Pesquisando sobre a resolução de problemas
em 26 de Janeiro de 2019
Ao concentrar a investigação sobre as dificuldades no ensino e aprendizagem de funções foram enfocadas as competências de 60 alunos do Ensino médio, as quais não puderam, é claro, ser diretamente observadas, mas inferidas a partir de tarefas contextualizadas. Desses 60 alunos participantes todos apresentaram dificuldade na resolução dos testes envolvendo funções.
Esta pesquisa apresenta os resultados (identificação das dificuldades de se compreender o estudo das funções) de um estudo sobre funções que incidiu sobre a aprendizagem da matemática no ensino médio. O estudo a que este projeto se reporta, aborda as competências de ensino de funçoes, avaliando-as através de um instrumento construído com base em modelos da aprendizagem postulados pelas teorias matemáticas didáticas aplicadas ao segundo grau. A amostra foi constituída por 60 alunos com idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos do segundo grau. O instrumento de avaliação está organizado em níveis de dificuldade (testes aplicados), de acordo com o nível de escolarização dos alunos. Ambos os níveis de teste incluem diversos questões, por exemplo, que envolve contagem, cálculo e resolução de problemas de funções. Os resultados confirmam alguns dados teóricos e empíricos relativos ao ensino e à aprendizagem de funções. Assim, enquanto que alunos mais jovens usam mais estratégias manipulativas os mais adultos adotam, sobretudo estratégias experimentais. Finalmente, os resultados sugerem que esta prova de avaliação é útil para a identificação dos conhecimentos e das estratégias que alunos utilizam na resolução de cálculos que envolva funções, constituindo-se num meio que auxiliou na implementação da identificação do problema do ensino e aprendizagem de funções.
Falar de ensino e aprendizagem implica a compreensão de certas relações entre alguém que ensina, alguém que aprende e algo que é objeto de estudo – no caso, aqui o conhecimento matemático. Nessa triangulação, professor-aluno-conhecimento, tem-se presente a subjetividade do professor e dos alunos, que em parte é condicionadora do processo ensino e aprendizagem.
Para o entendimento da complexidade que permeia uma situação didática, devemos destacar algumas concepções sobre o processo como: a questão didática, a questão pedagógica, contextualização e transposição didática, que tratam de explicitar alguns dos fenômenos que fazem parte da situação didática.
Sobre o processo de ensino e aprendizagem, uma primeira corrente, historicamente a mais presente nas nossas salas de aula de matemática, identifica ensino com transmissão de conhecimento, e aprendizagem com mera recepção de conteúdos. Nessa concepção, a aprendizagem é vista como um acumulo de conhecimentos, e o ensino baseia-se essencialmente na verbalização do conhecimento por parte do professor. Se por um lado essa concepção teórica apresenta a vantagem de se atingir um grande numero de alunos ao mesmo tempo, visto que a atividade estaria a cargo do professor, por outro lado demanda alunos bastante motivados e atentos a palavra do professor, o que não parece ser o caso para grande parte de nossos alunos, que estão imersos em uma sociedade que oferece uma gama de outras motivações.
Uma segunda corrente, ainda pouco explorada em nossos sistemas de ensino, transfere para o aluno, em grande parte, a responsabilidade pela sua própria aprendizagem, na medida em que o coloca como ator principal desse processo. As idéias socioconstrutivistas da aprendizagem se realiza pela construção dos conceitos pelo próprio aluno, quando ele é colocado em situação de resolução de problemas. Essa idéia tem como premissa que a aprendizagem se realiza quando o aluno, ao confrontar suas concepções, constrói os conceitos pretendidos pelo professor. Dessa forma, caberia a este o papel de mediador, ou seja, de elemento gerador de situações que propiciem esse confronto de concepções, cabendo ao aluno o papel de construtor de seu próprio conhecimento matemático.
A primeira concepção da origem ao padrão de ensino definição seguido de exemplos e exercícios, ou seja, a introdução de um novo conceito dar-se-ia pela sua apresentação direta, seguida de certo numero de exemplos, que serviriam como padrão, e aos quais os alunos iriam se referir em momentos posteriores; a cadeia seria fechada com a apresentação de um grande numero de exercícios, bastante conhecidos como exercícios de fixação.
Já na segunda concepção, tem-se o caminho inverso, ou seja, a aprendizagem de um novo conceito matemático dar-se-ia pela apresentação de uma situação-problema ao aluno, ficando a formalização do conceito como a ultima etapa do processo de aprendizagem. Nesse caso, caberia ao aluno a construção do conhecimento matemático que permite resolver o problema, tendo o professor como um mediador e orientador do processo ensino-aprendizagem, responsável pela sistematização do novo conhecimento.
Essa concepção, de certa maneira, estão na base de diferentes metodologias que permeiam a sala de aula de matemática. Uma dessas metodologias é a da questão didática. Antes de tudo, é preciso diferenciar questão didática de questão pedagógica.
A questão pedagógica baseia-se essencialmente na relação professor-aluno, e suas clausulas são, na sua maioria, explicitáveis. No geral, são negociadas entre o professor e os alunos, e se mantêm relativamente estáveis no tempo. Nessa questão, fica determinado o papel de cada um dos elementos humanos da situação didática (professor e aluno); não existem articulações com o saber objeto de ensino e aprendizagem. Por exemplo, a questão pedagógica estabelece à forma de acompanhamento das atividades, a organização do espaço da classe, a distribuição do tempo em sala de aula, os momentos de trabalho em grupo, etc.
É em relação ao terceiro elemento da triangulação – o conhecimento matemático – que se tem o conceito da questão didática. Essa questão, que representa o motor para a aprendizagem de certo conceito matemático, tem suas clausulas bastante implícitas. Elas se tornam explicitas somente quando ocorre o rompimento da questão por uma das partes (professor ou aluno). Nessa questão esta a subjetividade e a expectativa dos componentes humanos, portanto ele precisa ser renegociado continuamente em função dos objetos matemáticos que estão em jogo no processo de aprendizagem.
A ruptura dessa questão de forma unilateral provoca efeitos diferentes. No caso da questão pedagógica, aparecem mudanças e conflitos na relação estabelecida entre o professor e os alunos. No caso da questão didática, a ruptura unilateral pode levar à criação de verdadeiros obstáculos a aprendizagem. Por exemplo: na passagem da aritmética para a álgebra é preciso renegociar as clausulas, pois agora a letra não é mais uma simples incógnita, mas passa a representar uma variável. Se no inicio da passagem da aritmética para a álgebra a letra representa um elemento desconhecido que se quer descobrir, aos poucos ela vai assumindo diferentes status, como, por exemplo, o de variável no trabalho com as funções, o de elemento genérico de determinado conjunto numérico, o de parâmetro no caso de identidades trigonométricas, etc. Outro exemplo: na mudança de campos numéricos, dos naturais para os reais, agora faz parte da questão que multiplicar não significa mais somente um aumento de valor numérico.
Ancorada nas concepções de aprendizagem, e fortemente articulada com o conceito de questão didática, surge à idéia de transposição didática, que vem freqüentemente dividida em dois grandes momentos: a transposição didática externa e a transposição didática interna. A primeira toma como referencia as transformações, as inclusões e as exclusões sofridas pelos objetos de conhecimento matemático, desde o momento de sua produção ate o momento em que eles chegam à porta das escolas. Atuando, de certa forma, em uma esfera exterior a escola (mas sempre como resposta as suas demandas), o produto dessa transposição didática externa se materializa, em sua maior parte, pelos livros didáticos e pelas orientações curriculares, como o presente documento.
A transposição didática interna apresenta-se, por sua própria natureza, no interior da escola e, mais particularmente, em cada uma de nossas salas de aula. É o momento em que cada professor vai transformar os conteúdos que lhe foram designados em conhecimentos a serem efetivamente ensinados. Nesse momento, as escolhas feitas pelo professor é que vão determinar, de certa maneira, a qualidade da aprendizagem dos alunos.
A discussão de conteúdos enfoca a transposição didática ao dar ênfase ao ensino-aprendizagem que valoriza o raciocínio matemático e ao desaconselhar à simples aplicação de regras e formulas a lista repetitiva de exercícios, freqüentemente presente em boa parte dos livros didáticos.
O conceito de transposição didática também aparece intimamente ligado a idéia de contextualização, e ajuda a compreender a dinâmica de produção e circulação dos saberes que chegarão à escola e entrarão em nossas salas de aula. É na dinâmica de contextualização/descontextualização que o aluno constrói conhecimento com significado, nisso se identificando com as situações que lhe são apresentadas, seja em seu contexto escolar, seja no exercício de sua plena cidadania. A contextualização não pode ser feita de maneira ingênua, visto que ela será fundamental para as aprendizagens a serem realizadas – o professor precisa antecipar os conteúdos que são objetos de aprendizagem. Em outras palavras, a contextualização aparece não como uma forma de ilustrar o enunciado de um problema, mas como uma maneira de dar sentido ao conhecimento matemático na escola.
A contextualização pode ser feita por meio da resolução de problemas, mas aqui é preciso estar atento aos problemas fechados, porque esses poucos incentivam o desenvolvimento de habilidades. Nesse tipo de problema, já de antemão o aluno identifica o conteúdo a ser utilizado, sem que haja maiores provocações quanto à construção de conhecimento e quanto à utilização de raciocínio matemático. O uso exclusivo desse tipo de problema consegue mascarar a efetiva aprendizagem, pois o aluno, ao antecipar o conteúdo que esta sendo trabalhado, procede de forma um tanto mecânica na resolução do problema. Isso provoca a cristalização de certa questão didática, que tem como uma das regras implícitas que o aluno não deve se preocupar com o enunciado do problema, basta operar com os números que estão presentes, sem que haja qualquer reflexão sobre o resultado final, mesmo eventualmente absurdo. Vale aqui ressaltar o quanto é importante, para o exercício da cidadania, a competência de analisar um problema e tomar decisões necessárias a sua resolução, competência que fica prejudicada quando se trabalha só com problemas fechados.
Com o desenvolvimento de novos paradigmas educacionais, especialmente daquele que toma a aprendizagem sob a concepção socioconstrutivista, e diante das limitações dos problemas fechados, surgem às propostas de problema aberto e de situação-problema. Apesar de apresentarem objetivos diferentes, esses dois tipos de problemas colocam o aluno, guardando-se as devidas proporções, em situação análoga aquela do matemático no exercício da profissão. O aluno deve, diante desses problemas, realizar tentativas, estabelecer hipóteses, testar essas hipóteses e validar seus resultados.
O problema do tipo aberto procura levar o aluno à aquisição de procedimentos para resolução de problemas. A prática em sala de aula desse tipo de problema acaba pro transformar a própria relação entre o professor e os alunos e entre os alunos e o conhecimento matemático. O conhecimento passa a ser entendido como uma importante ferramenta para resolver problemas, e não mais como algo que deve ser memorizado para ser aplicado em momentos de provas escritas.
Enquanto o problema aberto visa a levar o aluno a certa postura em relação ao conhecimento matemático, a situação-problema apresenta um objetivo distinto, porque leva o aluno a construção de um novo conhecimento matemático. De maneira bastante sintética, podemos caracterizar uma situação-problema como uma situação geradora de um problema cujo conceito, necessário a sua resolução, é aquele que queremos que o aluno construa.
Se por um lado a idéia de situação-problema pode parecer paradoxal, pois como o aluno pode resolver um problema se ele não aprendeu o conteúdo necessário a sua resolução? Por outro lado, a história da construção do conhecimento matemático mostra-nos que esse mesmo conhecimento foi construído a partir de problemas a serem resolvidos.
Em anos recentes, os estudos em educação matemática também tem posto em evidencia, como um caminho para se trabalhar a matemática na escola, a idéia de modelagem matemática, que pode ser entendida como a habilidade de transformar problemas da realidade em problemas matemáticos e resolvê-los interpretando suas soluções na linguagem do mundo real.
A modelagem matemática, percebida como estratégia de ensino, apresenta fortes conexões com a idéia de resolução de problemas apresentados anteriormente. Ante uma situação-problema ligada ao mundo real, como sua inerente complexidade, o aluno precisa mobilizar um leque variado de competências: selecionar variáveis que serão relevantes para o modelo a construir; problematizar, ou seja, formular o problema teórico na linguagem do campo matemático envolvido; formular hipóteses explicativas do fenômeno em causa; recorrer ao conhecimento matemático acumulado para a resolução do problema formulado, o que, muitas vezes, requer um trabalho de simplificação quando o modelo originalmente pensado é matematicamente muito complexo; validar, isto é, confrontar as conclusões teóricas com os dados empíricos existentes; e eventualmente ainda, quando surge a necessidade, modificar o modelo para que esse melhor corresponda à situação real, aqui se revelando o aspecto dinâmico da construção do conhecimento.
Articulada com a idéia de modelagem matemática tem-se a alternativa de trabalho com projetos. Um projeto pode favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares, ao integrar os diferentes saberes disciplinares. Ele pode iniciar a partir de um problema bem particular ou de algo mais geral, de uma temática ou de um conjunto de questões inter-relacionadas. Mas, antes de tudo, deve ter como prioridade o estudo de um tema que seja de interesse dos alunos, de forma que se promova a interação social e a reflexão sobre problemas que fazem parte da sua realidade. São situações a serem trabalhadas sob uma visão interdisciplinar, procurando-se relacionar conteúdos escolares com assuntos do quotidiano dos estudantes e enfatizar aspectos da comunidade, da escola, do meio ambiente, da família, da etnia, pluriculturais, etc.
Para desenvolver o trabalho com projetos, o professor deve estabelecer os objetivos educativos e de aprendizagem, selecionar os conteúdos conceituais e procedimentais a serem trabalhado, preestabelecer atividades, provocar reflexões, facilitar recursos, materiais e informações, e analisar o desenvolvimento individual de cada aluno. Essa modalidade de trabalho pode ser muito educativa ao dar espaço para os alunos construírem e socializarem suas vivencias, observações, experiências, inferências e interpretações.
Adotar a metodologia do trabalho com projetos pode possibilitar aos professores colocar em ação aulas investigativas, as quais permitem aos alunos o rompimento do estudo baseado em um currículo linear. Eles terão uma maior chance de ampliar seu raciocínio, rever suas concepções e superar suas dificuldades. Passarão a perceber a matemática como uma construção sócio-historica, impregnada de valores que influenciam a vida humana, aprenderão a valorizar o processo de criação do saber.
A utilização da historia da matemática em sala de aula também pode ser vista como um elemento importante no processo de atribuição de significados aos conceitos matemáticos. É importante, porem, que esse recurso não fique limitado a descrição de fatos ocorridos no passado ou a apresentação de biografias de matemáticos famosos. A recuperação do processo histórico de construção do conhecimento matemático pode se tornar um importante elemento de contextualização dos objetos de conhecimento que vão entrar na relação didática. A história da matemática pode contribuir também para que o próprio professor compreenda algumas dificuldades dos alunos, que, de certa maneira, podem refletir históricas dificuldades presentes também na construção do conhecimento matemático. Por exemplo, reconhecer as dificuldades históricas da chamada regra de sinais, relativa à multiplicação de números negativos, ou da construção dos números irracionais pode contribuir bastante para o ensino desses temas.
Outra questão importante refere-se à discussão sobre o papel do livro didático nas salas de aula de matemática, particularmente em função da atual conjuntura, em que diferentes programas de avaliação e distribuição de livros didáticos tem se efetivado. O texto didático traz para a sala de aula mais um personagem, seu autor, que passa a estabelecer um diálogo com o professor e seus alunos, refletindo seus pontos de vista sobre o que é importante ser estudado e sobre a forma mais eficaz de se trabalharem os conceitos matemáticos.
Na ausência de orientações curriculares mais consolidadas, sistematizadas e acessíveis a todos os professores, o livro didático vem assumindo, há algum tempo, o papel de única referencia sobre o saber a ser ensinado, gerando, muitas vezes, a concepção de que o mais importante no ensino da matemática na escola é trabalhar o livro de capa a capa. Nesse processo, o professor termina perdendo sua autonomia como responsável pelo processo de transposição didática interna. É importante, pois, que o livro didático de matemática seja visto não como um substituto de orientações curriculares, mas como um recurso a mais.