinal: provoca isquemia transitória da parede esofageana --> 70% dos pacientes com pirose podem apresentar este distúrbio muscular.  Integridade da mucosa: quebra da barreira epitelial-escamosa expõe os nociceptores da lâmina própria ao conteúdo do refluxato. Hipersensibilidade visceral: consequência do upregulation de receptores em face do processo inflamatório ácido-induzido --> amplificação dos sintomas. Inclusive com repercussões centrais, pois há sensibilização do sistema límbico, que tem como uma de suas funções o controle sensitivo do TGI. Consequentemente, há redução do limiar de dor. 

 

Quadro clínico | Sintomas típicos: pirose e regurgitação | Atípicos: tosse, laringite, asma, rouquidão, pigarro e sensação de globus. Tosse/ laringite de refluxo e asma →  causas diretas (aspiração) ou indiretas (mediados via n. vago). 

Devemos caracterizá-los em: sua relação com a alimentação, exercícios físicos e postura do indivíduo e presença de manifestações típicas. Diagnóstico clínico em pacientes com até 45 anos e que buscam assistência médica sem sinais de alerta, tais como: anemia, hemorragia digestiva, perda ponderal, disfagia ou odinofagia. Recomenda-se EDA antes de iniciar tratamento para futuras comparações. DRGE: (1) não erosiva ou  (2) erosiva.

 

(1): apresentação mais frequente, sendo que os sintomas podem estar relacionados a exposição anormal ao refluxato ou ao aumento da hipersensibilidade ao refluxato na exposição normal

Ademais, alguns pacientes não apresentam evidências de refluxo gástrico anormal, sugestionando que os sintomas seriam causados por conteúdo levemente ácido ou alcalino, assim como pelo próprio processo inflamatório. Geralmente, mantêm-se tratamento empírico com IBPs. (2): mais relacionada aos sintomas típicos da doença, assim como a alterações ao exame endoscópico. 

 

Diagnóstico: 

ID: gênero e idade são aspectos relevantes | Sintomas: queixa, duração e frequência | Pirose: sensação de queimação retroesternal →  ocorre algum tempo após refeições, sobretudo, refeições gordurosas. | Regurgitação: percepção do fluxo do conteúdo gástrico refluído para a boca ou hipofaringe. Comorbidades: obesidade (aumento da pressão intra abdominal). A atividade física pode predispor ao DRGE. Os sintomas atípicos podem ou não estar associados aos sintomas descritos anteriormente. As principais manifestações atípicas são: dor torácica não cardíaca (DTNC), tosse crônica, laringite, asma, rouquidão, pigarro, sensação de globus. Asma, laringite e tosse →  fibrose pulmonar. DTNC: afastar causas cardíacas que geralmente oferecem maior risco à vida do paciente (IAM, aneurisma de aorta, pericardite). 

 

Diagnóstico | Teste terapêutico empírico: IBP dose padrão (contraindicado pelo consenso nacional, exceto em pacientes com sintomas atípicos - GRAU A de recomendação: dose dupla por 8 semanas), em detrimento da resposta ao próprio tratamento clínico. Em situações inconclusivas, podemos lançar mão da (1) pHmetria de 24 horas ou a (2) impedâncio-pHmetria. 

(1) pHmetria: indicado para pacientes com doença não erosiva, assim como para complementar a investigação de doença refratária ao uso de IBP e em situações em que o diagnóstico de DRGE é questionável. (2) diferencia o trânsito esofágico de sólidos e líquidos, além de caracterizar a acidez do refluxato. Exames subsidiários: 

EDA (desnecessária em pacientes com sintomas típicos e de pouca idade. Útil para caracterizar lesões e realizar diagnóstico e acompanhamento de complicações da DRGE, tais como Barret, úlceras, estenose e adenocarcinoma) e Bx do esôfago. Esofagograma (radiografia contrastada): não é indicado para realizar diagnóstico, mas sim para investigar queixas de disfagia e odinofagia. Cintilografia: demonstra o refluxo do conteúdo gástrico. Exame pouco disponível e oneroso. Útil para diagnóstico em paciente pediátrico. Manometria esofágica: contraindicado para investigar DRGE, pois o achado de EEI de baixa amplitude não necessariamente se traduz em refluxo sintomático. Seu uso está indicado para localizar o EEI, exame pré-operatório (afastar acalasia e distúrbios de motilidade), além de ser útil para investigação complementar de disfagia. 

 

Tratamento | Objetivo: corrigir ou minimizar as consequências do refluxo, além do alívio de sintomas, melhor cicatrização de lesões quando presentes. 

(1) Clínico: mudança no estilo de vida (elevação da cabeceira da cama em 15cm, evitar deitar após refeições, devendo-se aguardar 2 horas, redução do IMC, Evitar refeições copiosas, bem como alimentos gordurosos, álcool, chocolate, tomate, café, chá, bebidas gaseificadas e comer devagar. 

Farmacológico: Omeprazol 40 mg, Lansoprazol 30 mg, Pantoprazol 40 mg, Rabeprazol 20 mg, Esomeprazol 40 mg. Dose: 1x/ dia cerca de 30 a 40 minutos antes do café da manhã. Se houver predomínio de sintomas noturnos, prescrever uso 2x/ dia. A importância do horário de tomada do IBP também é frequentemente sub-apreciada. Os IBP têm meia-vida plasmática curta e inibem, por uma ligação covalente, apenas as bombas protônicas que estão ativadas ao longo dos canais da membrana da célula parietal naquele período de seu pico plasmático. Portanto, não existe muita flexibilidade no horário da tomada da medicação. Uma das estratégias alternativas para contornar o fato de que IBP tem meia-vida curta é a inclusão de um estimulador da secreção ácida gástrica juntamente com o IBP. O ácido succínico exibe atividade semelhante à pentagastrina e foi aprovado pela Food and Drug Administration como um excepiente farmacêutico. 

(2) Fundoplicatura: HH maiores e como opção para terapia em longo prazo, não sendo recomendada para pacientes que não respondem ao tratamento farmacológico. Em termos de eficácia, é equivalente ao tratamento clínico. 

 

Gastrite | Definição: gastrite é inflamação da mucosa gástrica, que pode ser originada por vários fatores etiológicos, como infecções (H. pylori), etanol, estresse decorrente de doenças graves (sepse, traumas, grandes queimados, etc), alguns medicamentos (destaque para AINEs e AAS) e autoimune

Classificação: a gastrite é classificada como erosiva ou não erosiva de acordo com a gravidade da lesão da mucosa causada pelo agente agressor. É também classificada de acordo com sua localização, ou seja, como predominantemente antral ou  predominantemente em corpo gástrico; ou ainda como pangastrite. Histologicamente também é classificada como aguda ou crônica, de acordo com o tipo de célula inflamatória presente. No processo agudo (ativo), há predomínio de infiltrado leucocitário polimorfonuclear, ao passo que após cronificação há predomínio de células mononucleares associado a algum grau de atrofia (com perda da função da mucosa) ou metaplasia. Se acometer o antro, haverá prejuízo na secreção de gastrina, se houver acometimento de corpo gástrico, o prejuízo será na secreção de ácido clorídrico, pepsina e fator intrínseco (FI). Nenhum esquema de classificação corresponde perfeitamente à fisiopatologia, havendo elevado grau de sobreposição.

Gastrite aguda: caracterizada pela necrose e hemorragia da mucosa e ausência ou reduzido infiltrado inflamatório. As causas mais frequentes são etanol, AINEs, ou infecções, estresse metabólico causado por doenças graves e refluxo gástrico. Os AINEs são os medicamentos mais utilizados (prescritos ou não prescritos), ao mesmo tempo em que são os principais fármacos responsáveis por efeitos indesejáveis no sistema gastrointestinal, destacando-se gastrite erosiva, dispepsia e DUP. Tanto os efeitos benéficos, quanto os nocivos decorrem da inibição da síntese de prostaglandinas, que modulam os fatores defensivos ou da barreira mucosa. As causas virais de gastrite aguda são: influenza, HIV, herpes simples, CMV → agressão direta por alteração de função celular. Outras causas bacterianas são: Salmonella, Shigella, Staphylococcus, E. coli → por intermédio de toxinas bacterianas. Por fim, em indivíduos imunocomprometidos, a inflamação gástrica pode causauda por bacilo de Koch, Treponema pallidum, fungos (cândida, histoplasma) ou parasitas (criptosporídio, estrongiloide, giárdia).

Gastrite crônica por H. pylori | O patógeno: um bacilo gram-negativo, cuja principal enzima produzida é a urease, fundamental para sua sobrevivência no ambiente ácido do estômago, pois converte ureia em amônia, tornando o pH do da superfície da mucosa mais alcalino. Além disso, produz enzimas mucolíticas como fator de virulência adicional. Algumas cepas estão mais relacionadas ao maior risco de desenvolvimento de malignidade (adenocarcinoma e linfoma MALT). A prevalência na população gira em torno de 30 a 50%, com os maiores índices em países subdesenvolvidos (onde há menores condições sanitárias), assim apresenta maior índice de contaminação na infância.

Diagnóstico: 

Frequentemente, o quadro agudo é assintomático, mas, quando ocorrem sintomas, o principal é dor (em peso ou em queimação) ou desconforto em região epigástrica. Ocasionalmente, náuseas e vômitos também podem estar presentes. O processo inflamatório/ erosivo também pode provocar hemorragia digestiva, a qual pode ser observada por meio de sinais clínicos de anemia, fezes sanguinolentas ou melena. Anemia ferropriva ocorre quando há hemorragia persistente e de pequena monta, já a anemia normocrômica e normocítica, quando há hemorragia aguda. Também pode estar associado a diarreia, abarcando as gastroenterocolites agudas (GECAs). Pode haver deficiência de potássio, alterações acidobásicas e disfunção renal, decorrentes da desidratação.  Ao exame físico, pode haver dor à palpação do epigástrio.

A gastrite crônica também pode ser assintomática. No entanto, com comprometimento das células parietais pode haver hipocloridria, anemia ferropriva por deficiência na absorção de ferro. As indicações clássicas para pesquisa de infecção por H. pylori por suspeita de gastrite crônica são: sintomas dispépticos, DUP, pós-ressecção cirúrgica de CA, linfoma MALT e antecedente familiar de CA gástrico. Algumas coisas adicionais são: ferropenia idiopática, megaloblastose, deficiência de B12 e púrpura trombocitopênica idiopática (PTI). Diagnóstico por EDA: localiza a região gástrica acometida e possibilita a coleta de material para anatomopatológico, assim como para pesquisa de agentes infecciosos. Ao exame endoscópico, a gastrite aguda pode ser normal, contudo pode ser evidenciada por erosão, úlcera e/ou hemorragia, edema, friabilidade ou granulosidade. Erosão plana na mucosa gástrica leva à suspeita de lesão por AINEs, ao passo que erosão elevada remete a outras etiologias. Nessas condições, material das lesões deve ser obtido para a pesquisa do agente etiológico. As gastrites especiais devem ser suspeitadas quando lesões forem detectadas em paciente imunocomprometido ou o aspecto endoscópico for sugestivo (como exsudato da monilíase, úlceras da citomegalovirose).

Por outro lado, ao exame endoscópico, a gastrite crônica é evidenciada por vasos sanguíneos submucosos, aspecto granular da mucosa e pobreza de pregas (exceto na gastrite hipertrófica). Aspecto micronodular, relacionado à hiperplasia linfoide, é sugestivo da presença de H. pylori.

Tratamento: na doença aguda, o diagnóstico e o tratamento baseiam-se exclusivamente no quadro clínico, todavia, EDA é imprescindível na ocorrência de hemorragia ou de ausência de resposta à terapêutica. O agente etiológico deve ser afastado, destacando-se álcool e/ou anti-inflamatório. Cuidados gerais: analgesia, reposição hidreletrolítica e/ou volêmica, quando necessário, constituem a base do tratamento. O controle do choque e outras medidas de ressuscitação poderão ser necessários. Jejum oral, emprego de procinético (metoclopramida, domperidona ou bromoprida) e sondagem gástrica são necessários na presença de vômitos. Procinéticos por via retal podem evitar ida a pronto-socorro, mas potentes antieméticos (como granisetrona, ondasetrona) podem ser necessários por via intravenosa (IV). Quando a alimentação for possível, a dieta deve ser leve (pouca gordura e carboidratos, principalmente condimentados e de baixo valor biológico). A ingestão fracionada e lenta para evitar a distensão gástrica.

Inibidores da secreção ácida (Bloqueador de receptor H2) e inibidores da bomba de prótons (IBP): devem ser empregados por via oral (VO) ou pela IV de acordo com a gravidade do quadro clínico (dor, vômitos, hemorragia, comorbidade, comprometimento neurológico ou do estado geral). Apesar da eficiência dos BH2 (cimetidina, ranitidina), para tratamento da gastrite aguda, a preferência é crescente em relação aos IBP (lansoprazol, omeprazol). Os fármacos são utilizados da mesma forma que para tratamento da atividade da doença ulcerosa péptica por pelo menos 4 semanas. Antiácidos (magaldrato, hidróxidos de alumínio e/ou de magnésio) e analgésicos (paracetamol ou dipirona) podem ser empregados como sintomáticos. 

Portadores de gastrite crônica e anemia megaloblástica devem ser suplementados com vitamina B12, geralmente por via intramuscular (IM), periodicamente, por toda a vida. Pacientes com gastrite atrófica têm maior possibilidade de sangramento quando usam AINE e/ou álcool, portanto, tratamentos com tais classes farmacológicas devem ser descontinuados. 

Em relação ao H. pylori, há necessidade de erradicação por meio de antibióticoterapia (amoxicilina e claritromicina) associado a IBP. O tratamento anti-Hp mais empregado é constituído pela associação de IBP a dois antimicrobianos (amoxicilina e claritromicina). Deve ser feito acompanhamento endoscópico de portadores de gastrite alcalina e da atrófica com metaplasia intestinal, pelo risco de malignidade. 

Prevenção primária: orientar redução de ingestão de álcool, bem como o uso extremamente racional ou até mesmo proscrição de AINEs. Uma alternativa seria o uso de AINEs seletivos para COX-2 que produz menos efeitos adversos ao TGI.  Ademais, orientar cuidados a qualidade de alimentos e água.

  

Doença Ulcerosa péptica | Definição: a úlcera péptica é definida como a solução de continuidade, maior do que 5 mm, da mucosa gástrica e/ou duodenal, resultando em processo erosivo decorrente da resposta inflamatória desencadeada por algum agente agressor. Embora a epigastralgia intermitente em queimação agravada pelo jejum e atenuada pelas refeições seja uma síndrome associada à doença ulcerosa péptica (DUP), sabe-se que mais de 90% dos pacientes com tais sintomas não têm úlceras, assim como a maioria dos pacientes com DUP são assintomáticos até o surgimento de alguma complicação. Frequentemente, as úlceras gástricas (UG) e úlceras duodenais (UD) são de natureza crônica. As UDs e as UGs têm algumas características em comum no que se refere à patogênese, ao diagnóstico e ao tratamento, mas diversos fatores as diferenciam uma da outra. Os principais fatores de risco para DUP são: a bactéria gram-negativa H. pylori e o uso de AINEs.  

 

Patologia | Diferenças macroscópicas entre úlcera péptica aguda, úlcera péptica crônica e adenocarcinoma ulcerado do estômago

Aguda: em geral pequenas com base marrom escura, indicando que ali há sangue digerido.  Ademais, por ser um fenômeno recente, não há alteração do pregueado ao redor da lesão. Crônica: em geral medem até 4 cm, apresentando  bordas retas (a pique), niveladas e com profundidade variada (lembrando que para ser considerado úlcera tem que atingir no mínimo a muscular própria). Ademais, apresentam fundo limpo e pregas confluentes, em decorrência do processo de fibrose, conferindo um aspecto “estrelado”

Adenocarcinoma:  lesão com bordas irregulares, desniveladas, com perda de aspecto de confluência das pregas, com ou sem sangramento.

UG: frequentemente estão associados à malignidade, portanto devem ser biopsiadas sempre que a UGs podem abrigar uma neoplasia maligna e devem ser biopsiadas quando são diagnosticadas. As UGs benignas são mais frequentemente distais à junção entre o antro e a mucosa que secreta ácido. As UGs benignas associadas ao H. pylori estão também associadas à gastrite antral. Em contrapartida, as UGs relacionadas com os AINEs não são acompanhadas de gastrite ativa crônica, mas podem mostrar evidência de gastropatia química representada por hiperplasia foveolar, edema da lâmina própria e regeneração epitelial na ausência de H. pylori. Também pode haver extensão das fibras musculares lisas para dentro das porções superiores da mucosa, onde não costumam ser encontradas. 

 

Em escala mundial, as UDs predominam em relação às UGs (5:1). As UDs acometem adultos com menos de 45 anos, de ambos os gêneros e tem correlação com antedende familiar (pais/irmãos de pacientes acometidos têm três vezes mais UD). Localiza-se preferencialmente no bulbo, a 2 cm do piloro, com < 2 cm de diâmetro.Em 90% dos pacientes, é caracterizada por: taxas de secreção ácida gástrica basal média e noturna aumentadas. A razão desse processo secretório alterado é obscura, porém a infecção por H. pylori pode contribuir. A secreção de bicarbonato está significativamente reduzida no bulbo duodenal de pacientes com UD em atividade em comparação com os controles. A infecção por H. pylori também pode desempenhar um papel nesse processo de diminuição de secreção de bicarbonato, Os pacientes também podem ter maior: massa de células parietais e principais, gastrinemia de jejum e pós-prandial, sensibilidade ao estímulo alimentar e à gastrina; menor inibição da secreção gástrica pela redução de pH e esvaziamento gástrico acelerado. 

Por outro lado, as UGs são mais prevalentes em países orientais, em especial, os países subdesenvolvidos, afetando adultos > 55 anos, discreta predominância no gênero masculino. Exibem maior mortalidade em função de maiores risco de eventos hemorrágicos, assim como em função das características epidemiológicas (idade). Ocorrem em pacientes com H. pylori e/ou em usuários de AINEs. A deficiência dos fatores defensivos da barreira mucoprotetora está relacionada à hiposscreção de ácido clorídrico e ao refluxo duodenogástrico. A bile refluída rompe a barreira e possibilita a retrodifusão dos íons H+ para os espaços intra e intercelulares, causando citólise. Geralmente acomete a região pré-pilórica ou a pequena curvatura, próxima à incisura angular. As UGs pré-pilóricas ou que se localizam no corpo gástrico e estão associadas a uma UD ou uma cicatriz duodenal têm patogênese semelhante à das UDs. A produção ácida do estômago (basal e estimulada) tende a ser normal ou reduzida nos pacientes com UG. Quando as UGs se desenvolvem em presença de níveis mínimos de ácido, pode haver uma deficiência nos fatores de defesa da mucosa. As UGs são classificadas com base na sua localização: as UGs do tipo I ocorrem no corpo gástrico e tendem a estar associadas a uma baixa produção de ácido gástrico; as do tipo II localizam-se no antro e a produção de ácido gástrico pode variar de baixa a normal; as do tipo III ocorrem a uma distância de 3 cm do piloro e são comumente acompanhadas de UDs e produção normal ou elevada de ácido gástrico; e as do tipo IV são encontradas na cárdia e estão associadas à produção baixa de ácido gástrico. Nem todo paciente com H. pylori desenvolve DUP. Isso pode ser explicado pela influência e interação de fatores bacterianos com fatores do próprio hospedeiro. Fatores bacterianos: estruturas, adesinas, porinas, enzimas → aumentam a virulência. Fatores do hospedeiro: duração, localização, resposta inflamatória e genética. 

Diagnóstico: a história clínica deve focar nas características da dor, o “dia gástrico” (relação dos sintomas com a alimentação e com os períodos interpran- diais), medicamentos usados (especialmente AINE), tabagismo, doenças concomitantes e antecedentes familiares.Ritmicidade é relação da dor com a alimentação: ritmo a 3 tempos (dói – come – passa), para a UD; a 4 tempos (bem – come – dói – passa), para a UG. Clocking é a dor noturna que desperta o paciente e melhora com ingestão alimentar; é sugestiva, mas não exclusiva de UD.Buscar por associação com DRGE, que é comum nos pacientes com UD. O exame físico é pouco revelador, exceto na vigência de complicações.

Propedêutica complementar | EDA: é o exame diagnóstico. Possibilita obtenção de biópsias e atuação terapêutica, reduzindo o número de cirurgias e a gravidade das complicações. Toda lesão ulcerada gástrica deve ser submetida à histologia e à EDA após 6 semanas do tratamento. A histologia da UD não é necessária – malignidade é rara nessa localização. Vários métodos detectam H. pylori, tais como sorologia, teste respiratório com carbono-13 e pesquisa de antígeno nas fezes. A sorologia é indicada para diagnóstico e avaliação epidemiológica, não para controle de erradicação ou detecção de infecção recente. Para pacientes que se submeterão à EDA, o teste mais barato é o da urease. Cultura e reação em cadeia da polimerase (PCR) da biópsia. A pesquisa deve incluir dois métodos para eliminar resultados falso-negativos.

Tratamento | Clínico: analgesia, aceleração da cicatrização e prevenção de recorrência, sobretudo de complicações. Baseia-se na elevação do pH gástrico, reforço da barreira mucoprotetora e erradicação de agentes precipitantes. A cura da DUP envolve a erradicação do H.pylori e a proscrição de AINE. A hospitalização é reservada para complicações. Orientar cessar tabagismo, pois o mesmo retarda a cicatrização e aumenta a recidiva. Quando há recidiva, na ausência da H. pylori ou de associação com uso AINEs, devem ser pesquisados gastrinoma, hiperparatiroidismo, mastocitose e agentes infecciosos.| UP ativa: cicatrizam espontaneamente em até 60%, sob tratamento, em mais de 90%.

Os fármacos que reduzem a acidez gástrica, como bloqueadores dos receptores H2 (BH2) e inibidores da bomba de prótons (IBPs) da célula parietal são potentes inibidores da secreção clorídrica e não afetam a sereção de fator intrínseco ou a motilidade. Devem ser mantidos por 4 a 8 semanas, exceto quando persiste H. pylori ou a necessidade de AINEs.

Sucralfato é sitioprotetor: forma uma barreira protetora ao se complexar de forma insolúvel com as proteínas da base da úlcera, impedindo que ácido, pepsina e sais biliares agridam o local. Empregado por via oral (VO), na dose de 1 g, meia hora antes das refeições e ao deitar, não deve ser associado com antiácido (AA). Seu efeito colateral mais importante é a obstipação intestinal. Os antiácidos, hidróxido de magnésio e/ou de alumínio, trissilicato de mag- nésio, carbonato de cálcio e o magaldrato são utilizados como sintomáticos. Prescreve-se 120 mEq (10 mL, em média), uma hora após as refeições e ao deitar. Os critérios de escolha do AA são conteúdo de sódio e hábito intestinal. O mais frequente efeito colateral é a obstipação, pelo hidróxido de alumínio, e diarreia, pelo de magnésio.

Os BH2 atuam por antagonismo competitivo, seletivo e reversível. Apesar da maior experiência com cimetidina e ranitidina, todos são igualmente eficazes e tolerados. Raramente causam efeitos colaterais. Tempo de uso e alimento reduzem a eficácia. Não determinam cicatrização mais rápida que os AA, mas eliminam os sintomas mais prontamente e proporcionam maior adesão. A dose oral diária de BH2 para adultos, bipartida ou única noturna: ??????

Os IBP são os mais potentes hipossecretores e os medicamentos de escolha. Determinam mais rápida resolução sintomática e cicatrização e não sofrem taquifilaxia. IBP, ao serem protonados no canalículo secretor da célula parietal, são convertidos à forma ativa, que inibe a bomba de prótons, a enzima H+K+ ATPase. Essa enzima, presente na membrana dos canalículos da célula, troca hidrogênio intracelular pelo potássio ex- tracelular (o hidrogênio liga-se ao cloro, formando HCl). A via efetora final da produção de HCl é inibida de forma potente e irreversível, quando as formas ativas dos IBP reagem com os grupos sulfidrila daquela enzima. São administrados a pacientes com UP ativa, em dose única, de 30 a 60 minutos antes da primeira refeição do dia, por 4 semanas para portadores de UD e por 8 semanas, para os de UG. Erradicação do H. pylori: os melhores resultados foram obtidos com associação de sal de bismuto, metronidazol e tetraciclina (ou amoxicilina). Mais recente é a associação de citrato de bismuto ranitidina (CBR) na dose diária de 800 mg em 2 tomadas, com 2 antimicrobianos, por 7, 10 ou 14 dias. Há necessidade da associação de pelo menos três medicações por, no mínimo, sete dias para a erradicação com sucesso. Resistência bacteriana e

aderência determinam falha. A escolha do esquema de erradicação depende de fatores como: eficácia, disponibilidade, resistência antimicrobiana e custo. O controle de erradicação deve ser realizado pelo menos 4 semanas após o tratamento. Frente ao insucesso da erradicação, insiste-se por mais duas ocasiões. Persistindo a falha na erradicação, mantém-se IBP em dose plena.

Pancreatite aguda (PA) | Definição: definida pela instalação de processo inflamatório do pâncreas, com possível acometimento regional (estruturas peripancreáticas) e/ou sistêmica (à distância).  Em 80% dos casos, a apresentação é considerada leve, isto é,  com acometimento essencialmente restrito ao pâncreas e sem insuficiência orgânicas.  Nos 20% restantes,  a apresentação pode ser grave,  caracterizada por necrose tecidual e, consequentemente, por insuficiência orgânica pancreática ou de múltiplos órgãos persistentes por mais de 48h. São fatores de risco para PA:     obesidade e abuso de álcool. Quadro clínico: dor na região superior do abdome, descrita em "faixa", de moderada/ grave intensidade, contínua e progressiva, com pico doloroso na 1° hora e persistindo após 24h, até que evolui com dor parietal.

Epidemiologia: a incidência dessa doença tem aumentado por conta da utilização mais ampla de exames séricos e radiológicos, o que possibilita mais diagnósticos, além da incidência aumentada de cálculos biliares (uma das causas da pancreatite aguda) devido à epidemia de obesidade. O risco de desenvolver essa doença é 4 vezes maior em pacientes de 25 a 75 anos, de 2 a 3 vezes maior na população negra nos Estados Unidos, e 2 vezes maior caso o sujeito tenha uma adiposidade abdominal aumentada, mas sem ter o índice de massa corporal alterado.

Fisiopatologia: ocorre devido a uma cascata de eventos que se inicia pela ativação intrapancreática de enzimas digestivas (como tripsina, fosfolipase A2 e elastase) de células acinares, levando a um processo de autodigestão e inflamação. Em sequência, temos o envolvimento do sistema imune, que acaba por ativar e provocar o sequestro de neutrófilos e macrófagos no pâncreas, levando a um aumento do processo inflamatório intrapancreático. Por fim, a terceira fase, trata-se a respeito dos efeitos das enzimas proteolíticas ativadas e das citocinas liberadas pelo pâncreas inflamado nos órgãos adjacentes. Nessa fase, podemos observar os efeitos das enzimas proteolíticas, que não apenas digerem os tecidos pancreáticos e peripancreáticos, mas também levam a ativação de outras enzimas, como elastase e fosfolipase A2. Essas enzimas e citocinas digerem as membranas das células e causam proteólise, edema, danos vasculares, hemorragia intersticial e necrose. A lesão e morte celulares resultam na liberação de peptídeos de bradicinina, que produzem vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e edema, que afeta profundamente muitos órgãos, podendo levar a síndromes como a síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS).

Etiologia: a maioria dos casos é secundária a doenças biliares, como litíase biliar (incluindo microlitíase), ou ingesta excessiva de álcool (sendo esses responsáveis por 80 a 90% dos casos). Nos casos de litíase pancreática, ocorre um aumento da pressão no ducto pancreático devido a passagem de cálculos biliares na ampola de Vater; isso acaba acarretando nos efeitos tóxicos do ácido biliar nas células acinares. A pancreatite alcoólica crônica é marcada por vários episódios recorrentes de pancreatite aguda, em geral, desencadeadas após liberação alcoólica. As crises de pancreatite aguda podem ocorrer nos pacientes suscetíveis após curtos períodos de grande consumo de bebidas alcoólicas. Um pouco menos de 10% de quem consome regularmente bebidas alcoólicas desenvolvem pancreatite grave. Além disso, a pancreatite aguda pode ocorrer no pós-operatório de cirurgias abdominais e cirurgias cardíacas (pelo efeito da CEC). A incidência depende do tempo de cirurgia e do grau de proximidade entre o pâncreas e o local operado. Nas cirurgias abdominais, o mecanismo é o trauma direto.

Quadro clínico: o principal sintoma de pancreatite aguda é a dor abdominal. Nos casos típicos, a dor irá se localizar no epigástrio e na região periumbilical, podendo apresentar irradiação para o dorso, tórax, flancos e partes inferiores do abdome. Dor intensa, em faixa, com irradiação para o dorso. Na anamnese: náuseas, êmese, e distensão abdominal devida à hipomotilidade gástrica e intestinal são queixas muito frequentes. Pacientes podem relatar alívio dos sintomas na posição genupeitoral. No exame físico: paciente com humor ansioso e inquieto; febre, sinais de desidratação, taquicardia e, em casos mais graves, choque e coma. Icterícia aparece em 10% dos casos.  Além disso, alguns sinais cutâneos podem ser observados, como equimose em flancos – Sinal de Grey-Turner; equimose periumbilical – Sinal de Cullen; necrose gordurosa subcutânea – Paniculite; equimose na base do pênis – Sinal de Fox.

O diagnóstico de pancreatite aguda é definido pela presença de pelo menos duas das três características primárias, sendo elas apresentação clínica, alterações nos exames laboratoriais, e alterações nos exames de imagem.

Propedêutica complementar: os exames laboratoriais consistem na análise dos níveis de amilase e lipase sérica. Dentro de poucas horas após o início dos sintomas, ocorre o aumento dos níveis dessas enzimas. Aumentos superiores a 3 vezes o limite superior dos níveis normais dessas enzimas são o teto recomendado para o diagnóstico. Há dois fatores a serem levados em consideração na dosagem dessas enzimas, a hipertrigliceridemia acentuada, que interfere no doseamento, e a insuficiência renal, que pode levar os níveis de amilase e lipase até 5 vezes mais o limite superior do normal, mesmo em ausência de pancreatite. Outras condições que mimetizam pancreatite aguda e aumentam os níveis séricos devem ser levadas em consideração, por exemplo isquemia e infarto intestinal, obstrução intestinal, colecistite e coledocolitíase. A dosagem da lipase é preferível em detrimento da amilase, tendo em vista que a primeira apresenta maior especificidade, menor custo e sensibilidade semelhantes. Os valores de referência das enzimas são abaixo de 160 U/L para amilase sérica e até 140 U/L para a lipase sérica. A bioquímica hepática tende a estar elevada se a causa da pancreatite aguda por cálculos biliares. Nesses casos, ocorre aumento dos níveis de alanina aminotransferase (ALT) sérica, o que indica cálculos biliares como causa. Apesar disso, qualquer elevação significativa das enzimas hepáticas podem sugerir litíase biliar como causa da pancreatite aguda. Os exames de imagem que podem ser solicitados são USG/ TC abdominal. USG:  evidencia o aumento do pâncreas, bem como edema ou coleções fluidas peripancreáticas associadas.Maior acurácia quando a etiologia é obstrução ductal por cálculo (HD: litíase biliar). A visualização pode ser insatisfatória em detrimento de fatores como: biótipo do paciente ou excesso de gases intestinais. TC: geralmente não é o exame de escolha para a maioria dos casos, exceto se for primomanifestação, ou em casos de difícil determinação do fator etiológico ou ainda em casos de difícil resolução. Apesar disso, apresenta maior resolução espacial quando comparada à USG, logo, detecta com maior precisão o fenômeno de necrose ou coleções fluidas peripancreáticas. Numa TC com contraste, o parênquima pancreático sem opacificação indica necrose. 

Tratamento: O tratamento consiste em analgesia, reposição volêmica e suporte nutricional. A maioria dos pacientes se recuperam em alguns dias, mas é impossível identificar quais deles terão esse desfecho. Pancreatites de casos mais graves devem ser encaminhadas para a UTI. Para o controle da dor, são utilizados narcóticos parenterais (hidromorfona 1 a 2mg, a cada quatro a seis horas, com aumento de dose conforme necessidade do paciente), além de agentes anestésicos.A conduta de hidratação precoce e agressiva (250 cm³/h ou mais) nas primeiras 12 a 14 horas é necessária para normalizar o nitrogênio ureico sanguíneo (NUS), o hematócrito, os sinais vitais e a geração de débito urinário. Geralmente se opta pela solução de Ringer lactato em detrimento da solução salina normal. A alimentação pode ser introduzida por uma dieta sólida pobre em gorduras após cessarem os ruídos intestinais e as náuseas, sem necessariamente ter a dor abdominal resolvida. É preferível a conduta de dieta oral após 72 horas da admissão do que alimentação nasoenteral precoce. Esta é preferível para pacientes que não toleram alimentação oral. 

IAM: A coronariopatia aguda sem supradesnivelamento do segmento “ST” é uma entidade clínica

Epidemiologia: IAM figura entre uma das principais causas de óbito no Brasil. A incidência anual figura entre 300.000 a 400.000 casos, sendo que 60.000 evoluirão para óbito. 

Fisiopatologia: a aterogênese é o fenômeno patológico responsável por inúmeras doenças cardiovasculares, incluindo quadros de infarto agudo do miocárdio cuja morbimortalidade se traduz em importante problema de saúde pública. 

A aterosclerose é produto da interação de células e mediadores inflamatórios com células do endotélio vascular, com lipoproteínas circulantes e com constituintes da cascata de coagulação. O resultado danoso dessa interação é observado nos quadros de IAM, nos quais as artérias coronarianas estão preenchidas por placas de gordura e posteriormente placas fibrosas/ calcificadas, provocando estenose do lúmen do vaso e consequente isquemia miocárdica, assim como existe relação com o número de colaterais existentes. Colaterais aumentadas e a diminuição dos determinantes de consumo de oxigênio (FC, contratilidade, débito cardíaco e pós carga) são fatores protetores. Existe uma relação direta entre tempo de isquemia e morte de cardiomiócitos. Os infartos do miocárdio (IM) são divididos em: com supradesnivelamento do segmento ST e sem supradesnivelamento do segmento ST. O IAMSSD pode ser classificado como IAM tipo I: decorre de doença arterial coronariana de natureza aterotrombótica, sendo desencadeado pela erosão ou ruptura de uma placa aterosclerótica. O IAM tipo II (MINOCA): lesão miocárdica precipitada por desbalanço entre a oferta e demanda de oxigênio, sem que haja ruptura de placa aterosclerótica. A mortalidade é maior no IAM tipo II. Também existem os tipos III, IV e V, respectivamente denominados: súbito (alta suspeita de IAM com evolução para óbito, sem ao menos dar tempo de detectar marcadores de necrose), pós-procedimentos (ex.: stent e ou angioplastia) e pós-revascularização.

Sintomas | Clássicos: desconforto torácico, de extremidades superiores, mandibular e/ou epigástrico. Equivalentes isquêmicos: palpitações, náusea, vômitos, sudorese, dispnéia importante, síncope. No entanto, estes sintomas não são específicos para isquemia miocárdica e podem ser observados em outras condições, tais como:  pericardite, dissecção aguda da aorta, valvular (estenose mitral, estenose mitral, prolapso), DRGE, espasmo, úlcera péptica, colecistite, TEP, pneumotórax, osteomuscular ou distúrbios psiquiátricos (sd. ansiedade generalizada ou sd. pânico).

Diagnóstico bioquímico | Marcadores de necrose: buscar por lesão miocárdica causada por isquemia aguda → curva dos marcadores (troponina T e I fração cardíaca), ou mais recentemente a troponina ultrassensível → acima do percentil 99 do LSN. | Troponina | Início: 2-4 horas | Pico: 12-24 horas | Normalização: 5-10 dias.

ECG: ponto J e elevação do segmento ST indicam IAM. O segmento ST pode, eventualmente, tornar-se indistinguível da onda T. 

Terapêutica geral: oxigenioterapia, analgesia e sedação, controle glicêmico. Antitrombóticos (heparina) são úteis e necessários para bloquear o processo fisiopatológico, dependente da ativação do sistema da coagulação.

Antiagregantes plaquetários: A terapia com aspirina ainda é considerada chave para pacientes com SCA, independentemente do cenário clínico e da estratégia de tratamento conservador, intervenção coronariana percutânea (ICP) ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRM). Em síntese, pacientes com SCA demonstram falta de benefício com altas doses de manutenção de aspirina pela ausência de relação dose-resposta e pela maior incidência de sangramento gastrointestinal. Anti-isquêmico | Sublingual: dinitrato de isossorbida 5 mg, mononitrato de isossorbida 5 mg, nitroglicerina 0,4 mg. Intravenosa: nitroglicerina (diluição em 250 mL de SF 0,9% ou SG 5%)

Inibidores do SRAA | IECA: Captopril 6,25 mg (dose inicial). Dose-alvo 50 mg, 3 x/dia | Enalapril 2,5 mg 2 x/dia (inicial). Dose-alvo 10 mg, 2 x/dia | Ramipril 2,5 mg 2 x/dia (inicial). Dose-alvo 5 mg 2, x/dia | Lisinopril 5 mg 1 x/dia (inicial). Dose-alvo 10 mg, 1 x/dia | Trandolapril 1 mg 1x/dia (inicial). Dose-alvo 4 mg, 1 x/dia

B-bloqueadores | Propranolol 20 mg, 8/8 horas (inicial). Dose-alvo 40-80 mg, 8/8 horas | Metoprolol 25 mg, 12/12 horas (inicial). Dose-alvo 50-100 mg, 12/12 horas | Carvedilol 3,125 mg, 12/12 horas (inicial). Dose-alvo 25 mg, 12/12 horas

Hipolipemiantes | Alta potência: Atorvastatina 40-80 mg/dia | Rosuvastatina 20-40 mg/dia | Pitavastatina 2-4 mg/dia

| Moderada potência: Sinvastatina 40 mg | Pravastatina 20-40 mg.

Aneurisma aórtico abdominal | Introdução: doença da principal artéria do corpo humano, que apresenta elevada morbimortalidade, contudo, é frequentemente assintomática até a manifestação de complicações (ruptura). Define-se como aneurisma aórtico abdominal (AAA) como a dilatação focal anormal da aorta abdominal, na qual o diâmetro total do vaso ultrapassa 50% do diâmetro normal esperado para aquela porção, em que o parâmetro de normalidade varia conforme faixa etária, gênero e antropometria. Os fatores de risco são: tabagismo, idade avançada, gênero masculino, brancos, HAS, doença aterosclerótica, antecedente familiar de aneurisma. Quando o diâmetro é maior que 5,5 cm (homens) e 5,0 cm (mulheres), há maior risco de ruptura. Diagnóstico diferencial: pancreatite, litíase renal ou biliar, isquemia mesentérica e IAM. 

Diagnóstico | Quadro clínico: dor abdominal intensa em quadrantes superiores + massa palpável em região supraumbilical + hipotensão / choque hipovolêmico. Propedêutica complementar: angiotomografia é o padrão ouro para screening, diagnóstico ou planejamento terapêutico. 

O diagnóstico diferencial deve ser realizado com pancreatite, cólica renal, diverticulite, isquemia mesentérica, doenças das vias biliares ou isquemia coronariana de parede inferior.

Tratamento: a indicação do tratamento cirúrgico da aorta depende da posição anatômica do aneurisma, das suas dimensões e da velocidade de crescimento. A escolha entre o tratamento endovascular ou cirúrgico baseia-se na adequação anatômica do caso (quanto maior a complexidade, pior a chance de sucesso e necessidade de reintervenções tardias) e no risco cirúrgico do paciente. O tratamento pode ser por substituição do segmento acometido pelo aneurisma por um tubo sintético ou enxerto aórtico. Outra opção menos invasiva é utilização de uma endoprótese para reforçar a

parede da aorta.

Pericardite | Definição: o pericárdio é um saco fibroelástico que envolve o coração, composto de duas camadas, uma visceral e outra parietal, separadas por um espaço virtual, a cavidade pericárdica. Em indivíduos saudáveis, essa cavidade contém de 15 a 50 mL de um líquido semelhante ao plasma, rico em fosfolipídeos que lubrificam esses folhetos. As principais funções do pericárdio são as de fixação do coração, redução do atrito entre o coração e as estruturas vizinhas, barreira contra as infecções, distribuições das forças hidrostáticas durante o ciclo cardíaco e a prevenção da dilatação aguda na diástole. A pericardite aguda, uma inflamação dos folhetos pericárdicos, possui múltiplas causas e apresenta-se tanto como doença primária quanto secundária. Caracteriza-se por dor precordial, atrito pericárdico e anormalidades no eletrocardiograma (ECG). Em geral, é uma entidade subclínica observada mais frequentemente em necropsias do que durante a vida. Às vezes, ocorre associada à miocardite. Na patogenia viral, propõe-se um processo bimodal, com estágio inicial caracterizado por replicação viral e estágio tardio, no qual se verificam infiltração linfocitária e necrose celular em virtude do processo autoimune. A incidência é desconhecida e, por ter curso frequentemente autolimitado ou fazer parte de processo sistêmico, pode não ser percebida. A pericardite é mais comum nos homens e em adultos. Os aspectos patológicos são aqueles encontrados em um processo inflamatório agudo, podendo envolver também, superficialmente, o miocárdio, o que ocorre com frequência.Na pericardite recorrente, em 15 a 32% dos casos, o mecanismo é desconhecido, embora se admita ser secundário à resposta autoimune.

Quadro clínico: varia com a etiologia, mas de modo geral, a principal manifestação é a dor  precordial com irradiação para andar superior do abdome, acompanhada de febre alta, astenia, dispneia e queda do estado geral. A dor piora ao decúbito, portanto, melhora quando paciente está sentado. EF: derrame pericárdico, atrito e taquicardia. é precordial, podendo irradiar para a borda do músculo trapézio esquerdo, com características pleuríticas, piorando com os movimentos respiratórios ou com a movimentação do tórax, com duração de horas ou dias e melhora ou piora com a postura do corpo. Etiologias | Viral: enterovírus, HBV, Epstein-Barr e varicela. Bacteriana: S. aureus, S. pneumoniae, E.coli, Klebsiella sp, Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae. | Fúngica: histoplasmose, candida albicans, paracoccidioidomicose (mais comum em imunodeprimidos) | Autoimune: FR, LES, AR e esclerodermia | Metabólicas: uremia, gota e mixedema | Demais causas: pós-IAM, traumática, síndrome pós-pericardiotomia e secundária à neoplasias.

Diagnóstico: dado pela presença de pelo menos dois dos três critérios: dor torácica característica, atrito pericárdico e ECG com alterações de repolarização ventricular. 

Propedêutica complementar | Radiografia de tórax: pode ser normal ou com aumento de área cardíaca (derrame pericárdico maior que 250 mL). Ecocardiograma: derrame pericárdico, indícios de tamponamento.

Bioquímicos: podem ser úteis para investigar etiologia e complicações →  VHS, PCR, leucograma, ureia e creatinina, BT/BI, TGO/TGP, urina 1 e troponina fração cardíaca. 

Tratamento | Objetivo: eliminar o fator causal --> doença de base.

Farmacológico | Colchicina: monoterapia ou associada a AINEs (Ibuprofeno). Corticosteróides: alternativa ao uso de AINEs.Pericardite bacteriana →  ATBterapia. Critérios de internação: derrame pericárdico exuberante, febre alta ou pacientes imunodeprimidos. 

Referências bibliográficas:

 

1-  Medicina interna de Harrison [recurso eletrônico] / J. Larry Jameson... [et al.] ; tradução: André Garcia Islabão...[et al.] ; [revisão técnica: Ana Maria Pandolfo Feoli... [et al]. – 20. ed. – Porto Alegre : AMGH, 2020.

e-PUB.

 

2- Goldman-Cecil Medicina, volume 1 / editado por Lee Goldman, Andrew I. Schafer ; revisão científica Abouch Valenty Krymchantowski ... [et. al.] - 25. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2018.

 

3-  A gastroenterologia no século XXI : manual do residente da Federação Brasileira de Gastroenterologia / Flávio Antonio Quilici, Nelma Pereira de Santana, José Galvão-Alves. - 1. ed. - Barueri [SP] : Manole, 2019.

 

4- Tratado de cardiologia SOCESP / Fernanda M. Consolim-Colombo, Maria Cristina de Oliveira Izar, José Francisco Kerr Saraiva. - 4. ed. - Barueri [SP] : Manole, 2019.

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